quinta-feira, abril 16, 2009

Conservação inconsciente



Duas notícias do Público e um comunicado de imprensa da LPN motivam este post.
O Público volta à carga com as áreas ardidas em Áreas Protegidas. Sendo que a notícia é que neste vaga de fogos perto de metade da área ardida foi em Áreas Protegidas.
Não percebo a relevância deste tipo de jogos florais com números e portanto não seria isto que me faria escrever um post.
O que me faz escrever o post é o que está associado a declarações de conservacionistas: "Joaquim Sande Silva, da LPN, lembra que na Peneda Gerês houve danos na Mata de Albergaria... "É uma das poucas matas naturais do nosso país", realça".
Mais uma vez o Público acha que não vale a pena ir ver e da secretária telefona a alguém (neste caso telefonou a Joaquim Sande Silva e a Carlos Aguiar, tendo o Carlos dito o óbvio, isto é, que não não houve problema nenhum com estes fogos nas áreas protegidas). Esta maneira dos jornalistas funcionarem aumenta a responsabilidade de quem está do outro lado do telefone. E se nem se percebe com que base Sande Silva acusa o ICNB de não ter um papel mais dialogante com os pastores e agricultores é verdadeiramente exasperante verificar que continuamos na mesma conversa de que o fogo provocou danos (quais?) na Mata de Albergaria.
As boas intenções ambientais acabam muitas vezes nestas afirmações que me parecem bastante irresponsáveis.
A segunda notícia do Público que justifica um comentário tem o fantasioso título de "Ratos-cabrera atravessam-se na rede viária de Trás-os-Montes". Aqui trata-se de uma mentira perfeitamente consciente. Os jornalistas não são responsáveis pelo título, os editores são. Em qualquer caso a jornalista em causa sabe perfeitamente (já falei pessoalmente com a jornalista noutra altura sobre este assunto) que nunca nenhum rato de cabrera se atravessou em frente de estrada nenhuma em Trás-os-Montes, sabe perfeitamente que isso foi um boato que as Estradas de Portugal resolveram lançar porque não queriam fazer a estrada naquela altura e, como lhes falta coluna vertebral, atiraram a responsabilidade para cima do ICNB, como é frequente. Isto é tão miserável, quer por parte das Estradas de Portugal, quer por parte do jornal que nem perderia tempo outra vez com isto num post.
O que me interessa é que tudo isto é possível porque lá atrás, algures num parecer, alguém resolveu dar importância ao que não tem, falando do rato de cabrera e morcegos e etc., como se fossem muito importantes para a decisão da estrada naquela localização, mesmo que no essencial o parecer esteja certo e seja defensável.
Mais uma vez boas intenções conservacionistas que acabam em total falta de senso.
A última coisa é o extraordinário comunicado de imprensa da LPN.
A LPN, que até agora não se pronunciou sobre a destruição da RAN, que eu saiba, incluindo a possibilidade de florestar com eucaliptos os melhores solos do país, faz um comunicado muito interessante que pode ser lido aqui.
E o que diz o comunicado? Que há sinais claros do carácter invasor da espécie, mas não diz onde. Que o eucalipto é considerada invasora na Califórnea, na África da Sul e na Nova Zelândia sem que explique o que a afirmação quer dizer, nomeadamente se estamos a falar de classificações oficiais ou de organizações privadas. E depois de classificar a espécie como invasora acha bem que lhe seja atribuído um estatuto especial para poder continuar a ser plantada e comercializada.
E ilustra o comunicado com a fotografia que reproduzo no início, que legenda desta forma:
"Imagem exemplificativa de regeneração seminal de eucalipto a invadir uma área recentemente queimada na região de Pombal. Repare-se na abundância e na muito maior taxa de crescimento das plântulas de eucalipto (1 ano) quando comparadas com a vegetação nativa."
Pergunto-me se ninguém se deu conta do ridículo desta suposta demonstração fotográfica (estou à espera de ver fotografias destas para classificar os fetos como invasoras, ou as giestas, ou muitas outras pirófitas que convivem há séculos com o fogo).
Das duas uma, ou o eucalipto é realmente uma invasora com problemas sérios e não faz sentido criar-lhe um estatuto de excepção, ou se afinal pode ser cultivada e comercializada porque os seus efeitos não são especialmente preocupantes, para quê gastar tanto latim a forçar a sua classificação legal num anexo qualquer como invasora?
Mais uma vez, boas intenções conservacionistas que geram a mais completa falta de senso.
henrique pereira dos santos

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