quinta-feira, setembro 10, 2009

Os contribuintes e o fogo


A propósito da afirmação: "Será que os técnicos ... querem combater os incêndios apenas com rebanho de cabras? Talvez com um Kit de combate a incêndios às costas (perdoe-me a ironia…)?", que já comentei noutro post, pareceu-me útil esclarecer duas coisas:
1) Um dos maiores equívocos da política de gestão do fogo em execução é a ideia de que os sapadores são prioritariamente apagadores de fogos. Tal não é verdade. São sobretudo executores de políticas de silvicultura preventiva, embora também apaguem fogos. São por isso mais versáteis que as cabras que são única e exclusivamente silvicultoras e não bombeiras.
2) O dinheiro envolvido nesta silvicultura preventiva assente em sapadores e não na gestão económica do território é maioritariamente público. Muitas das equipas de sapadores são financiadas pelo Estado central (via Fundo Florestal Permanente, em grande medida) e as percentagens remanescentes são cobertas por dinheiros públicos de outras origens, como Câmaras Municipais, por exemplo. Também existem equipas parcialmente financiadas por dinheiros privados e, acredito, algumas, sobretudo associadas às celuloses, totalmente financiadas pelos privados. Convem por isso explicar aos contribuintes o que significa a diferença entre usar sapadores para gerir combustiveis (eles têm muitas outras funções, mas também têm esta que ocupará grande parte do seu tempo, se de facto os sapadores não forem desviados para outras ocupações, como limpar jardins e outros espaços não florestais).
Fiz umas contas de algibeira que desde já estou disposto a corrigir quando alguém apontar valores que traduzam melhor a realidade, porque estes são assumidamente frágeis, embora me pareça que permitem a discussão da ordem de grandeza das diferenças de custos para os contribuintes.

Tomemos então como bom um custo anual por equipa de sapadores de cerca de 60 000 mil euros (não estou a incluir os custos de investimento em equipamento). Isto significa um custo de cerca de 12 000 euros anuais, por homem. Vamos considerar uma produtividade de trabalho de 4 jornas por hectare na limpeza de matos (uma hipótese muito favorável em relação à realidade, penso eu). Vamos considerar que cada um destes homens faz 200 jornas anuais (eu direi que é uma hipótese que me parece pouco realista por excesso, mas sigamos em frente). Cada um destes homens limpará então 50 hectares, com um custo de 12 000 euros.
Vejamos o que acontece quando passamos dos homens para as cabras.
Consideremos um encabeçamento de 4 cabras por hectare. Para os mesmo 50 hectares, precisamos de um rebanho de 200 cabras. A diferença é que agora o ganho por fêmea aleitante é positivo, e não negativo. Consideremos 30 euros por fêmea, consideremos que por razões várias só metade do rebanho atinge estes valores de produtividade e teremos então não um custo mas um ganho de 3 000 euros. Pode ver-se aqui, por exemplo, como os valores de que falo estão provavelmente distorcidos a favor das equipas de sapadores florestais.
Ou seja, a diferença de custo na tarefa de gestão de combustiveis (e insisto que os sapadores são mas flexiveis e fazem outras tarefas) é de 15 000 euros anuais, por sapador.
Ou para ser mais claro, se cada equipa de sapadores for substituída na tarefa de gestão de combustiveis por cinco rebanhos de 200 cabras (mais flexiveis na gestão territorial de combustiveis), o Estado pouparia 75 000 euros.
Considerando que se poderiam substituir 100 equipas de sapadores por 500 rebanhos, isto significaria uma poupança de 7 500 000 de euros.
Sim, sete milhões e meio de euros anuais.
Isto mesmo não considerando os custos marginais e os benefícios marginais, isto é, o equipamento para as equipas de sapadores (que poderiam bem ser substituídos por equipamentos de controlo dos rebanhos, ainda assim calculo que bem mais baratos que a abundante dotação de equipamento dos sapadores), os custos com combustíveis e desgaste das viaturas (bastante menores nos rebanhos, mesmo que a sua gestão implicasse o seu transporte rodoviário para as áreas onde seriam mais úteis), o transporte de sobrantes a vazadouro, a fertilização feita pelas cabras e toda a dinamização da fileira associada ao leite de cabra, bem mais interessante do ponto de vista do desenvolvimento rural que a criação artificial de emprego totalmente dependente da política de cada Governo e da situação das finanças públicas.
Nunca tinha feito estas contas e verdadeiramente nunca me tinha dado conta da dimensão dos valores em causa.
O que me leva a perguntar: que contas faço eu erradas?
É que a única explicação racional para que as coisas nunca tenham sido postas neste pé só pode ser por eu estar a cometer erros crassos e primários que espero que rapidamente alguém corrija.

henrique pereira dos santos

PS Eu sei as dificuldades operacionais e de execução associadas ao uso do gado na gestão de combustíveis. Mas 10 000 euros anuais por rebanho de 200 cabras não removeriam rapidamente essas dificuldades? E ainda sobravam mais 5 000 de poupança para o Estado

9 comentários:

João Ribeiro (FLOPEN) disse...

Ainda que outsider da temática dos Blogs, não posso de deixar de comentar o que foi escrito. Mais uma vez se comete o erro de generalizar. Aliás esse tem sido o principal problema dos sucessivos Governos, passando pela Saúde, Educação e claro está Floresta. Eu explico. Neste post foi colocada a questão, e bem, de substituir os sapadores por cabras. Não existe em Portugal maior defensor deste sistema do que eu, no entanto admito poder haver iguais a mim. Contudo, temos de olhar para o território e para as suas diferenças. Se este sistema poderia funcionar no alentejo ou nas planícies da Beira Baixa, em outros territórios acho pouco povável que isso aconteça em larga escala, ou pelo menos com o encabeçamento de efectivo tão avantajado. Eu falo por experiência própria, por ter estado num estudo que evidenciava a capacidade sapadora da cabra e de facto os efeitos são notórios. No entanto não podemos cair na tentação de encher blogs para falar de situações que desconhecemos e generalizar tudo e todos. Os sapadores são uteis, muito uteis, pois mais do que roçar mato e fazer primeira intervenção, eles falam e informam as populações, coisa que as cabras não fazem. Além disso, a presença dissuasora da carrinha de primeira intervenção é muito importante e mantem as populações descansadas. Em suma, fazem muito trabalho de extensão rural. Além disso, cinco homens a trabalhar, são menos 5 homens no desemprego e isso dinamiza as economias locais.
O quero dizer com todo este texto, é que se tem que ser mais cuidadoso com o que se diz e escreve, pois as equipas de sapadores não são todas como as das câmaras, se bem que há câmaras e câmaras. Eu sou Director Executivo da FLOPEN, que é uma associação de produtores florestais. Quem trabalha na FLOPEN não faz o que pode, tem de fazer o que deve, se não não fica por aqui muito tempo. Como já referi, defendo a entrada das cabras na floresta, no entanto, temos de ser selectivos no local onde as escolhemos, e já não me refiro a questões de protecção de povoamentos, pois esse é óbvio, falo nas unidades forrageiras, que um animal precisa para estar bem nutrido e sanitariamente bem. E na maior parte dos locais da zona que conheço isso só se consegue com bons suprimentos de pastagens e concentrados, porque pastar na floresta não chega.
João Ribeiro

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro João Ribeiro,
A solução das cabras não existe no concreto, a solução dos sapadores é generalizada e eu é que generalizo?
O que existe é 100% de sapadores, eu falo em meros números indicativos substituir bem menos de 50% desses 100% e eu é que generalizo?
O encabeçamento de 4 cabras por hectare foi o número mais baixo que encontrei na bibliorigrafia que consultei, sem suprimentos alimentares, mas admito que possa ser menos. Se me disser qual é o encabeçamento que acha adequado eu refaço as contas com todo o gosto.
Não percebo a sua delimitação geográfica da solução exactamente às zonas onde faz menos falta e é menos útil. Pode fundamentar as suas razões para pôr de lado todo o Norte e Centro, as zonas com maior produtividade primária?
Se a vista do carro de primeira intervenção sossega as pessoas a situação é mesmo grave: pior que uma situação perigosa só uma situação perigosa que não é reconhecida como perigosa.
Como sabe mais de 50% do que arde não são povoamentos, não vejo por que razão o uso de cabras para gestão de combustível deve estar condicionado pela produtividade do rebanho em povoamentos. E não vejo por que razão em situações deste tipo se deve pretender que os rebanhos tenham elevadas produtividades e estejam bem alimentados: o seu trabalho é prestar serviços de gestão de combustiveis e não produzir o máximo de leite ou carne (por isso no rendimento por cabra usei metade do valor obtido no artigo que citei).
O argumento do emprego é estranhíssimo: um emprego de sapador é substituído por um rebanho de duzentas cabras que sustenta sem qualquer dúvida dosi empregos (sustenta mais, mas fiquemos por estes), portanto o uso de cabras (cujos pastores também podem falar com as pessoas) cria mais emprego que o uso de sapadores e ainda produz bens transacionáveis em vez de queimar petróleo.
E já agora gostaria, se puder ser, de saber se acha os números de produtividade que apresentei muito fora da realidade e se os sócios da sua associação têm direito a trabalho gratuito dos seus sapadores.
Agradeço-lhe o comentário, que nos ajuda a avançar neste debate, que bem preciso é.
henrique pereira dos santos

João Ribeiro disse...

Caro Henrique,
estas palavras são de alguém que vive todos os dias com o drama de ter demasiados combustíveis na floresta disponíveis para arder. Além disso temos que todos os dias trabalhar com os nossos associados e não associados para que façam uma gestão efectiva das suas matas, o que como deve enteder, também não é fácil. O que mais me chamou a atenção no seu post, foi a sua posição perante os sapadores florestais, pois revela um desconhecimento da actividade. Se acha que é grave que as pessoas se sintam descansadas com o facto de verem as carrinhas das equipas de sapadores, então também deve achar grave a presença das autoridades nos centros urbanos. Não queria estar a escrever-lhe aqui o que é que os nossos sapadores fazem, mas terei que o fazer. O dia a dia de um sapador, além de roçar mato, faz primeira intervenção, vigilância, informa as pessoas que não devem fazer queimas nas alturas críticas, faz combate a incêndios juntamente com os bombeiros, faz plantações, adubações, podas, retanchas, abates, tratamentos fitossanitários, utiliza fogo controlado, e mais um sem número de operações. Possivelmente não terá entendido o meu comentário anterior, mas reforço, a soloução das cabras não me choca, bem pelo contrário, o que me choca são modas avulsas e generalistas de colocar cabras em todo o lado, onde nem sequer do ponto de vista humano, orográfico e biológico há condições, e depois assistimos a disparates, igualmente generalistas, como o "pastoreio virtual". A colocação de cabras, deve ser bem estudada, caso a caso, o desenvolvimento rural, deve ser mais que umas contas que fazemos nos nossos computadores no excel. Por vezes temos tendência a cair nesse erro, no qual eu também me incluo pois não sou perfeito, nem pretendo estar a dar lições de moralidade.
Já agora, deixe-me corrigir-lhe algumas imprecisões, que denotam alguma ausência de conhecimento nesta matéria, a verba que é entregue às instituições que têm sapadores não é um subsídio, mas sim o pagamento de um trabalho. Isto é, os sapadores estão obrigados a fazer 6 meses de trabalho público, isto é a trabalhar para a AFN nas matas do Estado. Mais, essa verba, não vem do Fundo Florestal Permanente, mas directamente do OGE. Daí que, quem tem equipas de sapadores tem que trabalhar para as manter, isto falando de organizações de produtores florestais. O que quer dizer que os nossos associados pagam o serviço que adjudicam, mas pagam-no muito mais barato.
Relativamente aos valores que refereiu das cabras, é mais ou menos esse. Deixe-me contar uma situação, em 2005 estive a elaborar uma candidatura ao FFP em conjunto com a Escola Agrária de Coimbra, para efectivamente estudar o rendimento de três tipos de intervenção na floresta, roça de matos moto-manual, fogo controlado e pastoreio. Estranhamente a candidatura foi chumbada. Em 2006 quando inciámos outro estudo através do Programa Agris 8.1, tivemos finalmente um feed-back da capacidade das cabras.
Caso pretenda posso lhe enviar alguma documentação desse projecto.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro João Ribeiro,
Dou de barato que descinheço o assunto e portanto não precisa de o repetir e assim ganha espaço nos seus comentários para explicar onde estão os erros do que eu digo.
Diz que o financiamento dos sapadores é do OGE e não do Fundo Florestal Permanente. Acredito, é relativamente marginal para a discussão mas explique-me então que afirmando o Governo que são gastos por volta de seis milhões para sapadores (varia com os dias, portanto tanto pode ser isto como outro valor um ou dois milhões para cima ou para baixo) e dizendo as contas que o Fundo Florestal que são gastos entre quatro milhões e sete milhões (ver este post http://ambio.blogspot.com/2009/08/fundo-florestal-permanente.html) como se pode dizer que os sapadores não são pagos pelo FFP (ainda que através de protocolos com outras entidades públicas)?
Quanto à enumeração de tarefas dos sapadores fico sem perceber onde quer chegar porque no post comparo exclusiva e explicitamente a função de gestão de combustiveis com recurso a sapadores ou a cabras.
E digo explicitamente que os sapadores são mais flexiveis e executam outras tarefas parea além da gestão de combustiveis.
A presença das autoridades nos centros urbanos é útil para controlar a actividade ilícita de pessoas. A presença das equipas de sapadores só teria o mesmo papel se o problema dos fogos decorresse da actividade humana voluntária e evitável, o que nunca ninguém demonstrou apesar de ser sistematicamente repetido como se isso fosse uma verdade incontestável.
Percebo que o choque pôr cabras em todo o lado como se fosse uma solução milagrosa. Mas quantas cabras sapadoras tem a sua associação para ter medo que se defenda que essa vertente do problema devia ser olhada com mais atenção?
Agradeço-lhe imenso o envio dos resultados do estudo que fizeram, o meu mail é as1075017@sapo.pt.
E agradeço também a disponibilização do seu tempo para esta discussão.
henrique pereira dos santos

EcoTretas disse...

Henrique,
Faz todo o sentido a linha de raciocínio que desenvolve. Todavia, nos tempos presentes, os ambientalistas puro e duros nunca a iriam permitir, com o argumento de que as cabrinhas devorariam todo o ecossistema...
Ecotretas

Henrique Pereira dos Santos disse...

O seu comentário não é verdadeiro. Onde a discussão sobre isto está mais adiantada e há mais proximidade em relação a soluções concretas é nas empresas florestais e no sector da conservação.
As resistências maiores estão mesmo na protecção civil (o que compreendo) e no sector florestal (o que já não compreendo).
henrique pereira dos santos

João Ribeiro disse...

Caro Henrique,
vou lhe enviar a documentação solicitada, agradecendo também por se bater com honestidade e de forma cordial nesta discussão que é muito importante. Ter opiniões diferentes nunca fez mal a ninguém e é até bastante salutar.
Já agora, quando quiser fica convidado para visitar a FLOPEN virtualmente através do site www.flopen.org ou pessoalmente. A FLOPEN foi a primeira organização de produtores florestais a obter o Certificado de Gestão Florestal através do Programa Internacional do FSC.

Jaime Pinto disse...

Não tenho as mínimas dúvidas que as cabras são a solução principal para roubar combustível aos incêndios florestais e de matos. Claro que não podem ferrar o dente onde lhes aprouver, como infelizmente sucede muitas vezes. Eu que o diga: dá-me mais trabalho guardar as árvores das poucas dúzias de cabra que pastam em volta lá da minha aldeia que propriamente as plantar. Mas é um regalo verificar o quanto a carqueja, urze, e tojo ficam semi-carecas em volta da aldeia, isso sim, dá-me mais conforto e segurança que os TT-amarelos que se mostram, estilo psp em Lisboa, aos poucos aldeões e lisboetas em férias na terra.

As cabras não necessitam de estar sempre anafadas, antes pelo contrário, se no verão fizerem dieta provavelmente isso até lhes faz bem à saúde. Será mesmo sacrilégio querer cabritos gordos todo o ano quando o calendário sagrado lá dos céus os manda comer pela Páscoa, altura em que o pasto abunda, as cabras andam gordas, o leite sai farto dos amojos e o queijo sai melhor.

Não compreendo a ideia, por aqui expressa, que as cabras apenas poderão pastar nas planícies da Beira Baixa ou no Alentejo. Nesses locais o que eu mais vejo é ovelhas, cuja boca é mais fidalga. Cabras vejo-as (infelizmente poucas) e sempre as vi nas serras do Centro e Norte e no interior algarvio, onde até as silvas, se forem tenras, marcham. Será mais fácil silvicultores defenderem o Diabo que as cabras, penso mesmo que foi a confraria dos ditos que assemelhou as cabras ao tinhoso nas gravuras religiosas de há uns séculos, e infelizmente para as cabras, bichos elegantes, espertos e gostosos, tão depressa dessa infame fama não se livram.

Já agora, quando miúdo também guardei cabras, como ajudante de pastor, se bem que era melhor jogador de chinquilho, ao tempo passatempo favorito de pastores nos ócios da profissão, com bintes feitos de pau e malhas de calhaus de xisto, que propriamente pastor.

Parabéns, Henrique, pela entrega e defesa por uma causa fora de moda, pelo menos em Portugal, já que noutros países, dos quais copiamos outras modas, esta nunca entrou em desuso. Preferimos a moda dos TT-amarelos, pelo menos enquanto o dinheiro cair do céu e o petróleo estiver barato.
Jaime

Ricardo Nabais disse...

Falam em emprego, só mais uma achega porque não meter os desempregados a receber o fundo de desemprego a fazer tarefas na floresta e outras áreas , já que recebem sem fazer nada?
Iria ajudar a floresta em criar riqueza e ai sim aumentar o emprego, diminuindo os fogos.

bom debate...