sexta-feira, setembro 04, 2009

RIAS


Foi criado um blog de apoio ao RIAS, Centro de Recuperação e Investigação de Animais Selvagens que gostaria de assinalar por me parecer bastante interessante.
O que me interessa é explicar como foi o processo até chegar a este ponto em que uma parte das pessoas começam a bater palmas aos resultados.
Há bastante tempo que eu defendia que a gestão de centros de recuperação é uma actividade em que o Estado era pouco eficiente. Durante anos ouvi o contra-argumento de que era tudo um problema de sub afectação de recursos (a partir de certa altura deixei de explicar que essa sub afectação de recursos decorria do primeiro pressuposto).
Ouvi argumentos e mais argumentos sobre outros Estados que gerem directamente redes pesadas de recuperação de animais (uma actividade com interesse marginal para a conservação, diga-se de passagem), sobre o dever do Estado e outras coisas que tal.
No contexto da iniciativa Business and Biodiversity (R.I.P.) mantive sistematicamente uma perspectiva liberalizante (porque fundamental para a credibilidade da iniciativa) no sentido de não haver entrada de dinheiro das empresas para o ICNB, guerra em que tive algum êxito até a abandonar (juntamente com tudo o resto que fazia no ICNB) por exaustão.
Quando a ANA, Aeroportos e Navegação Aérea, deu indicações fortes de que gostaria, na sua adesão ao Business and Biodiversity, apoiar centros de recuperação de aves, tive uma epifania e desenhei uma solução que me pareceu interessante para resolver dois problemas ao mesmo tempo: evitar a entrada do dinheiro da ANA no ICNB e a gestão dos centros de recuperação, concessionando a sua gestão.
Para isso era preciso lançar um concurso para a gestão dos centros (as vezes que eu ouvi dizer que isso não seria possível ou que seria melhor entregar directamente a quem desse garantias e o que tive de me empenhar para que a solução do concurso para a concessão de um bem público, que é a solução que a lei prevê, prevalecesse), era preciso explicar no concurso que a concessão da gestão dos centros estava associada a um orçamento de 40 mil euros por centro de recuperação, a ser pago pela ANA.
As complicações que foram levantadas porque me diziam que não sendo o dinheiro do ICNB o ICNB não podia lançar um concurso e referir dinheiro que vinha da ANA e por aí fora. Lá se perderam mais umas horas nas condições do concurso para finalmente se resolver o problema (que aliás nunca existiu).
Apenas uma entidade (não tive nada com a divulgação do concurso, que me pareceu escassa) concorreu à gestão de dois dos três centros do ICNB (desisti de convencer as pessoas de que seria melhor incluir o centro do Gerês no mesmo modelo de gestão) e em relação a um dos centros as resistências internas eram tais que mesmo assim não se queria fazer a adjudicação com base em argumentos que não interessam agora (nem nunca interessaram porque eram não argumentos).
As vezes que ouvi dizer que este modelo de gestão era uma demissão do Estado das suas obrigações (um disparate, claro, porque o Estado concessiona, define as condições de concessão e fiscaliza o seu cumprimento, para as aves é absolutamente indiferente o vínculo laboral de quem as trata ou de onde vêm os recursos para o seu tratamento).
O resultado é o que se vê no blog: voluntários a ser mobilizados, novos apoiantes para os centros, empresas a co-financiar, ou seja, mais recursos para os centros e muito menos recursos do Estado afectos aos centros (que fazem falta para acções de conservação verdadeiramente relevantes e que ninguém faz).
As coisas ainda podem correr mal, mas para já, valeu a pena a teimosia solitária cujo resultado positivo só foi possível na particular conjuntura do ICNB naquele momento, com uma Presidência que decidia e era razoavelmente estranha ao business as usual da conservação em Portugal.
Mais uma semente liberal num Estado anquilosado.
Mas não se pense que isto é apenas o problema de um Estado anquilosado.
Durante todo o processo não me lembro de alguma vez ter ouvido uma única ONG, uma única organização da sociedade civil pedir autonomia e responsabilidade para gerir os centros de forma autónoma, o que ouvi, vezes sem conta, foram organizações a pedir recursos para ir fazer uns centros ao lado independentes, mas financiados pelo Estado.
O Estado que temos reflecte esta nossa natureza.
Desconfiamos das pessoas mesmo sem razão, confiamos no Estado, mesmo irracionalmente.
henrique pereira dos santos

2 comentários:

Anónimo disse...

excelente post, a soxciedade civil deve avançar e se levar o Estado a reboque não faz mal nenhum, gostei especialmente a frase ....(que fazem falta para acções de conservação verdadeiramente relevantes e que ninguém faz)...

Guilherme dos Montes

Unknown disse...

Este é um belo exemplo de como privados podem desempenhar funções que, à priori, se creem do Estado.

E deve fazer meditar aqueles que poem em causa, por exemplo, a gestão de APs da rede nacional por privados.

Gonçalo Rosa