Thomas saindo com as cabras, vagamente visiveis no corte do caminho perto do canto superior esquerdo
Não sei se Thomas é um cidadão cumpridor, um pai de família exemplar, um homem totalmente íntegro e por aí fora. Não o conheço o suficiente.
Mas o que sei sobre ele e a sua circunstância é suficiente para fazer este post.
Thomas é um alemão que um dia, há mais de 25 anos, comprou trinta e poucos hectares de uma quinta perdida numa meia serra portuguesa, a maior parte de solo pobre e pouco produtivo e uma baixa agrícola com produtividades interessantes mas limitações importantes à mecanização .
Instalou-se e foi trabalhando, criou vários filhos a produzir com base em critérios que ele próprio escolheu: muita autonomia energética, produção biológica, criação extensiva de animais, sem rações industriais e venda local dos seus produtos (o principal dos quais, actualmente, é o queijo de cabra que vende na quinta e na feira de Góis).
Esta opção de independência e liberdade é necessariamente uma opção de trabalho duro e contínuo, de quem sobe todos os dias ao monte com as suas mais de cem cabras.
Mantém a sua preocupação de educar os filhos em escolas portuguesas, entre outras razões para garantir a sua integração e abrir-lhes as opções para o futuro, mantém a sua prática ocasional de músico amador, mantém um sistema de trabalho voluntário na quinta para quem quiser, como forma de ligação com o mundo, protesta com os eólicos que lhe puseram por perto mas reconhece que com isso ganhou uma banda larga bastante boa e um sinal de telemóvel excelente.
Ou seja, Thomas é um freak num dos sentidos originais do termo em inglês: um excêntrico, um não conformista, um homem da contracultura.
Só assim se compreende que tenha resistido tantos anos em Portugal a trabalhar e produzir no sector primário, dependendo sobretudo de si próprio, ou seja a fazer o que grande parte dos portugueses, e em especial as elites, consideram inviável.
Pois bem, Thomas está perto de desistir e voltar à sua Alemanha a que sempre se manteve ligado.
Em 2002 houve umas chuvadas e inundações na sua zona. O sistema de drenagem de uma estrada que passa a montante da linha de água que corta a sua propriedade ficou danificado e durante quatro anos Thomas insistiu com as autoridades locais (e outras) para que compusessem o que era um risco estúpido para a sua propriedade.
Em 2006 o anunciado acontece: o sistema de drenagem da estrada não resiste à chuva, forma uma primeira barragem e depois uma enxurrada que lhe corta a propriedade, levando grande parte dos muros de suporte de terras, atulhando poços, estragando alguns edifícios e equipamentos e etc..
Instalou-se e foi trabalhando, criou vários filhos a produzir com base em critérios que ele próprio escolheu: muita autonomia energética, produção biológica, criação extensiva de animais, sem rações industriais e venda local dos seus produtos (o principal dos quais, actualmente, é o queijo de cabra que vende na quinta e na feira de Góis).
Esta opção de independência e liberdade é necessariamente uma opção de trabalho duro e contínuo, de quem sobe todos os dias ao monte com as suas mais de cem cabras.
Mantém a sua preocupação de educar os filhos em escolas portuguesas, entre outras razões para garantir a sua integração e abrir-lhes as opções para o futuro, mantém a sua prática ocasional de músico amador, mantém um sistema de trabalho voluntário na quinta para quem quiser, como forma de ligação com o mundo, protesta com os eólicos que lhe puseram por perto mas reconhece que com isso ganhou uma banda larga bastante boa e um sinal de telemóvel excelente.
Ou seja, Thomas é um freak num dos sentidos originais do termo em inglês: um excêntrico, um não conformista, um homem da contracultura.
Só assim se compreende que tenha resistido tantos anos em Portugal a trabalhar e produzir no sector primário, dependendo sobretudo de si próprio, ou seja a fazer o que grande parte dos portugueses, e em especial as elites, consideram inviável.
Pois bem, Thomas está perto de desistir e voltar à sua Alemanha a que sempre se manteve ligado.
Em 2002 houve umas chuvadas e inundações na sua zona. O sistema de drenagem de uma estrada que passa a montante da linha de água que corta a sua propriedade ficou danificado e durante quatro anos Thomas insistiu com as autoridades locais (e outras) para que compusessem o que era um risco estúpido para a sua propriedade.
Em 2006 o anunciado acontece: o sistema de drenagem da estrada não resiste à chuva, forma uma primeira barragem e depois uma enxurrada que lhe corta a propriedade, levando grande parte dos muros de suporte de terras, atulhando poços, estragando alguns edifícios e equipamentos e etc..
E sobretudo causando uma enorme susto, seguido de uma não menos grande tristeza, aos que viviam na quinta.
E depois a corrosiva descrença no respeito dos poderes públicos em relação aos seus cidadãos.
Até hoje, apesar da evidente documentação sobre a responsabilidade das autoridades públicas, Thomas nunca foi ressarcido dos prejuízos e algumas das terras deixaram de produzir (uma parte porque deixou mesmo de existir como solo agrícola).
Uma das justificações mais curiosas é que o dinheiro da protecção civil já tinha sido todo gasto nos fogos, num concelho cuja psicose é limpar a serra à custa dos contribuintes. A situação não deixa de ser irónica: é que as mais de cem cabras do Thomas são o mais eficaz meio de gestão do fogo que existe nas redondezas, serviço pelo qual não recebe um tostão porque os dinheiros do mundo rural não distinguem cabras estabuladas de cabras em criação extensiva.
Mas a machadada final foi mesmo o fecho das escolas primárias na aldeia vizinha. Com os filhos mais velhos mais ou menos criados, Thomas tem agora mais duas crianças. E confronta-se com uma de duas opções: gastar todos os dias três horas a ir pô-las e buscar a Góis, ou mandá-las para a escola primária na camioneta que passa de manhã pelas seis e meia e regressa à noite por volta das oito e meia, em vez da opção anterior dos miúdos andarem vinte minutos a pé, sozinhos. Friso, para irem à escola primária.
Não é meu costume usar esta linguagem mas francamente um país que apenas deixa aos pais estas duas alternativas para levar os filhos à escola primária é um país de merda.
Não admira pois que pessoas como o Thomas acabem por deixar de conseguir viver por aqui, deixando os montes, os solos e etc., a serem geridos por sapadores florestais pagos com o dinheiro de contribuintes orgulhosos de se terem redimido de atavismos rurais.
Até hoje, apesar da evidente documentação sobre a responsabilidade das autoridades públicas, Thomas nunca foi ressarcido dos prejuízos e algumas das terras deixaram de produzir (uma parte porque deixou mesmo de existir como solo agrícola).
Uma das justificações mais curiosas é que o dinheiro da protecção civil já tinha sido todo gasto nos fogos, num concelho cuja psicose é limpar a serra à custa dos contribuintes. A situação não deixa de ser irónica: é que as mais de cem cabras do Thomas são o mais eficaz meio de gestão do fogo que existe nas redondezas, serviço pelo qual não recebe um tostão porque os dinheiros do mundo rural não distinguem cabras estabuladas de cabras em criação extensiva.
Mas a machadada final foi mesmo o fecho das escolas primárias na aldeia vizinha. Com os filhos mais velhos mais ou menos criados, Thomas tem agora mais duas crianças. E confronta-se com uma de duas opções: gastar todos os dias três horas a ir pô-las e buscar a Góis, ou mandá-las para a escola primária na camioneta que passa de manhã pelas seis e meia e regressa à noite por volta das oito e meia, em vez da opção anterior dos miúdos andarem vinte minutos a pé, sozinhos. Friso, para irem à escola primária.
Não é meu costume usar esta linguagem mas francamente um país que apenas deixa aos pais estas duas alternativas para levar os filhos à escola primária é um país de merda.
Não admira pois que pessoas como o Thomas acabem por deixar de conseguir viver por aqui, deixando os montes, os solos e etc., a serem geridos por sapadores florestais pagos com o dinheiro de contribuintes orgulhosos de se terem redimido de atavismos rurais.
No mesmo dia, a alguns quilómetros de distância, no mesmo concelho, a demonstração de como é usado o dinheiro do Fundo Florestal e dos contribuintes para a gestão do fogo. O adro da Igreja ficou um brinco e não arderá com certeza este ano
henrique pereira dos santos
12 comentários:
A merda será mesmo quando a UE nos obrigar a levar um estilo de vida diferente daquele a que estamos habituados:levar o carro para a cama, a comida afinal não nasce no hiper e teremos de fazer pela vidinha se quisermos sobreviver enquanto raça humana.
Cara Maria da Fonte,
A UE não nos obriga a nada disso. Neste caso em concreto a UE até obriga o Estado Português a reservar uma percentagem do orçamento para o mundo rural para apoiar este tipo de explorações.
O problema é mesmo do Estado Português, ou seja, nosso, da maneira como usamos o nosso voto, da maneira como escrutinamos os nossos poderes públicos e da maneira complacente como aceitamos que o dinheiro público pertence ao Estado e a quem o administra e não aos contribuintes.
Na realidade todos nós assumimos como pouco grave o evidente despautério no uso do dinheiro público (de que a fotografia final do post é apenas um exemplo anunciado pelas regras de distribuição do fundo florestal permanente) sem termos um sobressalto ético com o facto de nesse dinheiro, para além dos impostos pagos pelos ricos, estarem também os impostos pagos pelos pobres.
Maria da Fonte, o problema é mesmo connosco.
henrique pereira dos santos
Palmas!
Tinha toda a razão é um belíssimo post!
Ouvi falar desta família por dois motivos, através de WWOOFers que passaram por lá e pela referência ao sistema de saneamento a seco que tinha.
Agradeço este desabafo que demonstra as barreiras absurdas que enfrenta quem quer ter um estilo de vida simples mas com dignidade.
O meu comentário tem a ver mais com o facto de falarmos do Thomas e não do Tomás. A oportunidade de filmar Minutos Verdes em vários locais rurais do país tem revelado que muitos bons exemplos são feitos por estrangeiros que resolveram escolher Portugal para viver (e nalguns casos estão efectivamente desconsolados). Aqui seguem as histórias:
- melhor azeite biológico mundial: feito por uma família de suíços, em Serpa, onde a rega do Alqueva não chega e poderia dar jeito nalgumas alturas; a produção vai acima de tudo para a Suiça, para a COOP, porque os hipermercados portugueses desdenham o caso; o azeite é excelente;
- turismo de habitação em taipa: arquitectos portugueses, mas iniciativa de construção de mais um suíço na zona de Serpa; casa magnífica, com baixo uso de recursos, mas que o certificado energético por causa dos materiais tradicionais em causa não contempla em termos de classificação;
- dois dos três hotéis com rótulo ecológico em Portugal: na Madeira, feito por alemães e agora propriedade de espanhóis; no Caramulo, por uma família de holandeses que queria percorrer mundo e parou em Portugal; clientes são quase todos estrangeiros
- piscinas biológicas: concepção e construção de mais de 150 em todo o país por um casal de alemães que vive no Algarve; lindas e eficientes. A aceitação por parte de muitos portugueses é porém limitada.
Não... não é um manifesto anti capacidade de iniciativa dos portugueses, mas quando de vê tantos "Thomases", e mesmo tendo eu dado ao meu filho com 6 semanas o nome de Tomás, acho que vale a reflexão.
Henrique,
Há dias felizes :)
Em jeito de comentário (manifestamente) lateral, parece mais sexy apagar fogos que evitá-los. E essa é a muito pequena parte do problema (dos fogos).
Quanto ao resto do post (e do comentário do Francisco), ainda há quem tem a lata de os querer correr para a terra deles...
:(
Gonçalo Rosa
Caro Francisco,
Não tenho dúvidas de que bons exemplos também haverá por parte de portugueses, mas o que verdadeiramente me intriga é a forma como os poderes públicos (e nós que os escolhemos e caucionamos) olham para estes freaks, cuja principal excentricidade é trabalharem, produzirem e ganharem dinheiro em coisas que todos os nossos estudiosos garantem ser inviáveis.
O que me espanta é o facto da evidência não ser suficiente para mudar atitudes e preconceitos.
henrique pereira dos santos
E há mais a acrescentar ao que diz, Francisco- as únicas pessoas que encontrei com experiência prática em Construção em Straw Bale, Permacultura, Saneamento a Seco, Aproveitamento em BioGás, Micro-Hídricas em Portugal são todos expatriados generosos que permitiram que os visitasse.
O mesmo é verdade para 90% dos anfitriões de WWOOF, que ainda parece loucura á maioria dos portugeses a quem acontece descrever esta actividade que ocorre por todo o mundo há 20 anos.
Os únicos dois parques de campismo de luxo (ecolodges) em Portugal- no Algarve e Alentejo- são propriedade e geridos por estrangeiros para estrangeiros, sobretudo.
Para uma relativamente pequena comunidade de estrangeiros no Portugal Rural, existem enormes benefícios, especialmente na partilha de conhecimentos/atitudes que podem beneficiar da sua generosidade e disponibilidade.
Sendo pessoas geralmente sem grande receio de trabalho e dificuldades é um sinal terrível que alguns considerem partir.
Nestes últimos 3 anos viveram 4 lindos bebes na Quinta das Águias. Veio uma parteira da Alemanha, amiga da família, que os ajudou a nascer na serra, longe dos hospitais, mas caso fosse necessário claro que não recusariam uma ambulância e a respectiva boleia para a maternidade. Thomas e respectiva família consideram que o nascimento de uma criança nunca foi doença. Provavelmente as crianças deverão tomar uma vacina contra o primeiro ar, com cheiro a pinheiro, que lhes entrou nos pulmões...
Esses lindos bebés já abalaram com as respectivas mães e pais, para a Alemanha, excepto o Thomas. Os pais são o Francisco e o Ruben, ambos filhos do Thomas, cujas companheiras, jovens alemãs, muito gostariam de ficar por cá, caso houvesse um mínimo de respeito pelas ruralidades e pelas pessoas que destas tiram sustento. Francisco, companheira e filho partiram apenas há 3 ou 4 semanas. Partiram com o coração destroçado.
Com a Quinta semi-destruída desde 2006 por incúria da CM Góis, escola da aldeia mais próxima recentemente fechada por ordem do Governo, as coisas tornaram-se efectivamente insuportaveis. O futuro está completamente pintado de preto, a contrastar com a brancura dos aerogeradores que lhes veio roubar o sossego, plantados no meio do mato onde pastam as cabras.
Para além de tudo o que o Henrique soberbamente explicou, aquele sítio mágico, onde pessoas boas (e bonitas!) tratavam bem da terra, onde era possível ver um rapaz montar um cavalo (cruzado com muflão...) em pêlo a voar por aquelas encostas abaixo, onde violas, flautas estranhas, sensulas e didgeridoo se ouviam por entre as campainhas das cabras, tudo indica que em breve se vai tornar terra de fogos e eucaliptos.
No Inverno, a casa de Thomas é a mais quente da serra, graças a um sistema de aquecimento central a lenha que aquece água e a distribui pelos diversos radiadores. A energia eléctrica da rede passa longe, mas um engenhoso sistema de painéis solares e uma turbina hídrica carregam baterias que movimentam os electrões necessários a uma vida digna. Tudo isto montado e engendrado pelo Thomas. Toda esta sabedoria e exemplo de sustentabilidade corre o risco de se perder. Perde-se tanta coisa caso o Thomas abale! Lá vou eu e os meus amigos ficarmos sem o fantástico queijo, os cabritos da Páscoa, as nozes para todo o ano.
Engraçado como o Thomas dizia que caso houvesse uma catástrofe, dessas apregoadas pelos profetas da desgraça, e a civilização se perdesse, ele e a família iriam sobreviver sem grandes perdas...até que eu e outros lá aparecêssemos com as carabinas para o roubar...
Mas no meio de tantos lamentos haja alguém que não se fique pelos ais...esse alguém é o Gonçalo, rapaz de 18 anos que está lá a dar uma ajuda desinteressada. Já limpou o esterco dos currais e apanhou as pêras. Grande Gonçalo!
Também Grande post Henrique! Parabéns!
Jaime
Como já disse o post é muito bom.
E deixou-me a pensar.
No entanto há duas coisas a notar. A 1ª é que ele comprou 30 hectares, numa zona que pela descrição será de minifúndio, ou seja comprou uma propriedade que não será muito comum na região centro. Esses 30 ha serão suficientes para manter uma exploração viável. Quero eu dizer no fundo que a estrutura fundiária é, ainda, um problema que impede outros Tomás de fazerem o mesmo.
E claro que a estrutura fundiária não é o único problema, falta a vontade, falta uma visão integrada do território, faltam politicas de des. rural capazes, etc
Falta-nos outra coisa. É que não será por acaso que exemplos destes sejam de estrangeiros. Eles já foram, voltaram, e nós ainda estamos algures no ir. Quero dizer que ainda olhamos para o mundo rural como não sendo capaz de proporcionar uma vida digna. Dá trabalho e não é bem visto socialmente. Ou seja temos ainda uma visão de novos ( pobres) ricos.
Ana Paula Dias
Ps: divulguei o seu post no twitter ;)
Cara Ana paula Dias,
A quinta das águias inicialmente era mais pequena. Os terrenos à volta foram comprados ao longo dos anos, perfazendo os tais 30 hectares.
Jaime
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