segunda-feira, abril 13, 2009

O sumo de laranja



Há já bastante tempo que faço a pergunta que hoje o Público faz num artigo: por que razão é o sumo de laranja um produto de luxo em Portugal?
Só encontro uma explicação: uma boa parte do empresariado português é muito saloio.
Por razões que desconheço o sumo de laranja é considerado um produto fino e portanto, mesmo que o quilo de laranjas esteja em qualquer mercearia por volta do 60 a 70 cêntimos, vender um copo de sumo a menos de um euro e meio é considerada uma demonstração de falta de nível do café ou do restaurante.
Penso que já contei aqui o que me aconteceu na área de serviço do Fundão da A23, que quando abriu era assim caracterizada:
"Da autoria de Cristina Ataíde, as duas esculturas podem ser vistas na área de serviço da A23.
O poeta Eugénio de Andrade e a cultura da cereja serviram de inspiração para as duas esculturas que a artista plástica Cristina Ataíde produziu para a área de serviço do concelho na A23.
As peças, que remetem para dois símbolos da região – a cereja da Cova da Beira é um dos principais cartões de visita do sector agrícola e o poeta nasceu na Póvoa da Atalaia, concelho do Fundão – podem ser apreciadas nos jardins da área de serviço concessionada à Cepsa na Auto-Estrada da Beira Interior.
Numa das obras, o aço retrata as montanhas envolventes do Fundão “e o conhecido poema «A uma cerejeira em flor», de Eugénio de Andrade oferece uma maior envolvência à escultura”, destaca a empresa petrolífera, que encomendou os trabalhos à artista portuguesa.
Na outra, estruturas geométricas em ferro reforçam o carácter de movimento dos cachos de cerejas penduradas na árvore, criando o quase desejo de as colher, refere a mesma nota divulgada ontem."
Pois bem, um dia, em plena época das cerejas, parei na dita área de serviço. Vi abacaxis, mangas e mamões ao balcão, mas não vi cerejas. Espantado (toda a decoração da área de serviço remete para as cerejas) perguntei pelas cerejas. "O patrão diz que não dá porque não se vende e se estraga muito", disse-me a funcionária. Mais espantado ainda insisti e a senhora explicou-me que até tinham tentado vender e não tinha tido sucesso. Ainda mais espantado, sabendo que as cerejas são como a conversa, acabei por chegar à explicação de tudo: vendiam as cerejas a 10 euros o quilo. Ora qualquer pessoa que saísse da estrada dois quilómetros antes tinha caixotes de cereja à venda a 2 ou 3 euros no máximo.
São noções de marketing mal apreendidas.
Alguém terá convencido os gestores de hotelaria em Portugal que para impor produtos gourmet é necessário praticar preços altos, doutra forma ninguém os valoriza como produtos gourmet.
Só que uma coisa é inflacionar artificialmente o preço do papel higiénico preto da Renova, que foi um produto revolucionário e único no mundo, para vincar a sua excepcionalidade, outra coisa é querer vender sumos de laranja ou cerejas como produtos gourmet no meio das regiões que os produzem a pontapé e sem sofisticação.
De facto sumos de laranja e cerejas são coisas maravilhosas pelas quais as pessoas estão dispostas a pagar alguma diferença de preço face a coca-colas e outros produtos indiferenciados.
Mas o que faria sentido seria vender estes produtos a preços tão baixo quanto possível. A diferenciação far-se-ia facilmente na cabeça do cliente: estes indivíduos procuram qualidade mas são sérios porque mesmo em bons produtos fazem preços razoáveis quando é possível. O que significa que se têm preços altos noutros produtos é mesmo porque valem o que custam.
Em relação aos produtos diferenciados portugueses, que poderiam bem suportar muitas actividades produtoras de biodiversidade para além de vincarem a individualidade do país, continuamos os mesmos chico-espertos do costume: pagar ao produtor uma ninharia porque há muito e cobrar ao consumidor uma fortuna, se possível, reduzindo o mercado mas mantendo o lucro por aumento da margem de quem está no meio da cadeia.
Até que o produtor se cansa e lá vamos nós importar laranjas e cerejas caminhando alegremente para a pobreza colectiva de que nos queixamos permanentemente.
henrique pereira dos santos

2 comentários:

Anónimo disse...

Exactamente na área de serviço do Fundão (ou terá sido a da Guarda?), ao chegar a Portugal, verifiquei com grande espanto que tudo, mas mesmo tudo o que estava para venda no expositor da cafetaria (desde os pastéis de bacalhau até às peças de fruta) estava embalado em Glad, ou lá como se chama), individualmente. E eu pensei (e disse): "Está tudo doido! Aqui del-rei que o petróleo está a acabar, mas um país civilizado tem que dar sinais exteriores de asseio!"

MRV disse...

O problema serà mesmo da importaçaO E exportaçao de produtos e tambem pelos negocios que se fazem no seu processo. Engraçado que Portugal è um dos maiores exportadores de cortiça da europa mas mesmo assim somos uma cambada de otàrios que importamos novamente as Nossa cortiça de espanha em forma de rolhas com o triplo do preço. Eu vivo em espanha, e de verdade cada regiao ou comunidade em espanha tem o seu proprio motor de produçao. Valencia tem uma enorme produçao de laranjas e quando se vai ao supermercado è possivel comprar um sumo de litro e meio 100%natural a 80centimos e que nao diz sò made in spain mas sim made in Valencia. Cada regiao em espanha è practicamente autosustentàvel contando com uma variedade de produtos da produzidos e vendidos na propria regiao.