Porque a área geográfica me interessa e porque o tema também, perguntei como lhe poderia ter acesso.
Simpaticamente, e para leitura privada, foi-me cedida uma cópia digital não totalmente revista. Porque alguns mapas me interessaram, pedi os dados de base para fazer um gráfico que é inteiramente da minha responsabilidade e que é esse que está em cima.
A mancha a cheio, associada à escala da direita, é a evolução da população do Concelho de Arcos de Valdevez desde 1864 (os dados anteriores não incluíam o então concelho do Soajo e outras freguesias relevantes para o que eu queria, pelo que os excluí).
O que me interessa relevar:
1) Mesmo sendo os Arcos um concelho relativamente rico do ponto de vista agrícola (não tanto como Vila do Conde, por exemplo, mas bastante mais que Vimioso ou Estremoz, também para usar exemplos), há uma perda acentuada de população a partir do censo de 1970 (em rigor já há uma pequena perda no censo de 1960). Nada que não seja conhecido, com maiores ou menores amplitudes em quase todo o Portugal que não se inclua em áreas metropolitanas;
2) O que me interessa não é pois esta trivialidade bem conhecida, mas pôr em evidência que esta evolução da população concelhia esconde dinâmicas internas do Concelho substancialmente diferentes, traduzidas nas linhas a cores, relacionadas com a escala da esquerda;
3) A sede do Concelho, se traduzida pelas suas duas freguesias quase estritamente urbanas, segue um padrão semelhante ao do concelho (com excepção do censo de 1920, especulo eu que em consequência da gripe espanhola, mas é pura especulação), mas bastante mitigado, isto é, com perdas menores de população de 1960 para cá;
4) Mas em rigor este padrão não pode ser separado da evolução da linha que aparece como suburbana, para a tradução da qual escolhi a freguesia de Vila Fonche, em que o padrão difere substancialmente das restantes por esta freguesia ganhar população consistentemente desde o censo de 1981;
5) Isto significa que se a área urbana incluir as freguesias limítrofes (e nos Arcos as freguesias urbanas são mesmo muito pequenas e restritas ao casco urbano antigo e pouco mais) parece ser claro que não há grande perda de população na sede do Concelho (admitindo que há alguma);
6) Escolhi duas freguesias para ilustrar o que se passa nos vales mais ricos e, neste caso, situadas nas linhas de circulação mais urbana, entre Arcos, Barca e Ponte de Lima. E também aí vemos que o padrão de evolução é bastante amenizado em relação ao concelho considerado globalmente, com perdas suaves de população. Há num entanto um fenómeno que um gráfico de população residente não pode mostrar, que é a alteração das características das populações destas freguesias, próximas e com bons acessos a centros urbanos: grande parte da população que lá fica deixou de viver da agricultura, para viver ou da construção civil e indústria (que há alguma na zona) ou dos serviços na vila (bancários, professores, polícias, etc.). Do ponto de vista da evolução do território esta manutenção de população, com alteração da sua actividade, tem alguns efeitos próximos dos do abandono rural;
7) Escolhi duas freguesias da serra (Soajo e Miranda) para ilustrar de onde vem a quebra acentuada de população, que não merece muitos comentários de tal modo o gráfico é expressivo.
Que evolução futura poderemos esperar do que se vê.
Os centros urbanos, as vilas onde se funda o poder local (repare-se como o peso eleitoral da sede do Concelho se acentua de forma brutal face ao conjunto da população concelhia, crescendo cerca de 25% neste intervalo, de acordo com umas contas de merceeiro que aqui fiz), têm vindo a crescer com o abandono do seu hinterland.
Este crescimento faz-se sobretudo pelo aumento da cobertura dos serviços públicos, pelo investimento público em infra-estruturas, pela construção civil financiada quer por esta deslocação das aldeias para as vilas quer pelos recursos dos que se foram embora e pelas transferências da segurança social, incluindo alguns subsídios agrícolas que são na verdade apoios sociais disfarçados de apoio ao rendimento do agricultor.
Ora os serviços públicos estão em recuo (e estarão mais face ao endividamento do Estado), o ciclo de infra-estruturação tende a abrandar (porque o essencial está feito e porque o Estado está falido), o ciclo da renovação do alojamento está quase esgotado e os velhos, receptores das transferências sociais, vão morrendo.
Os orgulhosos concelhos que hoje proclamam a sua libertação da desvalorizada condição rural, por exemplo apoiando a remoção dos obstáculos à protecção do solo agrícola de que sempre dependeram e de que agora dizem não precisar, correm sérios riscos de perceber tarde de mais que depois das aldeias vazias não sobram razões para manter os núcleos urbanos que organizavam os mercados e serviços essenciais ao desenvolvimento da produção agrícola e pecuária.
henrique pereira dos santos
2 comentários:
Olá Henrique
Muito interessante o tema do Post. Os problemas rurais e urbanos que se têm acentuado com os tempos modernos leva-nos a pensar novas formas de gerir e sustentabilizar estas áreas tão bonitas e ricas ambientalmente.
Temos um exemplo actual que merece uma referência "a novela realizada pela TVI em Arcos de Valdevez" que ajuda a manter os habitantes ligados à sua "terra" e a sentirem-se agradados em ver as paisagens que conhecem na televisão quase todos os dias à noite. Com isto digo, a criação de novas formas de lazer e turismo favorece a fixação da população local e do turismo naquela região. Assim, a paisagem é preservada com maior empenho de todos os envolvente. Este é um exemplo simples mas que faz sentir a população feliz e ligada à sua terra.
Glória Gonçalves
Excelente post! O teu raciocínio aplica-se, sem tirar nem pôr, a todo os concelhos rurais do país.
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