"A gente tem pena de ver as terras por limpar, por isso é que vai fazendo aqui qualquer coisa, mas poucochinho, que daqui por meses estou nos setenta anos e já me vão faltando as forças. Até nem era para podar, mas quê, não gosto de ver isto por tratar. Vou pondo aqui um gádinho, que o milho, se a gente fizer as contas, fica mais caro que ir comprá-lo à vila, o pouco que se vai fazendo é porque a gente gosta ter o que é nosso. Mas mesmo o gado não dá nada, ainda agora tive de vender uma vitelinha e tive de ir três vezes pelo marchante, e foi pelo preço que ele quiz. Sabe, antigamente havia as feiras, ia daqui gado que só visto e sempre vinha um, vinha outro e o negócio fazia-se, mas agora isso acabou tudo, temos nós de andar atrás do marchante e mesmo assim ele nem vem a quando marca, temos nós de andar atrás dele e entregar o gado pelo preço que ele quizer. O gádinho que aqui tenho também acaba por me consumir, que eu nunca fui de ter o gado preso, e para andar com ele no campo tem de se estar sempre atento, que este gado se se prende por aí e parte um galho, é logo um prejuízo grande, que ninguém o compra com os galhos partidos. Mas quê, não gosto de ver os campos feitos em bouças como aquele que ali vê. Onde estão aqueles carvalhos eram campos tão bons como este aqui, mas há coisa de quinze anos o homem deixou de os fazer, que já não tem quem olhe por eles. E criou doze filhos, mas estão três no Canadá, cinco na América, três na França e outros pelo Luxemburgo e sei lá que por onde. Aqui é que não ficou nenhum. Eu bem lhe disse que vendesse aí numa ocasião, quando começaram a voltar de França os de lá cima, mas como não queriam voltar para aquelas terras madrastas, compravam aqui qualquer quintinha pelo preço que pedissem, essa é que tinha sido uma boa maré para vender. Mas quê, a gente gosta das terras e não nas quer vender. Agora ninguém lhas compra, só se for uma nesga de terra para fazer uma casa e ter uma horta, que se for um bocado mais de terra já nem querem que dá muito trabalho para não ficar uma bouça de meter medo como essa que se vê aí em frente".
henrique pereira dos santos
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