Henk Feith, no seu comentário a este post, diz: "Não te esqueças que esse objetivo (dos 100 mil) vem em resposta às situações catastróficas vividas em 2003 e 2005. A estratégia visava sobretudo evitar repetições delas.".
Henk faz este comentário no contexto de uma discussão sobre a estatística associada aos fogos, a que respondi nos comentários ao mesmo post.
Mas para lá da questão estatística vale a pena olhar com atenção para esta frase e perguntar:
a estratégia de gestão do fogo que o país adoptou visa ter o menor nível de área ardida anual possível para o tornar socialmente aceitável e compatível com a exploração económica do sector, ou visa evitar a repetição de situações excepcionais como as de 2003 (e, em menor grau, de 2005)?
Um ou outro objectivo não são indiferentes para a estratégia a adoptar e são mesmo contraditórios.
É que quanto mais eficientes formos no obectivo de ter todos os anos a menor área ardida possível, mais contribuímos para a criação de condições para a repetição de 2003.
Pelo menos enquanto as políticas de gestão de combustível se mantiverem no nível a que estamos.
E não vejo como possam ser alteradas, dadas as imensas áreas do território que estão em causa, se não passarmos do modelo de financiamento da produção agrícola e florestal que temos para um modelo de financiamento do mundo rural através do pagamento dos serviços ambientais prestados.
henrique pereira dos santos
5 comentários:
Henrique & Henk,
Há sempre um desfasamento entre os dados nos relatórios da AFN e os valores de área ardida. Área ardida apurada até hoje (fonte AFN): 80.844 ha. Paulatinamente vamo-nos aproximando do objectivo dos 100.000 ha...
O objectivo inicial para a área ardida anual na proposta técnica do Plano Nacional de DFCI eram 40.000 ha, julgo que é um valor relacionado com a possibilidade de ter uma floresta sustentável do ponto de vista da sua exploração económica. Num ano como este, em que menos de 1/3 da área ardida é arborizada não virá nenhum mal ao mundo de ter uma meta tão pouco ambiciosa. Mas a geografia do fogo responde a padrões meteorológicos regionais, e não é de excluir anos futuros em que o centro de gravidade da área ardida se desloque da montanha para a floresta produtiva (aliás como sucedeu em 2003).
No ano passado fiz uma análise para a LPN/AFN em que procurei comparar 2006-2008 com 2001-2005 no sentido de quantificar as eventuais melhorias. Eis o que obtive, após remover o efeito da meteorologia:
Redução no nº de ignições - 21%
Redução no nº de fogos com mais de 1 ha - 37%
Redução no nº de fogos com mais de 100 ha - 63%
Redução da dimensão dos fogos com mais de 100 ha - estatisticamente não significativa.
Este ano repetirei a análise...
Paulo,
Nao queres fazer um post a explicar como retiras o efeito da meteorologia?
E já agora, estás de acordo em que as melhorias de que falas potenciam as situações excepcionais como as de 2003?
henrique pereira dos santos
Henrique,
Para "neutralizar" o efeito da meteorologia ajustei modelos explicativos dos vários indicadores que referi para o período 2001-05, sendo as variáveis explanatórias de natureza meteorológica. Depois apliquei os modelos a 2006-08, ou seja assumi que a diferença entre a realidade de 2006-08 e a predição com base em 2001-05 se deveria a modificações no combate/prevenção de fogos.
A resposta à segunda questão não é linear. As condições que facilitam a expansão do fogo são agravadas (mais biomassa, mais continuidade espacial) se os fogos diminuem em nº e dimensão. No entanto, quando o sistema de combate é ineficiente para os fogos que ultrapassam uma determinada dimensão, e quando a densidade de ignições é tão elevada, como sucede em Portugal, não é líquido que a presença de um mosaico de áreas ardidas recentemente limitem ou evitem a ocorrência de grandes fogos quando as condições meteorológicas o propiciam. Isto porque os meios de combate não exercem um controlo perimetral efectivo e se dispersam por ignições simultâneas e para proteger casas. Desta forma o fogo não é apagado onde o poderia ser com alguma facilidade. Neste momento estamos exactamente a tentar esclarecer esta questão, considerando também outras variáveis (como o pastoreio).
Paulo Fernandes
Caro Paulo,
"e não é de excluir anos futuros em que o centro de gravidade da área ardida se desloque da montanha para a floresta produtiva (aliás como sucedeu em 2003)."
Em termos de número de ocorrências, os principais distritos em 2009 foram Porto, Braga e Viseu, todos distritos com elevadas taxas de florestas de produção. Qual é então o motivo que, apesar do número de ocorrências, as áreas ardidas por ocorrência sejam relativamente baixas, quando comparado com por exemplo 2005, quando a floresta produtiva do Centro e Norte de Portugal foi fortamente afetada?
Henk Feith
Henk,
Tanto quanto sei há uma correlação positiva entre a densidade populacional e o número de ocorrências, mas o número de ocorrências tem pouca relação com a área ardida: arde mais onde há menos gente.
2003 teve condições meteorológicas excepcionais e, se se repetirem, teremos um cenário semelhante, qualquer que seja a região onde elas se verifiquem, embora mitigada pela existência de um mosaico mais agrícola nas zonas de maior densidade populacional (ver o que aconteceu na Galiza em 2006, com condições que se aproximaram das de 2003 em Portugal, mas com vento fraco, o que faz uma grande diferença).
henrique pereira dos santos
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