Vindimas no Douro, lá para meados do século XX (foto sacada daqui)
Do Jacarandá de António Barreto, colhi este texto:
Depois de despejadas as uvas nos lagares, os homens regressam às vinhas para recomeçar. Cada cesto tinha entre 60 e 70 quilos de uvas. A subir e a descer os montes e os socalcos, a caminhar em cima das pedras de xisto a arder, tudo isto com 30 ou 40 graus de calor e durante alguns quilómetros, era um enorme esforço! À noite, estes mesmos homens ainda iam fazer duas ou três horas de pisa de uvas, a pé, nos lagares. Todas estas imagens passaram para a literatura turística, sendo geralmente estes homens representados com um imenso sorriso! Pareciam levitar de prazer e folclore! Na verdade, tratava-se de um dos mais penosos trabalhos que se fez na agricultura de qualquer parte do mundo! Hoje, já quase não se repete esta cena. Os “cestos” são muitas vezes de plástico e com menos de trinta quilos. Entre as vinhas, tractores ou camionetas esperam pelas caixas, já não é necessário aquele calvário!
A extrema dureza do trabalho bem expressa neste texto e a falta de compensação económica que permitisse viver de forma minimamente digna, foram retirando a população activa dos nossos campos. E bem podia ser aquele texto sobre outras práticas agrícolas, pecuárias ou nas pescas. Primeiro, nas décadas de 1960 e 1970 com o desenvolvimento dos sectores secundário e terciário nos grandes centros urbanos do litoral do país, mais tarde, conscientemente engodados com subsídios comunitários que promoveram e promovem o abandono de boa parte das actividades de sector primário ou a sua reconversão em culturas, muitas de futuro questionável, fomos abandonando o campo. Viramos-lhe as costas. Ganhámos alergia à terra e pavor às formigas. Na prática, ser agricultor ou pescador cai manifestamente fora da velha expressão popular "todo o trabalho é digno".
Gonçalo Rosa
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