Nos comentários a este post desencadeou-se uma discussão interessante sobre fogos e valores de conservação.
No meio da discussão invoca-se a autoridade de Fernando Catarino para sustentar uma opinião sobre a matéria.
Fernando Catarino é um contador de histórias impagável, um comunicador fantástico e uma pessoa com quem é impossível alguém ter um confronto directo que não acabe em gargalhadas dada a sua proverbial boa disposição e simpatia.
Mas qualquer pessoa que tenha ido para o campo com Fernando Catarino conhece a sua propensão para inventar nomes de espécies, géneros ou mesmo famílias quando alguém lhe pergunta que planta é aquela. Esta propensão é arquivada no anedotário associado aos cientistas excêntricos e não belisca aparentemente a sua reputação quanto ao rigor do que diz. Todos concordamos que a sistemática não é o forte do Professor Catarino e passamos à frente retendo apenas a boa disposição e o mundo fantástico das suas histórias, ecológicas ou não.
Mas alegar a sua autoridade quando se discutem fogos é uma coisa um bocadinho mais séria e é por ser matéria séria que corro o risco de escrever este post, chamando os bois pelos nomes.
A tragédia dos fogos de há semanas na Austrália tem muito de relação com percepções ambientalistas erradas sobre a relação entre fogo e conservação, como se pode ler aqui.
Na caixa de comentários do post que referi Miguel Rodrigues defende exactamente a receita para a tragédia com base numa percepção ambiental que me parece errada da gestão de combustiveis: não retirar combustível de forma nenhuma, não gerir combustível a não ser numas faixas à volta das matas. De resto, nem corte, nem fogo (presumo eu, pelo mesmo fundamento, nem pastoreio).
Ora Fernando Catarino já tinha dito no público de segunda feira o seguinte:
No meio da discussão invoca-se a autoridade de Fernando Catarino para sustentar uma opinião sobre a matéria.
Fernando Catarino é um contador de histórias impagável, um comunicador fantástico e uma pessoa com quem é impossível alguém ter um confronto directo que não acabe em gargalhadas dada a sua proverbial boa disposição e simpatia.
Mas qualquer pessoa que tenha ido para o campo com Fernando Catarino conhece a sua propensão para inventar nomes de espécies, géneros ou mesmo famílias quando alguém lhe pergunta que planta é aquela. Esta propensão é arquivada no anedotário associado aos cientistas excêntricos e não belisca aparentemente a sua reputação quanto ao rigor do que diz. Todos concordamos que a sistemática não é o forte do Professor Catarino e passamos à frente retendo apenas a boa disposição e o mundo fantástico das suas histórias, ecológicas ou não.
Mas alegar a sua autoridade quando se discutem fogos é uma coisa um bocadinho mais séria e é por ser matéria séria que corro o risco de escrever este post, chamando os bois pelos nomes.
A tragédia dos fogos de há semanas na Austrália tem muito de relação com percepções ambientalistas erradas sobre a relação entre fogo e conservação, como se pode ler aqui.
Na caixa de comentários do post que referi Miguel Rodrigues defende exactamente a receita para a tragédia com base numa percepção ambiental que me parece errada da gestão de combustiveis: não retirar combustível de forma nenhuma, não gerir combustível a não ser numas faixas à volta das matas. De resto, nem corte, nem fogo (presumo eu, pelo mesmo fundamento, nem pastoreio).
Ora Fernando Catarino já tinha dito no público de segunda feira o seguinte:
- a mata de albergaria é um dos poucos sítios onde a mão do homem nunca pôs o pé;
- o mais rico da flora do Gerês está na Mata de Albergaria;
- No eventual caso de um incêndio devastador a recuperação da mata seria mais lenta do que em outros tipos de formação florestal.
Três afirmações, três ideias muito pouco rigorosas, quando não mesmo erradas.
A dinâmica de sistemas após fogo, que eu saiba, nunca foi especialidade de Fernando Catarino. Em primeiro lugar a mata de Albergaria sempre foi explorada e está longe de ser uma mata intocada (nem sequer é especialmente inacessível); em segundo lugar, não sabendo o que quer dizer o mais rico da flora do Gerês relembro que o próprio Catarino fala dos azevinhos do Ramiscal como uma coisa assombrosa, como diria o mesmo dos habitats turfosos dos topos aplanados, como diria o mesmo sobre os vales com teixos (que não tem nada com a mata de Albergaria), como diria o mesmo dos pinheiros da Matança, como diria o mesmo de muitas outras coisas. É sempre tudo demasiado hiperbólico, como a sua afirmação a propósito da Arrábida "As oliveiras, os zimbros, os áceres, os carvalhos, tudo está no lugar certo. Só o homem é que nunca está no sítio certo". E por fim, não só é altamente improvável um fogo devastador na mata de Albergaria, como existindo, repito, o que é muito improvável, a recuperação seria dos sítios onde seria mais rápida e fácil (dependendo aqui um pouco da severidade do fogo mas é muito pouco provável que a severidade do fogo atingisse níveis de afectação profunda porque a mata de albergaria é bastante umbrosa e com um sub-coberto relativamente esparso e sem ligação com as copas. De qualquer maneira com elevadas severidas também outros sistemas seriam mais afectados portanto em termos relativos a mata de Albergaria está longe de ser dos sistemas mais lentos a recuperar após fogo).
O que gostaria de deixar muito claro, porque esse é o problema sério de cidadania que me faz escrever este post, é que este tipo de afirmações vindas de pessoas com a reputação do professor Catarino são parcialmente responsáveis por políticas de gestão do fogo profundamente erradas e que contribuem para a perda de valores naturais e não para a sua conservação.
Declaração de interesses: desde que tive de lidar com as consequências do facto de ter havido equipas académicas que tendo recebido dinheiro significativo do Estado para fazer, por exemplo, o plano de gestão do Boquilobo e a cartografia de habitats de vários locais, incluindo a serra da Estrela, gastaram o dinheiro e nunca entregaram os trabalhos pagos, que me considero uma fonte potencialmente pouco isenta para analisar situações em que esteja envolvido o coordenador dessas equipas: Fernando Catarino.
A dinâmica de sistemas após fogo, que eu saiba, nunca foi especialidade de Fernando Catarino. Em primeiro lugar a mata de Albergaria sempre foi explorada e está longe de ser uma mata intocada (nem sequer é especialmente inacessível); em segundo lugar, não sabendo o que quer dizer o mais rico da flora do Gerês relembro que o próprio Catarino fala dos azevinhos do Ramiscal como uma coisa assombrosa, como diria o mesmo dos habitats turfosos dos topos aplanados, como diria o mesmo sobre os vales com teixos (que não tem nada com a mata de Albergaria), como diria o mesmo dos pinheiros da Matança, como diria o mesmo de muitas outras coisas. É sempre tudo demasiado hiperbólico, como a sua afirmação a propósito da Arrábida "As oliveiras, os zimbros, os áceres, os carvalhos, tudo está no lugar certo. Só o homem é que nunca está no sítio certo". E por fim, não só é altamente improvável um fogo devastador na mata de Albergaria, como existindo, repito, o que é muito improvável, a recuperação seria dos sítios onde seria mais rápida e fácil (dependendo aqui um pouco da severidade do fogo mas é muito pouco provável que a severidade do fogo atingisse níveis de afectação profunda porque a mata de albergaria é bastante umbrosa e com um sub-coberto relativamente esparso e sem ligação com as copas. De qualquer maneira com elevadas severidas também outros sistemas seriam mais afectados portanto em termos relativos a mata de Albergaria está longe de ser dos sistemas mais lentos a recuperar após fogo).
O que gostaria de deixar muito claro, porque esse é o problema sério de cidadania que me faz escrever este post, é que este tipo de afirmações vindas de pessoas com a reputação do professor Catarino são parcialmente responsáveis por políticas de gestão do fogo profundamente erradas e que contribuem para a perda de valores naturais e não para a sua conservação.
Declaração de interesses: desde que tive de lidar com as consequências do facto de ter havido equipas académicas que tendo recebido dinheiro significativo do Estado para fazer, por exemplo, o plano de gestão do Boquilobo e a cartografia de habitats de vários locais, incluindo a serra da Estrela, gastaram o dinheiro e nunca entregaram os trabalhos pagos, que me considero uma fonte potencialmente pouco isenta para analisar situações em que esteja envolvido o coordenador dessas equipas: Fernando Catarino.
Adenda:
Aqui fica o que será provavelmente o último gráfico desta série. O vento mudou, a humidade atmosférica subiu rapidamente (já ontem os fogos mais complicados foram a Sul do Douro) e portanto o número de fogos tenderá a diminuir e, sobretudo, o número de bombeiros envolvidos, que é um indicador da facilidade em apagar o fogo. O assunto da eventual afectação da mata de Albergaria ou dos teixos será esquecido por quase todos, com a excepção dos do costume: a gestão da área protegida e os investigadores mais relacionados com a dinâmica dos sistemas após fogo. Mas daqui a algum tempo (maior ou menor dependerá de S. Pedro), quando já toda a gente se tiver esquecido, apesar da publicação dos resultados das monitorizações a demonstrar inexistência de afectação ou afectação marginal em consequência desta fogueirita de Primavera, outro fogo voltará e as mesmas vacas sagradas do costume ou outras iguais, que não estudam, que não vêem, que não confrontam o que pensam com a realidade, serão outra vez entrevistados pelos mesmos jornalistas, dizendo as mesmas imprecisões e disparates sobre perdas incalculáveis e responsabilizando por isso as formigas que trabalham todos os dias para que o património lá esteja, ao mesmo tempo que as vacas sagradas se esquecerão de explicar como se perde outra vez o que eles disseram que já se tinha perdido.
henrique pereira dos santos
3 comentários:
Caro Henrique
Obrigado por aceitar a minha sugestão e publicar este parágrafo neste post.
Mas aqui afirma que eu defendo, e cito, "não retirar combustível de forma nenhuma, não gerir combustível a não ser numas faixas à volta das matas. De resto, nem corte, nem fogo (presumo eu, pelo mesmo fundamento, nem pastoreio)"
No entanto o que eu escrevi foi:
"o MÍNIMO IMPRESCINDÍVEL. Um forma possível é realizar as limpezas em largas faixas ao redor das áreas florestadas e ao longo de vias de comunicação e povoações".
Também escrevi: "Fogo controlado só para técnicos credenciados. E só quando estritamente necessário", bem como "já deve ter percebido, NÃO ESTOU CONTRA A UTILIZAÇÃO DO FOGO CONTROLADO, sempre que não exista alternativa".
Não leu com atenção.
Mas tem razão numa coisa. Esqueci-me, imperdoavelmente, de referir a REDUÇÃO (diferente de ELIMINAÇÃO) do combustível através do pastoreio bem integrado e com uma pressão (de pastoreio) bem conhecida e gerida. Como já foi dito, o pastoreio intensivo é uma das principais causas que leva a que não se acumule o "combustível", ou seja que não deixa regenerar a vegetação. Entre milhares de outros locais, veja-se o exemplo a encosta do Monte do Quinxo (margem espanhola do Rio Laboreiro). É um "pau de dois bicos" que deve ser utilizado mas bem gerido.
Também me esqueci de referir que incluo os corta-fogos nas linhas ao longo das quais se deveria limpar o mato dentro da área arborizada. Mas estas técnicas são tema, não para um, mas para vários dias de congresso.
Volto a colocar a questão: qual o valor ecológico de uma floresta/bosque sem sob-coberto?
Um dos mais graves problemas é a falta de limpeza dos próprios corta-fogos, que assim perdem o seu efeito retardador e deixam de servir de acesso aos bombeiros (e outras unidades empenhadas no combate ao fogo). Mas na hora da desgraça só se fala em arrasar com os matos.
Neste e no anterior post e respectivos comentários, assisti ao uso recorrente da expressão "recuperação". Gostava de ver esclarecido o que se entende por "recuperação após o fogo". No meu entender, a recuperação de uma floresta como a da Albergaria refere-se à sua recuperação total. Coisa para muitas décadas, a menos que o fogo poupe a parte vital das árvores. E embora possa ser menos intenso devido à humidade, menores temperaturas e tipo de vegetação, estes mesmos factores poderão provocar um fogo mais lento e persistente, que acabará por afectar irremediavelmente as árvores.
A regeneração de uma estrutura vegetal, que aqui eu associo ao conceito de sucessão ecológica, é precisamente aquilo que não deixamos acontecer em nenhum local do país. Ou temos as protegidas florestas reliquiais (a que uns chamam decrepitas mas que outros poderão preferir dizer que se encontram no seu último estágio de evolução) ou temos matos que é para queimar, se não arde no verão. Ou seja, e em grosso modo, impedimos que se passe do segundo ou do terceiro patamares da sucessão - 1º herbáceas, 2º matos. Muitas vezes nem se deixa que atinja o 3º patamar - matagais, ao qual estão associados os maiores índices de diversidade, desde que intercalados com áreas abertas e sebes arbóreas ou florestas.
Resumindo, necessitamos de uma diversidade de paisagens, em diferentes estádios da sucessão e geridas de forma conjunta, permitindo uma multiplicidade de usos bem integrados.
Haja algum equilíbrio, recorra-se àquilo que em Portugal é tabu - o planeamento. Já aqui vi o Henrique defender o planeamento do território e referir a sua falta em muitas situações. Dou-lhe toda a razão. Esta é outra área onde ele é crucial. Definir o estatuto dos baldios, definir o que são áreas de pastoreio, de produção, de utilização livre e, finalmente, de conservação.
Faça-se uso do desmatamento e, se necessário, do fogo controlado numas áreas e permita-se a regeneração natural completa noutras. Claro que isto terá que contar com muitos reveses e situações de incêndios que, mesmo assim, ameaçarão estas últimas áreas.
Caro Jaime
Longe de mim menosprezar a labuta de quem, durante tantos anos, fez tudo o que sabia e mais do que podia para ajudar a controlar os fogos. De qualquer forma, hoje durmo de luz acesa...
Quem me conhece sabe que não professo cegamente as teorias dos "técnicos de escritório", mas isso não impede que muito conhecimento científico tenha sido adquirido nas últimas décadas acerca deste tema (muito deste conhecimento foi baseado na experiência acumulada anteriormente).
Por outro lado, confundiu dois conceito diferentes: o fogo controlado realizado de forma preventiva e o contra-fogo.
Caro Miguel Rodrigues, diz que eu confundi "dois conceito diferentes: o fogo controlado realizado de forma preventiva e o contra-fogo."
Eu escrevi: "Pois claro! fogos controlados de Inverno e Primavera, nos matos, entre as áreas florestais, criando barreiras aos fogos de Verão. Para esses fogos controlados não é necessário computadores, universidades ou maquinaria pesada, apenas a experiência dos antigos serranos nos contra-fogos, infelizmente desprezada pelos senhores das cidades que em tudo mandam."
Acha mesmo que eu confundi os dois conceitos ou tresleu o que eu escrevi? Eu compreendo perfeitamente a distinção entre os dois conceitos. O que não compreendo são preconceitos por tudo o que não tresande a sebentas e computadores.
Em resumo, gostaria, eu e outros, que vivemos permanentemente ou grandes temporadas na serra, nomeadamente os que se divertem a plantar teixos, azevinhos, vidoeiros e outras relíquias que encantam a vista dos técnicos credenciados (apesar de ficarem desgostados, se um dia o descobrirem, que lá foram postas por mão humana e não por excremento de pássaro) que se readquirissem os hábitos ancestrais que evitavam os grandes incêndios de Verão:
-Fogos controlados de Primavera e Inverno, nos matos, entre a floresta, por forma a criar barreiras eficazes contra a dispersão das fagulhas durante os incontroláveis fogos de Verão. Evitava-se assim estoirar milhões de euros em maquinaria pesada e combustível na abertura dos inestéticos e pouco eficazes aceiros, aproveitados os dos visos, como providência divina, pelos complexos industriais das eólicas para aí instalarem os mastodontes, desfeiando por completo a paisagem já retalhada por milhentas cicatrizes. Ainda se pouparia mais massa se, em lugar de auto-tanques, veículos de todo-o-terreno dos bombeiros, helicópteros e aviões, se usassem as técnicas ancestrais dos...
-Contra-fogos, para controlar os "fogos controlados realizados de forma preventiva". Esses contra-fogos deveriam ser ensinados pelos antigos serranos (e alguns pastores) que nunca deixaram fugir uma queimada, ou por um ou outro mestre florestal na reforma.
Antigamente vi várias queimadas a serem realizadas pelos serviços florestais, onde pontificavam verdadeiros Professores semi-analfabetos na técnica de mandar no fogo. Controlavam as queimadas com o fogo, portanto controlavam o fogo com contra-fogo. Nem uma gota de água utilizavam! Um deles é da minha terra, mas já está velho e mal caminha, infelizmente já pouco pode ensinar.
E a biodiversidade não se perderia, pois se ela se foi aguentando durante séculos de queimadas para pastoreio, também se aguentaria noutras circunstâncias, ou seja, tanto em fogos controlados como em fogos que apareceram não se sabe de onde. Estes últimos, em lugar de se apagarem a todo o custo, inteligentemente deveriam ser aproveitados para queimar matos potencialmente perigosos.
É pena que as Juntas de Freguesia não assumam estas questões e não se responsabilizem elas próprias, tal como fazia o Ti Artur, pelas prácticas do antigamente, salvando assim a floresta e outros bens a preços módicos, o que talvez não interesse a muita gente, desde os industriais de apagar fogos a jornalistas, entre outros. Talvez agora me tenha feito explicar.
Jaime
O que é o fogo? Quimicamente, apenas uma reacção de oxidação que se dá instantaneamente. Talvez isto dê alguma perspectiva ao paradoxo do fogo bom criado versus mau patrão.
P. Fernandes
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