terça-feira, dezembro 29, 2009

O elogio da ignorância (II)


Publicado na revista FreeSurf

Tem havido por aí um sururu porque alguém roubou uns mails privados a uns investigadores, publicou-os, retirou umas frases do seu contexto e com isso acusou os investigadores (e por arrasto todos os outros investigadores que não tinham nada com o assunto mas têm as mesmas ideias) de andarem a fabricar dados e teorias sobre as alterações climáticas na terra.
Fui acompanhando mais ou menos a discussão, apesar daquilo ter muita física, muita matemática, muita estatística para a minha pobre ignorância.
Mas o que mais me espantou foi a quantidade de gente, que sabendo tão pouco como eu, tinha opiniões absolutamente seguras sobre um assunto que é mais que muito complicado. Por isso fui tentar perceber e descobri a técnica: só lêem as opiniões que estão alinhadas com o que pensam e se por acaso tropeçam em alguma informação que os contrarie, ignoram-na dizendo que foi manipulada.
Confesso que fiquei fascinado com a inteligência desta opção: não só não temos de nos preocupar com a realidade para pensarmos de determinada maneira, como estamos sempre cheios de razão porque se não estivermos é porque os outros estão comprados e nos querem manipular.
É uma maneira desarmantemente simples de lidar com problemas complexos.
Fez-me lembrar uma conversa que há tempos tive com um surfista da Costa a quem perguntei se as ondas tinham melhorado ou piorado com os enchimentos da praia.
A diatribe que eu ouvi contra tudo e todos que tinham alguma coisa, por vaga que fosse, com os ditos enchimentos de praia. Quem pôs aqui a areia devia ser enforcado, pelo menos, garantia o rapaz. A questão é que a areia tem a estúpida mania de se mexer e demora algum tempo até atingir um equilíbrio dinâmico e naquela altura os fundos estavam maus, pelo que percebi da conversa, ou melhor dizendo, da irritação, que da conversa não percebo nada com agueiros, ondas tortas e outras coisas que tenho dificuldade em perceber bem o que são (para mim todas as ondas se entortam).
Mas ao contrário dos outros das alterações climáticas, que não querem ouvir nada com o qual não estejam de acordo, o rapaz ficou interessado quando lhe disse que talvez não fosse bem assim.
Apontei-lhe para a Serra de Sintra e expliquei-lhe que ali estava um esporão natural que impedia a foz do Tejo de se deslocar para Norte. Depois voltei-me para o outro lado e lembrei-lhe que o cabo Espichel era outro esporão natural. E que entre os dois estavam então extensas zonas de areias.
Em tempos estes areais eram alimentados pelo que o Tejo trazia. Mas com a quantidade de barragens que entretanto se tinham feito no rio, e com o aumento de cobertura do solo da bacia do Tejo, a quantidade de areias que o Tejo trazia tinham diminuído drasticamente.
E aqueles areais, que viviam de um sistema dinâmico de perdas e ganhos de areia, passaram a ter permanentemente um défice de sedimentos que as faria inevitavelmente recuar.
Como o défice é permanente, o mais natural é que as defesas costeiras, a mais ou a menos longo prazo, sejam também engolidas pelo mar, por mais fortes que se tentem construir.
Por isso a solução, também temporária, mas que alguns acreditam ser a melhor e mais barata, é ir buscar areia ao canal de navegação do Tejo, numa zona em que as areias já estão fora deste vai e vem que todos conhecemos, e despejá-la o mais a Norte possível, esperando que assim se resolva não só o problema destas praias como se evitem os problemas futuros das praias a Sul.
Confesso que achei que a reacção do surfista tinha sido tão serena que olhei com mais atenção.
Tinha adormecido com tanta explicação.
Talvez na práctica ficasse tão ignorante como estava antes, mas ao menos, ao contrário do pessoal da negação das alterações climáticas não é uma atitude orgulhosamente voluntária, é apenas um agudo sentido das prioridades dos momento.
E não havendo boas ondas, é razoável que a prioridade seja dormir.
henrique pereira dos santos

21 comentários:

Olympus Mons disse...

Caro HPS, lamento dizer que se aplica a si integralmente.
Só não é como uma luva porque o José matias (o unico Astroturf aqui) o bate aos pontos e rouba-lha a luva, senão...

Como se sente na pele do surfista?

José Matias disse...

Meu caro Olympus Mons,

Agradeço-lhe e sinto-me honrado, embora não o mereça, a mais de um título - não tenho o perfil adequado para fazer o astroturfing (são necessárias qualidades que não tenho); o HPS tem o mérito de escrever, escrever bem e de modo extenso e bem articulado; eu, da minha parte, sou só um mero correio das notícias que vão surgindo.

No entretanto, talvez perceba a minha preocupação com o asreoturfing com o que se segue:

"In the book "Climate Cover-Up: The Crusade to Deny Global Warming," authors James Hoggan, co-founder of DeSmogBlog.com, and Richard Littlemore detail an extensive public relations campaign that, they say, aims to sow doubt in the public mind about the science of human-induced climate change.

The goal of this PR campaign: to forestall meaningful action on curbing fossil fuel use, a major contributor to the buildup of heat-trapping gases, and to allow oil and coal companies to continue reaping record profits.

The authors equate the tactics in this "coverup" to those employed by tobacco companies in their four-decade-long fight against regulation. Indeed, as they point out, many of the scientists involved in that campaign are have also lent their voice to the climate skeptic cause.

For instance, one major climate skeptic organization, the Heartland Institute, hosts a "smoker's lounge," billed as "the place to go for sound science, economics, and legal commentary on tobacco issues." The message: smoking is not as bad for you as you've been led to believe. It's been unfairly and unduly demonized by "left-liberal" interests bent on quashing the true libertarian spirit of the nation.


Tirado de: http://www.climateark.org/shared/reader/welcome.aspx?linkid=147545.

Poderão ler na Amazon, no sítio da venda do livro de Hoggan, o que mais se diz aí.

RioDoiro disse...

http://www.youtube.com/watch?v=cEpoKtvAMJU

.

José Matias disse...

Caro Olympus Mons

Esqueci-me de alertá-lo que acabei por lhe endereçar um comentário ao post "E se?" do HPS, relativo à questão de qual a ligação entre conservação energética e o aquecimento global. Ainda quanto a ser astroturfista, importa ter em atenção, que o Al Gore não necessita de pagar às pessoas para defender aquilo que ele defende - há muito gente como eu [queira adjectivar-me]por esse mundo fora: "Oh!, how strange people they are".

NB: a sugestão de leitura não tem nada a ver, pelo menos, directamente, com o assunto da nossa conversa.

Quanto ao astroturfing [agradeço-lhe a correcção: é astroturfing e não astrosurfing] para quem não saiba o que é, a definição dada na Wikipedia:

Astroturfing is an English-language term referring to political, advertising, or public relations campaigns that are formally planned by an organization, but designed to mask its origins to create the impression of being spontaneous, popular "grassroots" behavior. The term refers to AstroTurf, a brand of synthetic carpeting designed to look like natural grass.

A basic explanation is: if a grassroots movement grows upward from collective efforts, on a local level, of dedicated people donating their time and efforts to further a political or social cause they deem to be good for the many, then Astroturfing (Astroturf being an artificial grass) is an artificial grassroots movement, one that is made to appear as though it is a real grassroots movement, but it is usually done to advance a cause for the benefit of specific individuals or group(s), and most often not at a local level.

The goal of such a campaign is to disguise the efforts of a political or commercial entity as an independent public reaction to some political entity—a politician, political group, product, service or event. Astroturfers attempt to orchestrate the actions of apparently diverse and geographically distributed individuals, by both overt ("outreach", "awareness", etc.) and covert (disinformation) means. Astroturfing may be undertaken by an individual pushing a personal agenda or highly organized professional groups with financial backing from large corporations, unions, non-profits, or activist organizations. Very often the efforts are conducted by political consultants who also specialize in opposition research.

RioDoiro disse...

http://www.youtube.com/watch?v=lg-frkJBxm4

.

José Matias disse...

Meus caros,

Naquela linha de ser correio, aí vai mais uma (não é boa notícia):

Methane levels in southern hemisphere increasing

The amount of greenhouse gas methane in the southern half of the planet's atmosphere has increased 0.7 percent - or 35 times the output from New Zealand's livestock - from 2007 to 2008, according to measurements from the National Institute of Water and Atmospheric Research's (Niwa) Baring Head station.

Niwa principal scientist Keith Lassey said New Zealand had a particular issue with methane, which accounted for about half of the country's greenhouse gas profile.

[...]

While much less methane was in the atmosphere than carbon dioxide, it was the second most important contributor to global warming, as it trapped 21 times more heat than CO2 over the same time period, Dr Lassey said.

The amount of the gas in the atmosphere had more than doubled since 1700AD, compared to any time over the previous 800,000 years.


Continuar a ler em: http://www.climateark.org/shared/reader/welcome.aspx?linkid=147434

joserui disse...

Caro HPS, como tem dito por aqui, os modelos valem o que valem, mas o facto é que os cépticos (e refiro-me aos cientistas, não aos bocas) não apresentam soluções mais satisfatórias para explicar uma série de fenómenos.
Mas, segundo o Real Climate, os modelos vão-se aguentando à bronca dos dados reais. Lá vão passando os anos e os modelos aí estão. Mesmo o de Hansen de 1988. -- JRF

José Matias disse...

Caro Range-o-dente,

Vi o vídeo recomendado; agradeço-lhe da minha parte; ouvi as declarações do Doutor William Harper [físico] - não concordo com elas - e fiz a minha pesquisa:

No Climate Progress:

"Witness: ‘Carbon dioxide is not a pollutant’



Also set to testify at Wednesday’s EPW Committee hearing is Princeton University physics professor — and climate skeptic — William Happer. In an interview last month with the Daily Princetonian, Happer said that carbon dioxide does not cause climate change.

“This is George Orwell. This is the ‘Germans are the master race. The Jews are the scum of the Earth.’ It’s that kind of propaganda,” he told the campus paper. “Carbon dioxide is not a pollutant. Every time you exhale, you exhale air that has 4 percent carbon dioxide. To say that’s a pollutant just boggles my mind. What used to be science has turned into a cult.”
[...]
In addition to his position at Princeton, Happer is president of the board of directors at the conservative George C. Marshall Institute, which has repeatedly challenged mainstream climate change science. He directed the Energy Department’s Office of Energy Research during the George H.W. Bush administration.


O saber não ocupa lugar.

PS: Permita-me, em retribuição, sugerir-lhe o seguinte vídeo :

http://www.youtube.com/watch?v=2T4UF_Rmlio&feature=player_embedded

[deve ser visto por todos: é grande mas fundamental - é daqueles que deve ser referido sempre]

PS(1): Boa referência a referida pelo JRF no seu último comentário

joserui disse...

This is the ‘Germans are the master race. The Jews are the scum of the Earth.’
Ouch. Mais um marco no argumentário negacionista. Eduardo F., aponte lá este que é dos bons. Isto depois traduzido pode até dar jeito para um dos próximos posts do HPS.

Não querendo ser imodesto, recomendo agora um texto no meu próprio blogue. É de Outubro de 2005, mas está muito actual. Aliás, era capaz de ter poupado ao HPS alguns posts...
A Gabriela estava no Max Planck Institute de Hamburgo na altura (já sei, a autoridade...). -- JRF

José Matias disse...

Meus caros,

No entretanto, como introdução a uma leitura de um livro de que se pode fazer um download:

"Energy efficiency presents a unique opportunity to address three energy-related challenges in IEA member countries: energy security, climate change, and economic development."

Ver aqui: http://www.iea.org/W/bookshop/add.aspx?id=324

José Matias disse...

Meu caro HPS,

Só agora me apercebi que o nosso comum amigo Olympus Mons, tinha colocado um comentário aos meus comentários, na sua anterior nota. Como ele indica a sua vontade de ser lido por todos, chamo a atenção para esse comentário, e já agora, para a minha própria resposta.

No entretanto, não seria possível integrar no seu blogue aquela possibilidade de sermos avisados dos comentários aos nossos próprios comentários. É que, a não ser assim, corre-se o risco de ser considerados como desistentes por falta de comparência, ou, em alternativa, ter que revisitar todas as notas mais recentes - fará bem às estatísticas do blogue, mas não é eficiente. Fica a sugestão.

No entretanto, uma coisa é certa: à conta desta conversa (estimulante, decerto) tenho vindo a trabalhar mais no seu blogue do que no meu. Abraço

Anónimo disse...

∆t = Ti – To = α . ln (Ci/Co)

facts simply don't confirm it

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Olympus,
Tenho-me esquecido de lhe agradecer as referências que fundamentam a sua posição sobre as alterações climáticas bem como o conselho para a sua utlização: ir buscar uns dados e fazer gráficos, que não vale a pena ler artigos científicos para pensar.
Aliás tenho tanta mais razão para agradecer como o método me tem ajudado noutras discussões. Um dia destes veio cá a casa um amigo com teorias sobre o sol estar parado e eu usei o seu método: levei-o à janela da cozinha e olhámos para o Céu, passado algum tempo, voltei a repetir a coisa e demonstrei-lhe que por mais matemática e conversa que ele tivesse nunca conseguiria demonstrar-me o contrário do que eu estava a ver claramente visto: o sol tinha mudado de sítio.
Caro José Matias,
Não sou administrador do blog mas vou reencaminhar a sua sugestão (isto é só um blog e todos temos pouco tempo para isto, portanto nem tudo está como gostaríamos que estivesse).
henrique pereira dos santos

Miguel B. Araujo disse...

Caro José Matias, Sabe como fazer esse link para que as pessoas sejam avisadas dos comentários aos seus comentários, usando blogspot?

RioDoiro disse...

A não ser que não tenha percebido a coisa, neste exacto log recebo comentários subsequebtes desde que clique num 'quadradinho'.

Para que o 'quadradinho' apareça basta fazer login à minha conta de e-mail google e afinfar no quadradinho. Há, portanto, antes de mais, que fazer login antes de clicar em 'adicionar comentário' ou coisa que o valha.

RioDoiro disse...

log -> blog

José Matias disse...

Caro MBA
As minhas desculpas ao blogue e obrigado ao Range-o-dente.
Distração minha - existe já essa opção na vossa página de comentários: quadradinho com "Enviar comentários posteriores para o endereço electrónico...."
Vou utilizá-la de imediato.

Olympus Mons disse...

Caro HPS, você e o seu amigo merecem-se. :-)

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Olympus,
Tiro o chapéu ao sentido de humor, que faz falta nestas coisas.
Aproveito a oportunidade para o alertar para o comentário do miguel araújo no post sobre a validação de modelos em ciência.
henrique pereira dos santos

Eduardo Freitas disse...

O comentador Joserui, que nutre por mim um carinho especial que manifestamente nada fiz por merecer, pelo vistos não é um adepto de Orwell. Lá terá as suas razões.

Não sei que background técnico tem, mas quando escreve que "os modelos valem o que valem" tem, neste modesto comentador, um ferveroso seguidor. Sabe, conheço um pouco de modelação econométrica e são-me familiares os problemas que os dados empiricos nos dão para alimentar os referidos modelos que não são mais que abstrações computacionais que procuram testar ou refutar uma dada tese. Conheço, em particular, as tentações que existem em "massajar" os dados ditos "espúrios" para que o "modelo" funcione de acordo com as expectativas de quem o construiu.

É por isso com particular surpresa que também leio, da sua lavra, que até o modelo de Hansen resiste à passagem do tempo. Sabe que há muitos cientistas (não "bocas" como V. refere e coisa que manifestamente V. não é com toda a certeza) que dizem exactamente o contrário por referência aos últimos sete/oito anos? Nomeadamente que os níveis de CO2 têm continuado a crescer apesar de nos últimos sete/oito anos anos a temperatura do planeta ter vindo a diminuir desde o último pico observado em 1998 (mesmo assim menor que o verificado, afinal, em 1934)?
Aliás a evidência da factual descida da temperatura é tal que já mesmo cientistas pertencentes ao "consenso" dizem que este é um fenómeno passageiro que, logo de ultrapassado, será retomado, com maior vigor naturalmente, o padrão da subida de temperatura. E, pelos vistos, teimosamente, ainda não vai ser 2009 que inverterá essa tendência. Será que vai ser em 2010?

Termino com uma sugestão de um post dedicado ao tema do bio-diesel e seus efeitos na desflorestação, na diminuição da terra arável dedicada à agricultura e, naturalmente, no efeito nos preços dos bens alimentares.

Cordiais saudações.

RioDoiro disse...

http://fiel-inimigo.blogspot.com/2009/11/da-desconstrucao-do-aquecimento-global.html

http://fiel-inimigo.blogspot.com/2009/12/mans-carbon-footprints-on-big-blue.html