Gestão (?) de resíduos na RN2000: Parque Natural de Costa Vicentina, agosto 2009
A gestão das áreas classificadas tem sido muito discutida, nomeadamente na perspetiva da gestão pública versus privada.
O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa alista 7 definições da palavra "gestão", dos quais interessa reproduzir alguns:
1 - Actividade ou processo de administração de uma empresa, uma organização, um bem, um negócio..., tendo em conta os seus recursos, a sua estrutura e as suas capacidades de produção.
6 - Utilização racional e controlada de certos recursos disponíveis, feita em função de determinados objectivos.
7 - Entendimento, conciliação entre diferentes posições, interesses, opiniões.
Acontece que, conforme a Lei de Bases de Ordenamento do Território e o Plano Sectorial para a Rede Natura2000, o Estado não assume como objetivo a gestão das áreas classificadas, nem pode assumi-la, com exceção nas áreas detidas por ele. No PSRN2000, o primeiro objetivo estabelecido é "Estabelecer orientações para a gestão territorial das ZPE e Sítios" (p.11). Também o segundo objetivo do PSRN2000 "Estabelecer o regime de salvaguarda dos recursos e valores naturais (...) fixando os usos e o regime de gestão ..." não coloca nenhuma atividade de gestão (vide definições supracitadas) na esfera pública. Seguindo os objetivos do plano setorial, encontramos sempre a mesma abordagem: estabelecer directrizes (...), definir medidas (...), fornecer a tipologia das restrições (..), fornecer orientações (...), definir as condições (...).
Portanto, é legítimo perguntar de que gestão pública das áreas classificadas se fala? Estabelecer orientações, salvaguardas, diretrizes, medidas, restrições e condições para a gestão é, em termos práticos, dizer aos que gerem o território de facto (leia-se os proprietários dos terrenos) o que deviam fazer ou não podem fazer. Agora, isto não é gerir, isto é condicionar quem gere.
As AC foram sempre geridas pelos proprietários privados, motivados pelos interesses que nelas têm. E fazem-na em grande parte ignorando o PSRN2000, o que se compreende, considerando que o PSRN2000 vincula apenas entidades públicas (p.13). Em termos práticos e para o proprietário privado, todas aquelas orientações, diretrizes, medidas etc., não passam de boas intenções públicas sem obrigatoriedade nenhuma. No entanto, se o Estado pretende alcançar objetivos que foram assumidos ao abrigo de legislação comunitária e nacional, nomeadamente "contribuir para assegurar a biodiversidade através da conservação dos habitats naturais e da fauna e flora selvagens (...)" (PSRN2000 - p. 6), vai ter de compreender que estes objetivos dependem da gestão privada desse território privado que são (a grande maioria das) AC. O condicionamento de gestão é uma ferramenta de duvidosa eficácia (da qual não faltam exemplos nos mais diversos setores da sociedade), sobretudo quando os prejuizos desse condicionamento são suportados pelos mesmos gestores privados em prol de um bem comum. Infelizmente, ser proprietário dentro de uma AC não passa de uma chatice...
Henk Feith
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5 comentários:
Este assunto é suficientemente pertinente para merecer referência no Ondas3. Antecipadamente grato, Octávio Lima.
Imagens como esta nas áreas protegidas são, infelismente, o pão nosso de cada dia. A verdade é que o ICNB não tem capacidade (finaceira) nem para recolher o lixo, quanto mais para gerir as áreas protegidas...
Mais uma vez podemos atirar as culpas para o governo PS que transformou o ICNB numa máquina de dar parecer positivos aos projectos do governo nas áreas protegidas e na rede Natura.
De acordo, João. Porém há outros intervenientes na gestão das AC que não estão a cumprir o seu papel; não é só o ICNB. Sem desenvolver muito e tomando por exemplo, na sequência da foto do H. Feith, a Costa Vicentina. A GNR e a Polícia Marítima são escandalosamente complacentes com o campismo e caravanismo selvagem. Sendo o PNSACV um parque litoral e os seus maiores valores terrestres as comunidades vegetais litorais (inc. dunas consolidadas mais interiores), tem que ser controlado o movimento de surfistas, hippies, naturistas, voyeurs, curiosos, observadores de pássaros, botânicos ou simples turistas não classificáveis num modos de vida alternativo. Incomoda-me o facto dos mesmos estrangeiros que nos criticam pela nossa flexibilidade na gestão das áreas protegidas abancarem semanas a fio numa falésia sem que ninguém lhes diga nada! E a malta que fica pela região depois dos festivais de verão acampado no cimo das falésias. Percorram as dunas do Malhão, as escarpas a sul (e.g. Alteirinhos) ou norte (e.g. Praia de N. Senhora) da Zambujeira, entre outras, e vejam. O efeito desta malta nas dunas das escarpas sobrelevadas vicentinas, umas das jóias da vegetação portuguesa, é tremendo. E as caravanas que pernoitam nas ruas de Porto Covo, no outro lado da Praia de Odeceixe, no estacionamento da Praia da Amoreira (Aljezur) e por aí adiante! Na Alemanha, por exemplo, as caravanas, nem sequer durante a noite podem parar nas estações de serviço das auto-estradas, quanto mais numa área protegida!
Carlos Aguiar
Olá a todos,
'Condicionar a gestão' não pode ser encarado como algo negativo, porque, nessa perspectiva, então muitas vezes a própria 'gestão' é mal feita. É verdade que há proprietários que se preocupam com a conservação da natureza e o desenvolvimento sustentável, mas também há muitos que ignoram tal coisa. Não podemos por isso deixar as coisas completamente à mercê de proprietários privados senão bem podemos começar a ver as áreas conservadas a fragmentarem-se e a desfazerem-se. O ICNB, em áreas de tal importância, em que se justifica uma gestão em prol dos interesses da população nacional, tem o dever de colocar os proprietários não-colaborantes 'na linha', apoiar os que colaboram e dialogar com todos de modo a compreenderem o porquê dos planos de ordenamento e das regras. É claro que o ICNB deve também ouvir os proprietários, e alterar as regras se se revelar necessário, mas apenas se essa sugestão se revelar compatível com o bem comum.
O grande problema é, como foi dito noutros comentários, o ICNB não tem dinheiro e é facilmente manipulado pelo governo, governo este que aparenta desconhecer o que é desenvolvimento sustentável. Aqui sim, nesta situação, devia-se entregar a gestão das AC's às autarquias, mas nunca deixar os proprietários privados andarem aí a fazer o que querem. E, se o ICNB alguma vez tiver dinheiro e eficácia nas suas funções, essas áreas devem voltar à sua gestão.
Atenção, que eu com isto não ponho em causa que certas áreas de importância local e não nacional deviam também ser classificadas e essas sim ser geridas pelas autarquias/instituições locais permanentemente, como aliás está a ser feito no Estuário do Douro, ou no Paúl da Tornada.
Cumprimentos do Ninho de Observações (www.ninhodeobservacoes.blogspot.com)
Caro João,
No meu posts não faço nenhuma apreciação da justica do condicionamento. Afirmo que condicionar não equivale gerir e que é de duvidosa eficácia (por isso basta dar uma volta pelas AC).
O posts procura corrigir a ideia que as AC estejam a ser geridas pelo Estado. O que o Estado faz nas AC, através dos seus diversos serviços (não só o ICNB) é fiscalizar, licenciar e contraordenar, que são de facto as competências que tem. Por vezes o faz bem, por vezes nem tanto. Mas tudo isto não tem nada a ver com a gestão das áreas, essa é feita pelos proprietários, por vezes bem, por vezes nem tanto.
Um abraço,
Henk
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