Retomando a série de posts sobre ordenamento e gestão, fiquei na questão da participação, com que acabarei, para já, a série.
Há em Portugal um cultura de responsabilização do Estado que parte do princípio de que o dinheiro público cai do Céu e as obrigações do Estado desresponsabilizam os cidadãos.
Ora não sendo verdadeiros nenhum destes dois princípios, o Estado e a Administração Pública são apenas reflexos da sociedade.
Como em Portugal os cidadãos não querem saber das áreas protegidas (mesmo os milhares que as visitam, como os que enchem Sintra todos os fins de semana procuram actividades específicas que apenas uma minoria associa à existência da área protegida) o mais natural é que tenhamos uma má gestão das áreas protegidas.
Há de facto responsáveis da administração que passam o tempo a tentar demonstrar que a má gestão que fazemos do património natural é incompetência dos gestores anteriores e agora que chegou alguém competente tudo vai ser diferente, todos nós já vimos este filme em vários sítios e vários níveis da administração. Em parte isto é verdade, há bons e maus gestores e uns fazem mais e melhor que outros.
Mas essa é a tal parte da responsabilidade individual, não é o resultado da estruturação do Estado para dar resposta às necessidades de gestão do património natural.
Mesmo nos cidadãos mais empenhados na defesa do património natural, que genericamente estarão representados no movimento ambientalista, oscila-se entre a mera reivindicação de mais recursos para os organismos de gestão da conservação (sem que muitas vezes se perceba para quê) e a defesa de normas administrativas nem sempre sensatas.
A discussão pública à volta do Plano de Ordenamento de Montezinho é disso um bom exemplo.
Quase toda a discussão ocorreu à volta de tontices que tinham como único objectivo fragilizar a posição dos promotores do plano por causa de uma proposta perfeitamente normal, e que sempre foi apresentada como discutível, de interdição de parques eólicos.
Quando, ao contrário do habitual, a QUERCUS resolveu quebrar a unanimidade habitual da divisão entre bons e maus e defender uma terceira posição (favorável aos parques eólicos mas fortemente restritiva) nem sequer havia espaço para a sua discussão e a forma como a QUERCUS foi tratada pelo resto do movimento ambientalista foi ao nível do aproveitamento indevido que os promotores da energia eólica fizeram da sua posição.
A discussão substancial perdeu-se totalmente (é verdade que entretanto já estava inquinada por uma intervenção do Sr. Ministro do Ambiente, completamente extemporânea, onde pela primeira vez um responsável governamental resolveu intervir directamente numa discussão pública do plano de uma área protegida para desautorizar os serviços sob sua tutela, condicionando-a, em vez de esperar pelo sim e, ponderando todos os argumentos dela resultantes, decidir o que entendesse como é legítimo e razoável).
Se isto foi assim num plano de ordenamento, onde o processso de participação é mais simples por estar estruturado e definidas legalmente as suas regras, a participação na gestão quotidiana das áreas protegidas tem dificuldades incomparavelmente maiores, sendo verdade o que se diz num dos comentários aos posts anteriores: participar é difícil, caro e exige organização.
Sobretudo quando pela frente se tem uma administração pouco aberta e com um longa cultura de subversão do seu papel, onde a grande maioria dos dirigentes ainda está convencida de que a administração responde primariamente ao governo e não aos cidadãos.
No caso das áreas protegidas, em que na maioria dos casos não há afectação directa dos cidadãos por omissão, como na saúde ou na educação, o mais simples é mesmo não levantar ondas e tentar passar entre os pingos da chuva.
Os mandatos mais longos que conheço de responsáveis pela área da conservação coincidem com frequência com as pessoas menos competentes mas que têm a grande virtude de serem inexistentes.
Um pouco como a queixa de algumas das empresas que aderiram ao Business and Biodiversity e se perguntam por que razão acabam por estar numa posição mais exposta à crítica que os seus concorrentes que não fazem rigorosamente nada na área da biodiversidade e ninguém os incomoda por isso.
Por isso tenho repetido muitas vezes que o nosso património natural é mal gerido porque realmente as pessoas não se incomodam muito com isso, com excepção de alguns pequenos grupos locais cuja notoriedade dificilmente passa o âmbito local (até porque as grandes organizações ambientalistas com capacidade mediática são muito avessas a estudar as causas destes pequenos grupos e apoiá-las, numa lógica de rede) e de alguns processos de grande dimensão que acabam por absorver todo o esforço mediático e de acção das grandes organizações.
A participação pública em Portugal é frágil como uma garça, o Estado fomenta a participação com a elegância e agilidade de um hipopótamo e, naturalmente, a gestão do património natural é má.
Por isso, nestes dias em que estou de saída do ICNB o que mais me incomoda é a sensação de o que me parece ser o projecto mais estruturante do ICNB, a escola na natureza, poder vir a ter sérias dificuldades a prazo para atingir o seu objectivo: chegar anualmente aos 130 000 meninos do oitavo ano de escolaridade.
henrique pereira dos santos
domingo, dezembro 21, 2008
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1 comentário:
Boas Festas ! Naturalmente.
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