terça-feira, dezembro 30, 2008

Do mundo rural III

"Aquela ribeira passava ali por trás da casa do meu filho para ir para aquelas terras além, mas agora está aquela bouça medonha, já não é preciso levar lá a água, já nem sabem onde passava o rego".
As infra-estruturas, quer as de regadio, quer os caminhos ("sim, daqui ligava a ..., era por aquele caminho, mas o melhor é ir dar a volta pela estrada que está tudo cheio de mato, já nem se conhece o caminho, só para quem conhecer bem que o senhor ainda fica aí perdido pelo monte"), quer grande parte das outras, as eiras, os canastros (não sei por que razão alguém lhes começou a chamar espigueiros, que nunca vi ninguém numa aldeia, tirando as mais turísticas em que já são uma atracção há anos e mesmo assim, se se perguntar se não tinha outro nome ainda dizem que "a gente quando era canalha chamava-lhe canastro", chamar-lhes outra coisa que não canastros, nome provavelmente originado nos entrançados de canas de que ainda se encontra um ou outro exemplar e que depois dá origem ao nome popular da estrutura óssea do peito de que hoje quase só se tem a memória na expressão pouco amigável "parto-te o canastro") e muitas outras infra-estruturas estão ou caminham para a ruína, incluindo os muros que suportam os socalcos.
Muitas destas estruturas, como as de regadio, até poderão ser pouco eficientes em muitos aspectos e precisar de investimento para as melhorar, mas são estruturas bastante sustentáveis
e de baixo consumo energético.
Repôr a sua funcionalidade onde se perdeu começa a não ser tarefa ao alcance de cada produtor individual, não apenas pelas dificuldades técnicas e elevado custo mas porque lhes começa a faltar o enquadramento social e reconhecimento das regras que permitiam a gestão dos inevitáveis conflitos.
henrique pereira dos santos

1 comentário:

Gonçalo Rosa disse...

Ha algum tempo atras, discutia com um ex-colega do ICNB, a questao do abandono agricola no nordeste transmontano.

Recordamos que a agricultura de pequenas parcelas ai praticada era de subsistencia. Durante grande parte do seculo XX, muitas foram as familias que arrancaram pao do granito, vivendo miseravelmente em Tras-os-montes e em todo o mundo rural portugues. Essencialmente nas decadas de 1960 e 1970 assistiu-se ao exodo rural e a forte migracao para as grandes cidades. Estes movimentos de gentes, em espacos temporais relativamente curtos,
originaram problemas ambientais a epoca praticamente ignorados. O abandono dos campos agricolas e o desordenamento urbano sao talvez os mais visiveis.

As pessoas buscaram na industria e nos servicos, melhores salarios, melhor poder de compra.

Nos dias de hoje, objectivamente, nao sei designar qual o nivel de vida "aceitavel" para um portugues. Vive-se melhor nos meios urbanos que no passado, mas vive-se tambem melhor nos meios rurais. Creio tambem que, em Portugal, trabalhar no sector agricola parece significar ou viver mal e/ou viver de subsidios. E-se socialmente descriminado. E esta segregacao economica e social tem os custos que tem, tambem ao nivel ambiental.