segunda-feira, março 23, 2009

Razão e emoção

Tenho publicado em vários posts gráficos da evolução dos fogos. Convém ter em atenção que as escalas mudam à medida dos valores. Por exemplo, o extraordinário salto de 1691 para 3423 bombeiros que se verifica de anteontem para ontem altera bastante a imagem geral do gráfico, ao mesmo tempo que é bem a medida do dia difícil de ontem. E hoje as perspectivas também não parecem ser brilhantes: acompanhei os dados de observação do vento e da humidade às cinco da manhã, às oito e às nove e definição da direcção do vento, bem como a queda da humidade atmosférica são evidentes, sendo que às nove da manhã já havia várias estações com humidades abaixo dos 30%

Ontem foi um dia de muitos fogos, um dos quais próximo da Mata de Albergaria, no Gerês.
Mesmo tendo em conta a observação de Paulo Fernandes no comentário anterior (de que nesta altura, sem folhas, os carvalhais estão mais vulneráveis ao fogo) tenho quase a certeza de que os efeitos destes fogos não são muito relevantes para a conservação.
É claro que me falta informação, há uma referência à proximidade de uma zona de teixos que pode ser preocupante, mas de resto não vejo grandes riscos associados a estes fogos.
Mesmo tendo em atenção a observação de Paulo Fernandes, e considerando-se uma perda a eventual afectação da Mata de Albergaria, não vejo como fogos com tempo relativamente frio, em folhada de mata de carvalho adulta (portanto com relativamente poucos matos altos), mesmo mais desprotegida pela ausência de folhagem nesta altura do ano, pudesse afectar profundamente o carvalhal e a sua capacidade de recuperar em pouco tempo.
Deve evitar-se esta situação, de acordo, mas se suceder não me parece dramática para o património natural.
E no entanto veja-se o Público de hoje:
Chamada de primeira página, referindo "Jóia da floresta nacional ameaçada pelo fogo" (felizmente em Portugal o que não faltam são jóias. Se fosse em montezinho era a jóia das áreas protegidas, se fosse na Arrábida era a jóia do mata mediterrânica, se fosso no sudoeste era a jóia da costa europeia).
E depois duas páginas no interior.
O professor Catarino resolve ajudar à festa dizendo que a mata de Albergaria "é um dos poucos sítios onde a mão do homem nunca pôs o pé" que é evidentemente um disparate porque a mata de Albergaria sempre foi explorada, nomeadamente pelas gentes de Vilarinho da Furna e até a fábrica de vidro de Vilarinho se instalou à sua ilharga para aproveitar a abundância de madeira para os fornos (como fizeram aliás as fábricas de vidro da Marinha Grande em relação ao pinhal de Leiria). E diz ainda que se a mata fosse afectada a sua recuperação seria mais lenta que em outros tipos de formação florestal, afirmação que, tendo em atenção o tipo de fogo em causa, tenho as maiores dúvidas de que tenha alguma fundamentação.
E embora o conteúdo das notícias seja depois bastante mais equilibrado. Ainda assim lá vem outra vez a insidiosa ideia de que a responsabilidade deste incêndio é do pastoreio, embora muito mitigada para o costume.
Mas não se vai ao ponto de explicar que a ignição até pode ter sido provocada por pastores mas que os pastores fazem fogos nestas condições evidentemente desfavoráveis porque o Estado se demitiu da sua responsabilidade de gestão, directa ou indirecta, e portanto não desenha medidas de gestão de combustível com os pastores como aliados e não como inimigos.
Com metade do dinheiro que agora se gastou a controlar o fogo ter-se-iam feito muitos hectares de fogo controlado e seria possível gerir muitos hectares com combinação fogo+pastoreio que teriam diminuído a probabilidade da ignição e teriam seguramente contido os eventuais efeitos negativos do fogo agora descontrolado.
Mas basta ler os comentários dos leitores do público on-line para perceber como a discussão dos fogos está tão próxima da emoção e tão longe da razão.
Só que são muitos poucos os assuntos em que é preferível decidir com o coração em vez de decidir com a razão.
henrique pereira dos santos

2 comentários:

Anónimo disse...

este Pedro Almeida Vieira e muito giro!

Anónimo disse...

Vejam esta: "é um dos poucos sítios onde a mão do homem nunca pôs o pé" a pressa de denegrir o serrano e encontrar um culpado para o fogo dá nisto a mão do homem nunca pôs o pé, faz lembrar o outro na bola, chutou com o pé que tinha mais á mão, realmente com jornalistas destes estamos conversados e sendo verdade o que HPS diz, temos que dizer que o Zé Cabra está perdoado. Adiante,
Partilho do post, mas já agora umas tantas coisas.
Como disse no comentário anterior, o fogo tem muito que se lhe diga. Quando vejo um fogo ou recebo notícia de fogo em floresta ou matos fico logo aflito com o que certa gente vai dizer logo a seguir. É um facto que o governo o que tem feito é propaganda com a questão do combate aos fogos florestais. Mas é isso, combate, e a prevenção, quando, com quem, como, onde e para quê? Aqui nem um ai. De facto à uns certos jornalistas com apetência para falar do fogo mas de prevenção não, porque não tem cenas de faca e alguidar. Aqui à uns anos na Guarda participei num seminário sobre essa temática salvo erro 2004, e por sinal tinha assistido no dia anterior a uma reportagem da SIC sobre esse tema do jornalista Pedro qualquer coisa, e que entrevistou um dirigente da quercus que esteve no dito seminário e eu num dos intervalos troquei umas palavras sobre a questão dos fogos e disse que não devíamos esquecer na analise sobre as causas dos incêndios os interesses económicos que poderiam estar por trás de algumas situações. E disse ainda que com o se gastava só numa descolagem de um avião, porque tinha registado os valores da reportagem, pagávamos a uma equipa de sapadores durante um ano. Ora em cada fogo o avião é usado para umas 5 viagens, o que quer dizer grosso modo tínhamos 5 equipas de sapadores, mais a poupança de milhares de litros de água, mais a criação de dezenas de empregos onde eles fazem mais falta, mais uma quantidade de gente permanentemente trabalhando e vigiando a floresta, mais uma grande quantidade registos de situações de maior risco e a possibilidade de as minorar, mais a tranquilidade criada com a presença de pessoas permitindo que mais gente continue nos seus locais de origem. Parece um conto mas não é, é mesmo assim, um bem gera outro, uma melhoria arrasta outra, um amigo trás outro, não preciso ir a Coimbra para saber que assim é. Olha o que eu fui dizer, que não senhor, os proprietários os pastores blá blá é que eram negligentes e responsáveis pelos fogos, por isto e por aquilo e mais uns trocos. Claro os pobres pastores e proprietário não tem meios para financiar estudos e trabalhos sobre esta problemática, mas os senhores do grande capital podem não é!.
Tenho para mim que o combate é um enorme negócio para meia dúzia de empresas e permite lucros enormes.
Falta essa ligação com as populações, e podem crer não é com coimas ou multas que resolvem o problema. Não minha terra diz o povo que de noite todos os gatos são pardos e outros acrescentam que a noite não tem cancelas. Ou os que lembram que quem matou o juiz foi Mortágua. Ou a narrativa de Aquilino “se entrarem na serra topam gente”.
A propósito lembrei-me agora de uma assim modes que arcaica, quanto é que esses sr.s pagam ou gastam para manter a frente da sua rua limpa, não digam que pagam impostos porque isso eu também pago e não tenho uma iluminação publica decente e uma tensão eléctrica que mal chega aos 200 quando devia ser de 220, que pagam a taxa dos resíduos à câmara isso eu também pago e só recolhem o lixo lá de onde a onde e não tenho passeios na minha rua, mas eu/nós temos que limpar o monte 50 metros à volta das casas.
Baltazar
O Malhadinhas