segunda-feira, fevereiro 09, 2009

Joanaz e o Freeport



Joanaz de Melo fez umas declarações sobre o caso Freeport bem ilustrativas da minha tese de que vivemos num caldo de cultura muito favorável à corrupção.
Insuspeito de querer defender a aprovação do Freeport, Joanaz de Melo diz:
"Claro que o ICN é tutelado pelo Ministério do Ambiente e se este diz que está ultrapassado o problema de ilegalidade, o ICN tem de seguir as orientações do Governo. E foi o que fez.".
...
"Sente três juristas a uma mesa e veja se não arranjam forma de contornar a lei. A questão do Freeport não deve ser jurídica, pois as leis fazem-se sempre com excepções e há sempre forma de ultrapassar as regras como as que proíbem licenciar um empreendimento desta dimensão numa zona sensível como é a de Alcochete. Temos visto vários casos nos últimos anos"
Resumindo, Joanaz de melo desvaloriza o valor jurídico intrinseco da discussão (é aliás curioso que havendo um parecer a defender a ilegalidade de aprovação do projecto face ao PDM se tenha até agora contraposto que a entidade de tutela do ordenamento não encontrou essa ilegalidade sem que até hoje, que eu tenha visto, alguém tenha analisado seriamente a fundamentação do parecer negativo e as razões que levaram as entidades de tutela do ordenamento a não o adoptar, como se fosse irrelevante para a discussão saber quem tinha razão nesse aspecto essencial para perceber os comportamentos de todos os envolvidos), desavaloriza os procedimentos e remete directamente para a discussão dos resultados.
Exactamente a posição que mais interessa aos que não desvalorizando os procedimentos se servem desta cultura de falta de respeito pela lei e pela regra para obterem os resultados que a aplicação rigorosa da lei e das regras nunca lhe teriam permitido obter.
Portugal tem um problema grave de corrupção e a questão não é tanto apanhar os corruptos mas sim adoptar a montante os procedimentos que dificultam a corrupção.
E como se vê, no mais absoluto insuspeito de estar ligado aos interesses do Freeport, como é Joanaz de Melo, é bem clara a sua complacência para com os procedimentos que ajudam à corrupção (volto a insistir que não faço a mínima ideia se existe ou não corrupção neste caso, limito-me a discutir a forma das decisões de política pública que em Portugal favorecem a existência de corrupção).
henrique pereira dos santos
PS Há nas declarações de Joanaz de Melo outra das confusões permanentes do movimento ambientalista neste tipo de discussões: a ideia de que os Ministérios do Ambiente têm agendas políticas próprias e não que se integram nas agendas globais dos Governos a que pertencem. Esta ideia bizarra é responsável pelo facto dos chefes de Governo em portugal estarem quase sempre automaticamente ilibados das suas responsabilidades em matéria de política ambiental. O que é um erro.
PS 2 Ainda sobre a questão das autoridades de ordenamento do território e o seu escrutínio público vale a pena lembrar um detalhe (e é de detalhes que se alimenta a apropriação privada ilegítima de bens públicos) de um plano, penso que era a Mata de Sesimbra mas não tenho a certeza. Os planos previam um determinado índice de construção. A opção das autoridades de ordenamento do território para o cálculo da área passível de ser construída foi a de considerar o índice para toda a parcela do terreno. Ora acontece que em grandes áreas da parcela não havia qualquer viabilidade de construção (estavam na REN ou tinham outras servidões). Ao optar pela aplicação do índice a toda a área do plano, embora só permitindo a construção nas áreas onde tal era possível pelos planos, estava-se a aumentar em muitos e muitos metros quadrados a área de construção passível de aprovação. Até pode haver, e haverá com certeza, eminentes juristas que defendem que isto faz sentido. Mas o direito é uma coisa demasiado importante para ser deixada apenas aos juristas e parece-me que faria todo o sentido constestar judicialmente este tipo de aplicações da lei (e garanto que não é caso isolado) onde áreas sem qualquer capacidade construtiva são usadas para aumentar a capacidade construtiva de outras áreas através de um detalhe no cálculo do índice de construção que é, seguramente, uma esperteza saloia.

Sem comentários: