Há alguns dias atrás, um amigo meu, sentido-se pessoalmente visado por um post que eu escrevi há já algum tempo sobre a lógica de funcionamento de muitas ONGs em Portugal, teve uma longa conversa comigo. Para minha tristeza, não só não me conseguiu convencer do contrário, como reforçou as minhas convicções sobre uma certa lógica empresarial e de prestadoras de serviços que muitas vão assumindo, esquecendo a faceta de pressão e de lobby político que, pelo menos algumas, já tiveram. E lembrou-me uma passagem dos "Anos Difíceis", de António Barreto, que mora na minha mesa de cabeceira.
"Há tempos assim, em que nos querem encostados à parede, em que vivemos rodeados de círculos de fogo, em que a razão é substituída por um qualquer automatismo, em que o pensamento mecânico vive do preconceito e da dependência e em que o cliche e a banalidade substituem o esforço de raciocínio rigoroso e independente. Há tempos assim, em que é preciso estar com alguém, em que é necessário estar contra alguém, em que tudo nos empurra para ser branco ou preto, em que nos querem obrigar a vestir uma camisola, em que contrariar um amigo faz de nós seu inimigo, em que ter opinião diferente de um aliado faz de nós um adversário, em que pensar livremente é sinónimo de traição, em que reconhecer uma qualquer razão a alguém implica estar ao seu serviço e em que a autonomia de espírito é a todos os títulos condenada. Há tempos assim, em que o medo impede de pensar livremente, em que o receio leva a ceder à violência e em que o pavor obriga a curvar perante o terror."
in Anos difíceis
António Barreto, 2009
Gonçalo Rosa
4 comentários:
Muito pertinente sua opinião.
Abraço
Seria pertinente se as ONGAs fizessem um trabalho global abaixo do número de sócios e contribuições que recebem.
Tal não é o caso. As ONGAs em geral - exceptuando talvez a SPEA - têm problemas gravíssimos de falta de sócios e de contribuições. E tu sabes isso Gonçalo, já andaste pela Quercus.
Há muita asneira e muito aproveitamento, mas em geral as ONGAs fazem milagres com o pouco que têm.
Pense-se por exemplo nas consultas públicas dos Estudos de Impacto Ambiental e se não fossem as ongas a fazer alguma supervisão do trabalho oficial isto seria uma vergonha ainda mais descarada.
Não se fazem omeletes sem partir ovos. Em Portugal não à ovos. E as ONGAs, à custa de muita clara em castelo, lá vão conseguindo insuflar omeletes para tentar chegar a muito lado.
Discordo por isso com esta apreciação.
Ui, aquele à em vez de há...
Caro Rui,
Acho que o seu comentário passa ao lado do essencial da mensagem do meu post: a incapacidade de lidar com a crítica.
Gonçalo Rosa
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