segunda-feira, novembro 02, 2009

O Estado português e a conservação do lince


Num comentário a este post, Rodrigo Serra diz: "não vejo a Ambio (nem o Gonçalo) a promover as notícias sobre os milhões de € atribuídos pela UE sob forma de programa LIFE à LPN e outros, para ajudar a atingir este objectivo final. Nem a difundir outras notícias em que o que se pretende é informar sobre esse objectivo. Nem outros programas, como o INAlentejo, o INTERREG III Algarve / Andaluzia, e outros do mesmo tipo. Espero que essa "lacuna" se deva a falta de conhecimento e não a um pessimismo generalizado."
Rodrigo Serra tem razão, podemos promover mais notícias.
Por exemplo, seguindo este link vamos ter ao programa da LPN. E podemos verificar que os objectivos desse programa são (a itálico os meus comentários):
  • "Identificar áreas de habitat prioritário para o lince-ibérico" (como? isto ainda hoje é prioritário?)
  • "Fomentar as populações de coelho-bravo" (de acordo. Só não percebo como é que uma ONG que não gere terrenos faz isso)
  • "Desenvolver protocolos em parceria com proprietários e associações" (mas sendo assim, não seria preferível serem os proprietários e associações a beneficiarem elas próprias dos fundos disponiveis para a conservação do lince? Qual é a mais valia de fazer circular os fundos por uma ONG, se os fundos não são próprios?)
  • "Sensibilizar" (mas a falta de sensibilização é mesmo um problema sério de cconservação do lince?)
Mas deixemos esse link e sigamos então para outro, mais específico do projecto LIFE de que se fala.
"Este projecto visa a recuperação do habitat do Lince-ibérico no Sítio Moura/Barrancos através de medidas de gestão e recuperação do habitat.", pode ler-se logo de entrada. De repente fiquei baralhado. Então o problema era o coelho, que foi dizimado por doenças, e o projecto visa recuperar habitat para o lince?
Vejamos então em mais detalhe:
Objectivos
  • Conservação, recuperação e gestão do habitat mediterrânico (áreas de floresta, matagal, e vegetação ripícola) através da implementação de planos de gestão em colaboração com proprietários e gestores locais (incluindo gestores cinegéticos); (fico cada vez mais confuso. Num quadro de abandono rural, em que a dinâmica da paisagem favorece o desenvolvimento dos matos, da vegetação ripícola e das matas, vamos gastar os escassos recursos existentes a fazer isso mesmo? E em terrenos de terceiros? Qual é a sustentabilidade a prazo do que for feito na vigência do projecto, que aliás está a acabar?)
  • Recuperação e gestão das populações de coelho-bravo através da melhoria das condições de alimentação e refúgio; (a alimentação do coelho pressupõe clareira, o que pressupõe gestão permanente. Um projecto demonstrativo temporário para obter resultados sustentáveis neste contexto?)
  • Desenvolvimento de um programa de divulgação, informação e sensibilização a nível local e nacional focado na conservação do Lince-ibérico e do seu habitat; (tomáramos nós, e o lince, que o problema do lince fosse a animosidade das pessoas)
  • Implementação de um programa de participação pública, com a participação de gestores, proprietários e instituições de âmbito local, regional e nacional com relevância na conservação do Lince-ibérico e do seu habitat; (nem percebo o que isto seja. Participação em quê?)
  • Elaboração de propostas para a gestão sustentável do Sítio Moura/Barrancos, para serem integradas em medidas de financiamento nacional e comunitário (e.g. Intervenção Territorial Integrada). (isto é o mais extraordinário, visto que isto está feito e pago pelo Estado português, o que falta é mesmo que o Estado português assuma isto como prioridades política nas suas opções, o que até hoje não fez)

Mas há resultados e convém, como diz o Rodrigo, difundi-los (há mais que os aqui listados, mas são reuniões, workshops e acções de sensibilização onde não consta que tenha estado nenhum lince que pudesse ter enriquecido os workshops):

  • 100 estruturas artificiais de reprodução para coelho-bravo (não discutindo a sustentabilidade destas estruturas, gostaria de perceber para que servem sem áreas de alimentação do coelho, isto é, clareira)
  • 200 comedouros e bebedouros (vamos admitir que serão geridos depois do projecto acabar embora eu não perceba como)
  • 30 hectares de sementeiras de leguminosas e gramíneas (não discutindo a sustentabilidade no tempo destas áreas de sementeira, faço notar que vários euros depois, (quase meio mihão de euros, informação que tive de ir buscar no site da comissão europeia) temos mais trinta hectares de pastagens. O preço que os contribuintes pagaram por hectare (mais de 13 mil euros por hectare) deve estar bem acima do que alguma vez imaginaram)
  • 16 hectares de área ardida, onde se procedeu à plantação, sementeira e protecção de espécies arbóreas e arbustivas autóctones (como só vai haver linces para libertar daqui a vários anos, pergunto-me por que razão não se deixou evoluir naturalmente esta área e os recursos assim poupados não foram desviados para coisas prioritárias)

Perguntar-se-á por que razão estou aqui a escrever sobre um projecto da LPN quando no título disse que ia escrever sobre o Estado e a conservação do lince. Porque este projecto é explicitamente parte da estratégia do Estado para a conservação do lince.

Pode seguir-se este link mas ninguém terá paciência para ler o que lá está. É o plano de acção para a conservação do lince ibérico.

E fazem bem, para não ter bem a consciência do que o Estado Português anda a fazer com os nossos impostos, evitando assim úlceras e AVCs. Para se ter uma ideia, só na quarta página de seis é que se começa a falar de conservação in situ e começando com esta frase: "O matagal mediterrânico tem vindo a desaparecer progressivamente ao longo dos últimos anos.".

Não se acreditaria se não estivesse escrito do Diário da República (e sinceramente deve haver uma explicação para esta frase, uma definição especiosa de matagal mediterrânico que o distinga do mato que todos os dias cresce livre dos agricultores e do gado que o combateram dia após dia nos últimos séculos). Mas quando mais à frente se diz taxativamente "muitas das áreas de ocorrência potencial do lince-ibérico encontram-se em propriedades particulares, dependendo a sua conservação da gestão aí efectuada. Neste contexto, torna-se fundamental a iniciativa dos proprietários, produtores e gestores, seja directamente, seja através de parcerias e contratualização." percebe-se definitivamente a coisa: o plano foi escrito em Fátima e alguém acredita que a Divina Providência o fará executar, porque doutra forma nunca se compreenderia que o Estado estivesse convencido de que o seu êxito depende inteiramente da iniciativa dos proprietários e, pelo contrário, teria imediatamente definido que medidas iriam ser tomadas, por quem e com que recursos (por exemplo, os existentes no PRODER) para conduzir as opções dos proprietários, que é o que fazem os Estados que não tendo Fátima são obrigados a desenhar políticas sem contar com milagres.

O mesmo Estado tem montada uma infra-estrutura de reprodução em cativeiro, sem que, tanto quanto sei porque a informação é escassa, as pessoas que sabe que são necessárias pelo menos nos próximos cinco anos sejam contratadas por concurso público, com contratos claros pelo tempo em que vão ser necessárias, como faz qualquer Estado que não acredita em milagres. O nosso Estado, devoto profundo da Senhora de Fátima, pelo contrário, contrata com base em processos obscuros, com vínculos precários (eventualmente ilegais, como bem reconheceu o Sr. Eng. Sócrates quando na campanha eleitoral garantiu que ia resolver o problema dos recibos verdes que já tinha sido resolvido pelo Sr. Eng. Guterres) porque embora a conservação do lince seja uma prioridade, parece que alguém se esqueceu de dizer isso ao Sr. Ministro das Finanças.

O mesmo Estado aliás vai usar o dinheiro do PRODER em Alqueva e outros regadios porque acredita que assim crescerá o matagal mediterrânico e os coelhos, não sendo por isso preciso dinheiro para convencer os proprietários rurais a usar as suas propriedades de acordo com as necessidades de gestão que decorrem da vontade de recuperação do lince ibérico. Parece que alguém se esqueceu de dizer também ao Sr. Ministro da Agricultura que a conservação do lince era prioritária e portanto ele esqueceu-se de mobilizar os recursos reais do PRODER, assumindo-se que uns projectitos demonstrativos financiados pelo LIFE e a boa vontade dos caçadores eram suficientes, com a ajuda da Divina Providência, para aumentar consistentemente as densidades de coelho em Portugal.

Enfim, provavelmente isto é mesmo, só pessimismo. Mas eu tenho desculpa: vivi alguns anos perto de Fátima e percebi que se a Senhora deixou crescer o caos urbanístico que existe à volta do seu santuário era provavelmente porque dela era o reino dos Céus, e cá na terra nós que trepássemos se queríamos bolota.

Provavelmente é só aí que reside a minha discordância em relação ao Estado português nesta matéria. Afinal é tudo uma questão de fé.

henrique pereira dos santos

18 comentários:

Anónimo disse...

Excelente texto.

Os peritos da LPN são, à partida, contra as reintroduções de espécies na natureza. Mas caso a LPN seja envolvida num processo que lhes pague um milhão de euros, o caso muda de figura.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Anónimo,
Acho que não está a ser justo com a LPN.
De facto existem grandes diferenças entre os repovoamentos de coelhos, por exemplo, e a reintrodução de predadores de topo seriamente ameaçados.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

O lince é um predador de topo absolutamente extinto em Portugal. Há-de ser reintroduzido e a LPN está no processo.

Quanto aos coelhos, quem faz o trabalho "de sapa" têm sido os caçadores. A LPN recebe subsídios dos contribuintes para copiar algo que há vários anos está a ser feito com sucesso.

Dúvida o Henrique que os caçadores teriam melhores resultados caso lhes fossem entregues essas verbas?

Henrique Pereira dos Santos disse...

Não, não duvido, há mesmo muitos anos que defendo isso. Mas isso tem pouco que ver com a ideia de que desde que haja dinheiro a LPN muda de pontos de vista referida a propósito da conservação do lince.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Sim muda. Se a LPN ficasse excluída do projecto lince, seria contra a sua reintrodução. O Henrique não acredita, paciência. Talvez um dia mude de opinião.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Não acredito nem deixo de acreditar, limito-me anão fazer processos de intenções.
henrique pereira dos santos

Miguel Rodrigues disse...

""Identificar áreas de habitat prioritário para o lince-ibérico" (como? isto ainda hoje é prioritário?)".
Evidentemente.

""Fomentar as populações de coelho-bravo" (de acordo. Só não percebo como é que uma ONG que não gere terrenos faz isso)".
Sensibilização, educação, formação e contratos de gestão com associações florestais e de caçadores, entre ouros agentes.

""Desenvolver protocolos em parceria com proprietários e associações" (mas sendo assim, não seria preferível serem os proprietários e associações a beneficiarem elas próprias dos fundos disponiveis para a conservação do lince? Qual é a mais valia de fazer circular os fundos por uma ONG, se os fundos não são próprios?)"
Parte dos fundos são, normalmente, destinados aos contratos de gestão ou a compensações, que não têm forçosamente que ser na forma de dinheiro (construção de equipamentos, etc.). Algumas ONG's estão especialmente bem colocadas, dado o trabalho já feito, para fazer este trabalho de proximidade com as pessoas que vivem, gerem ou utilizam estas áreas.

""Sensibilizar" (mas a falta de sensibilização é mesmo um problema sério de cconservação do lince?)"
Por de mais evidente. Se a sensibilização já não fosse necessária, não teríamos chegado ao actual ponto crítico da espécie, uma vez que decisores e população teriam conseguido adoptar as estratégias necessárias muito mais cedo. Neste momento, apesar de toda a gente gostar de "gatinhos fofos", as populações (quer a nível nacional quer a nível local) estão muito pouco motivadas para agir. Acresce que uma das questões mais trabalhosas e delicadas para as futuras reintroduções, será aceitação da espécie por parte das populações locais, o que só pode ser feito com um trabalho, muito próximo, de auscultação das necessidades e aspirações das pessoas e de sensibilização no sentido da conservação de grandes predadores (ver a situação de Guarrizas e Guadalmellato, na Andaluzia, que irão em breve receber os primeiros linces reintroduzidos).

"(...)fiquei baralhado. Então o problema era o coelho, que foi dizimado por doenças, e o projecto visa recuperar habitat para o lince?"
!?! A disponibilidade de alimento faz parte do habitat de uma espécie, bem como o coberto vegetal e muitos outros factores. Habitat não é só abrigo. Qualquer um dos meus alunos do 2º Ciclo identifica estes dois factores como cruciais para a recuperação/conservação de espécies. Como pessoa bem informada que é, deverá saber que o lince não sobreviverá se uma destas condições for deficiente. Deverá também saber que qualquer projecto de conservação tem, obrigatoriamente, de contemplar estes e muitos outros factores de forma integrada.

Miguel Rodrigues disse...

(continuação)

"Um projecto demonstrativo temporário para obter resultados sustentáveis neste contexto?)"
Evidente. Se o exemplo for estabelecido e funcionar, os principais gestores destas áreas em abandono, as associações florestais e de caçadores, poderão passar a aplicar o modelo de gestão com maior sucesso. E darei o precioso dinheiro por muito bem empregue.

"(isto é o mais extraordinário, visto que isto está feito e pago pelo Estado português, o que falta é mesmo que o Estado português assuma isto como prioridades política nas suas opções, o que até hoje não fez)"
Também não percebi. A sua sugestão é que fiquemos à espera do Estado?

"(...)mas são reuniões, workshops e acções de sensibilização onde não consta que tenha estado nenhum lince que pudesse ter enriquecido os workshops" Aplaudo o seu sentido de humor.

""O matagal mediterrânico tem vindo a desaparecer progressivamente ao longo dos últimos anos.".Não se acreditaria se não estivesse escrito do Diário da República (e sinceramente deve haver uma explicação para esta frase, uma definição especiosa de matagal mediterrânico que o distinga do mato que todos os dias cresce livre dos agricultores e do gado que o combateram dia após dia nos últimos séculos)."
Há quanto não sai para campo? Habitação, fogos florestais (os tais que são para deixar arder o mato que não faz cá falta nenhuma), plantações florestais e agrícolas de grande escala (eucaliptais, pinhais, olivais intensivos, regadios, etc.), grandes empreendimentos públicos (barragens, vias de comunicação, etc.). Será necessário continuar? A ideia de que o abandono rural é a salvação das espécies que vivem nos matos e matagais carece de urgente actualização.

"embora a conservação do lince seja uma prioridade, parece que alguém se esqueceu de dizer isso ao Sr. Ministro das Finanças." Não poderia concordar mais consigo.

Devo, então, concluir que a ideia central do seu texto é o Estado Português deveria disponibilizar mais verbas para a recuperação do coelho e do lince e entregá-lo todo às associações de caçadores para que fizessem o trabalho? Peço desculpa se, no meio do sarcasmo, perdi um pouco a orientação do texto que escreveu.

Deixo ainda a nota de que, nas ONG´s, estamos na disposição de ouvir e trabalhar produtivamente com os caçadores e florestais. Temos tido muitas respostas positivas nesse sentido, de pessoas que têm realmente vontade de resolver as coisas. Infelizmente, haverá sempre caçadores, conservacionistas e outros intervenientes que acreditam ter todas as respostas. Sem margem para dúvidas.

PS: Sempre fui da opinião que qualquer afirmação vale rigorosamente ZERO enquanto não tiver um nome. Vai rareando a coragem para assumir as posições que se defende.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Miguel Rodrigues,
Retenho a quantidade de coisas que se dispensa de fundamentar por serem evidências. Começando evidentemente pela primeira.
Quanto ao resto não percebi bem.
A tese do meu post é que o Estado português não dá prioridade nenhuma ao assunto e vai disfarçando com umas medidas compensatórias que consegue sacar a terceiros e com uns projectos demonstrativos que ainda por cima têm a vantagem de manter as ONGs (em especial as suas direcções) quietas, venerandas e obrigadas.
A razão pela qual eu digo que o Estado português não liga nenhuma ao assunto é que as duas fontes de recursos de que dispõe (o orçamento do Estado e o PRODER) estão secas, ou quase, para o assunto.
Se me diz que o matagal mediterrânico tem vindo a desaparecer e é por causa dos fogos fico muito mais descansado: a frase afinal não está lá para justificar a transferência de fundos para projectos mirabolantes mas é mesmo por convicção.
É mais fácil corrigir um erro que o mau carácter e portanto prefiro assim.
henrique pereira dos santos
PS Só para ter uma ideia, no pior ano de sempre dos fogos ardeu sensivelmente 10% da área florestal. Ou seja, 90% continuou paulatinamente a produzir matos. Se nos últimos vinte anos as áreas ardidas não se repetissem e nunca mais crescesse o mato depois de um fogo,ainda assim mais de metade da área florestal (aqui entendida como povoamentos e matos) nunca teria ardido e estaria a produzir matos.

Gonçalo Rosa disse...

Caro Miguel,

Para não dispersar, gostaria apenas que me explicasse porque é que é evidente que ainda hoje seja prioritário "Identificar áreas de habitat prioritário para o lince-ibérico". Ao que é que exactamente se refere? Depois de tanto esforço e dinheiro gasto nesta questão, ainda há assim tanto por esclarecer?

Gonçalo Rosa

Miguel Rodrigues disse...

Caro Henrique
Relativamente ao único comentário que não fundamentei, fá-lo-ei mais abaixo. A maioria das coisas que me pareceu que critica no seu texto é bem conhecida, mesmo fora dos círculos dos técnicos da conservação. Ou eu estou muitíssimo desactualizado, bem como muita mais gente da área em Portugal e em Espanha, e haverá novas técnicas de encarar a controlar os factores que ditaram o quase desaparecimento do lince em Portugal.

Concordo com a sua afirmação de que o estado não manifesta interesse na conservação, como prova a falta de investimento, entretanto canalizado projectos megalómanos. Mesmo o que está a acontecer com o lince vem, em grande parte, a reboque de Espanha. Isto, claro, não desvaloriza o esforço e o trabalho de muita gente, dentro e fora do ICN(B) ao longo de todos estes anos. Antes pelo contrário, estas pessoas lutaram e lutam diariamente com o desinvestimento na área da conservação.

No entanto, este é único grande defeito que encontro no Plano de Acção para o lince: a não afectação de um significativo volume de fundos do estado a ser complementado com outros financiamentos. Fica-se, assim, dependente de financiamentos externos, o que consome tempo e recursos humanos escassos e muito necessários.

A SOS Lince, associação a que pertenço fez, juntamente com a Almargem, várias sugestões a este documento no período de discussão, apesar de poucas terem sido levadas em conta. Continuo, no entanto, a pensar que se trata de um bom plano.

Um dos pontos fortes do plano é precisamente aquilo que me parece que critica: o envolvimento de ONG's. Acredito que isto possa ter sido motivado pela falta de recursos afectos, mas permitirá uma abordagem muito mais discutida e consensual do que o que aconteceu no passado. Até agora, parece-me que a abordagem que o ICNB tem tido recentemente é positiva. Não sentimos, com isto, qualquer tipo de "servilismo" relativamente ao estado, como é evidente. Sempre que for necessário criticar ou sugerir linhas de acção de forma construtiva, assim o faremos.

Caro Gonçalo
É verdade que há já muitos anos se anda a estabelecer quais são as áreas de "habitat prioritário para o lince ibérico". Mas se for analisar que áreas são estas, verificará que, neste espaço de tempo, houve já algumas alterações (veja-se o caso do Sado).

Isto deve-se, às alterações que se sucedem rapidamente na nossa paisagem. Abandono rural (com o consequente desaparecimento da agricultura de pequena escala que proporcionava áreas de alimento para o coelho), implementação de grandes áreas de agricultura intensiva (regadios, olival intensivo, etc.) e grandes projectos de construção foram apenas alguns dos responsáveis. Assim, houve necessidade de adaptar as áreas prioritárias de habitat a intervencionar (caso seja habitat sub-óptimo mas estrategicamente posicionado no mapa da desejada metapopulação ibérica) ou a conservar.

Por outro lado, a dinâmica das populações espanholas, especialmente a da Sierra Morena, irá afectar a curto prazo as nossas prioridades para a gestão de habitat.

Sublinho que o que se pretende é uma metapopulação ibérica viável e sustentável a longo prazo. Para isso, as prioridades e linhas de acção serão decididas em conjunto entre as várias regiões autónomas e os dois países, o que não acontecia antes.

Assim, é realmente necessário ainda apurar, com pormenor e fundamentadamente, quais são as áreas prioritárias de habitat para a espécie, embora me pareça também que este trabalho está já bastante adiantado, beneficiando de parte dos resultados dos anos anteriores. Há ainda uma questão de escala que só faz sentido analisar num contexto temporal. Nos últimos anos identificaram-se grandes áreas mas agora, com a rápida evolução que o processo teve mais recentemente, torna-se necessário definir, dentro dessas áreas, quais são as zonas que deverão ser geridas mais urgentemente, para que se consigam as condições para a dispersão ou reintrodução de linces.

Desculpem o alongar da resposta. Espero ter podido ajudar a esclarecer a questão.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Miguel,
O que ditou a quase extinção do lince foi o desaparecimento (em muitas áreas) e a rarefacção (em muitas outras) do coelho.
Tudo o resto são trocos comparado com isto.
Sim, eu sei que não é o que dizem oficialmente os especialistas de lince que trabalham na recuperação da espécie, e falam muito de alteração de habitat mas simplesmente isso não pode ser verdade porque há áreas imensas de habitat favorável ao lince, sem que o lince lá esteja.
As populações de coelho parecem estar a recuperar em algumas áreas, quer por gestão humana, quer sobretudo pela resiliência da natureza, e o lince virá atrás.
SOS Lince? Desconheço. Vi uma página da internet a pedir dinheiro para uma organização com sede num apartado, soslynx, cujos estatutos, contas, órgãos sociais, projectos, actividade e etc. não estão disponiveis ou estão em termos muito genéricos, portanto suponho que não será a isso que se chamará uma ONG e está com certeza a falar de outra organização de que não encontrei grande informação na net.
henrique pereira dos santos

Miguel Rodrigues disse...

Caro Henrique
Afinal sabe mais do que as muitas dezenas de investigadores de várias nacionalidades (não só portugueses e espanhóis) que estudaram esta questão. Gostava de o ver a explicar isso ao coordenador do Cat Specialist Group da IUCN, Urs Breitenmoser. Para lhe dar apenas um pequeno exemplo, falo-lhe do trabalho em que estive envolvido em 1996, juntamente com mais duas pessoas cuja competência e idoneidade considero inquestionáveis (http://www.pluridoc.com/Site/FrontOffice/default.aspx?module=Files/FileDescription&ID=719&state=SH).
É obvio que a regressão do coelho foi um dos principais factores que ditaram a quase extinção do lince. Mas é também óbvio que este não foi o único factor. É livre de pensar o que quiser mas deveria ser cuidadoso para não desinformar os seus leitores.

"(…)simplesmente isso não pode ser verdade porque há áreas imensas de habitat favorável ao lince, sem que o lince lá esteja" Quer fazer-me crer que não entende esta situação? Bem, aproveito para explicar aos leitores que não sejam técnicos destes assuntos. Os surtos de doenças, largamente agravados pela falta de habitat adequado e por alguma actividade cinegética mal gerida (havendo neste caso muitos exemplos negativos e outros tantos positivos) levaram ao desaparecimento do coelho. Isso quereria automaticamente dizer, na visão do Henrique, que todas as zonas com tamanho suficiente e com grande densidade de coelho deveriam, obrigatoriamente, estar a abarrotar de linces. Como este seria o único factor… Conheço muitas reservas de caça bem geridas que, possuem boas densidades de coelho, vou já lá ver quantos linces consigo encontrar.

Quando escrevo ou falo em português, muitas vezes refiro-me à nossa associação pelo nome da espécie em português, em vez do nome científico. Erro meu. O nome completo é SOS Lynx – Associação de Defesa da Fauna e da Flora.
Como somos uma associação com poucas pessoas, que trabalham no pouco tempo livre que possuem, aplicamos esse tempo a trabalhar directamente para o nosso objectivo. A página reflecte isso mesmo. Como não a explorou bem, esclareço aos leitores que poderão lá encontrar muita informação e muito trabalho realizado na área da divulgação, área essa em que nos especializamos. Poderão consultar as publicações Lynxbrief ou os relatórios publicados sobre o lince e o coelho, alguns realizados a pedido da Comissão Europeia. Estes relatórios não se referem a trabalho científico de campo mas a compilações exaustivas e muitíssimo completas sobre os temas, juntando num só volume a informação mais relevante e que, até ao momento, se encontrava dispersa por muitas publicações e opiniões pessoais. Aconselharia ao Henrique que desse uma breve leitura a estes relatórios. Irá seguramente, como todos nós, aprender qualquer coisa. Acrescento que o relatório sobre o coelho foi uma das principais bases para que o IUCN Lagomorph Specialist Group reclassificasse esta espécie de Não Ameaçada a Quase Ameaçada nas áreas de distribuição natural (http://www.iucnredlist.org/apps/redlist/details/41291/0).
O que não está na página é o trabalho de sensibilização e educação que temos levado a cabo e que estamos a tentar implementar de forma ainda mais consistente no futuro. Estamos na fase de tentar arranjar financiamento e apurar pormenores de operacionalização.

Espero ter podido esclarecer-lhe, e aos leitores, estes pontos. Obrigado pela oportunidade.

luis novais disse...

Bem, como caçador gostaria de dizer em primeiro lugar que as verbas seriam certamente mais bem entregues a nós caçadores, ou seja, a quem entende realmente do assunto.

Em segundo lugar, gostaria de dizer o seguinte : por mais coelhos que reentroduzem não serviram para nada, sabem porquê? Porque primeiro era necessário acabar com as suas doenças, isto sim um verdadeiro problema que se vão deparar posteriormente e tarde de mais!

Em terceiro lugar, gostaria de dizer ainda, que há de factos pessoas contentes com este projecto, que são nada mais, nada menos, que os taxidermistas e os fotografos da vida selvagem!

Desculpem esta minha frontalidade, pois nunca e em parte nenhuma se deveria colocar " os bois á frente de carro"!

O lince porquê? Por que não a Pediz Cinzenta ou o Galo Silvestre também?

Penso não haver vontade politica, aliás como em tudo de o Estado faz, faz mal e muito lentamente ou mal feito!

Para terminar, quem fica a ganhar não será certamente o cuitado do lince, mas quem irá meter os milhões de euros ao bolso, desta e de outras maneiras!

Um panorama que temos vindo assistir muito recentemente, por isso, lamento muito, mas assim não, deixem trabalhar quem entende realente sobre o assunto, os CAÇADORES.

ESTES SIM OS VERDADEIROS CONSERVADORES NA NATUREZA.

Luis Novais

Rui Pedro Lérias disse...

Caro Luís,

Alguns caçadores têm, sem dúvida, contributos importantes a dar. A sobrevivência do lince na Serra Morena deveu-se em grande parte à gestão dinegética de grandes áreas da serra.

Mas penso que está ser optimista em excesso ao generalizar a todos os caçadores. Muito optimista.

Quanto à perdiz-cinzenta e ao galo silvestre, são espécies que apesar de extirpadas do nosso país (ou quase no caso do galo) não estão ameaçadas globalmente de extinção e a sua prioridade é menor. O lince é uma espécie exclusiva da Península Ibérica e criticamente ameaçada de extinção global. É por isso muito mais prioritária.

Claro que me daria imenso prazer haver projectos de recuperação de todas essas espécies.

Anónimo disse...

Eu diria que somos todos contra a reintrodução, não? Mas só porque bom mesmo era evitar a reintrodução, que é extremamente cara e difícil, e tratar é de conservar os habitats e as populações existentes. À falta dessa opção, que remédio senão recuperar habitat e reintroduzir espécies. Não será essa a posição da LPN?

Rodrigo

Henrique Pereira dos Santos disse...

Rodrigo,
Do ponto de vista estritamente português temos uma alternativa á reintrodução: esperar que as reintroduções espanholas tenham êxito e gerir o território em função dessa hipótese.
Mas não me choca participar nos custos da reintrodução.
O que me custa é ver que isso não é feito de forma séria, pelas razões que refiro no post.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Henrique,

A mim custar-me-ia que a redução de emissões de carbono e o combate às alterações climáticas fosse feitas apenas por Espanha e restantes países, gerindo eu a temperatura do meu país apenas à espera dos resultados dos investimentos dos outros. Ou gerir a qualidade do ar que respiro apenas esperando que outros países o façam por mim e os seus resultados me cheguem por osmose ou contágio. E quem diz ar, diz água, energia, e outros.

Como me apraz pensar que sou coerente aplico isso também à conservação de habitat e respectivas espécies. A responsabilidade é de todos, os benefícios resultantes são para todos, e como tal os custos também.

Rodrigo