terça-feira, dezembro 15, 2009

Os lobos alentejanos

Esta fotografia fui buscá-la a um blog onde vou pouco mas que está nos meus favoritos "Rua dos dias que voam". Devo-lhes a maior parte do que usei para escrever o capítulo sobre Lisboa (melhor dizendo, sobre ordenamento urbano) do livro que publicarei lá para Maio

Um dia destes aconselharam-me a não falar no coelho como presa do lobo, se queria manter um mínimo de credibilidade junto dos especialistas.
Em vez de acatar o conselho sensato, fui lendo aqui e ali coisas sobre a conservação do lobo, até porque a minha credibilidade nesta matéria não tem muito por onde diminuir.
Curiosamente fui encontrando referências ao coelho como presa so lobo (quase sempre marginal, mas com a população actual de coelho, que se estima que seja 5 a 10% da que existia antes das doenças que dizimiram coelhos aos milhões) e, para meu espanto, uma ou outra referência a populações de lobo que têm o coelho como presa preferencial (embora sejam situações pouco frequentes e, naturalmente, em áreas de elevada densidade de coelhos, tanto quanto percebi).
Nessas minhas leituras encontrei um artigo que me deixou bastante contente: “Historical dynamics of a declining wolf population: persecution vs. prey reduction”, de José María Fernández & Nerea Ruiz de Azua.
O que me deixou muito contente foi perceber que afinal há outras pessoas que pensam que a fome pode ser mais importante que a perseguição directa na regressão do lobo na Península, nos últimos dois séculos (mais ou menos).
Na verdade neste post eu tinha questionado algumas ideias comuns sobre o lobo ao verificar que as explicações para a dinâmica da população de lobo descrita para o século XX era incoerente com a dinâmica da paisagem.
Neste artigo, os autores usam um caminho completamente diferente para dizer a mesma coisa, sobre a região concreta que estudaram (o Norte do país Basco, mais ou menos): a análise dos registos históricos do abate de lobos são incoerentes com a estratégia da espécie em situações de perseguição directa e são coerentes com uma situação de stress trófico (que é o mesmo que dizer, com fome).
Curiosamente num mail um dos autores diz-me que partiu de premissas semelhantes às minhas: “en Biología de la Conservación hay algunos tópicos o lugares comunes que impiden diseñar medidas de conservación eficaces. Uno de ellos, que las poblaciones de lobo en Europa declinaron y se extinguieron como consecuencia de la persecución a que fueron sometidas.”.
Não sei o suficiente para avaliar o artigo, sei é que gostei de saber que não estava sozinho nesta discussão e que havia quem, sabendo de lobos seguramente mais que eu, também tinha dúvidas sobre alguns lugares comuns.
E à luz do que fui lendo, ao olhar para a distribuição do lobo em 1930 que reproduzi neste post, fiquei confuso: o que comeriam os lobos alentejanos e algarvios?
Javalis haveria naquelas charnecas com certeza, mas corços? Seriam assim tantos? Ou veados? Ou gamos? E chegavam os que havia, quando a descrição dessas terras e dessas serras é o da desolação que já várias vezes aqui citei a propósito das discussões sobre floresta?
Na caçada que D. Carlos fez em Arronches em 1904 fala-se em dois lobos, um javali e muita caça miúda como perdizes, lebres ou coelhos (obrigado ao Emílio Moitas da EBI de Arronches onde fui buscar esta referência que está nesta apresentação ).
Charnecas e matagais a perder de vista estariam assim infestados de cervídeos que alimentassem as populações de lobo? É que se é certo que o que não faltaria era gado (incluindo porcos de montaria), também o ódio ancestral ao Lobo me parece menos marcado no Sul que no Norte.
E por outro lado a retracção entre os anos 30 e 60 do século vinte pode relacionar-se com a campanha do trigo, com impactos profundos no Alentejo e serras Algarvias, mas parece menos acentuada que a regressão entre os anos sessenta e os anos 80.
Dizer-se que a perseguição aumentou muito nestes últimos anos não me parece que possa sustentar-se em nenhum dado objectivo (embora Emílio Moita, que tenho todo o gosto em citar, faça uma observação judiciosa dizendo que com as alterações provocadas pela agricultura o lobo aumentou os ataques ao gado, aumentando por isso animosidade social contra ele).
Que no século XIX o corço andaria muito mais espalhado que hoje, sem dúvida, nomeadamente no Sul, onde tarda a recuperar. Mas daí a concluir-se que existiam populações de corço (ou de outros cervídeos, como veados ou gamos) em densidades suficientes para manter populações de lobo com as distribuições alargadas que são dadas como válidas, parece-me que vai um arrojo que eu não tenho.
Haverá uma alma caridosa que me saiba explicar o que comiam os lobos alentejanos?
henrique pereira dos santos

5 comentários:

Anónimo disse...

lobas alentejanas? :-)

Anónimo disse...

Mas quem lhe diz que nos seculos XIX e XX ainda havia muitos ou oucos lobos, de onde vem essa informação?

AMonteiro

Henrique Pereira dos Santos disse...

António,
Vem da bibliografia, como sabes eu disso não percebo grande coisa.
Já disse lá atrás noutro post que não ponho as mãos no fogo pelos números, mas lá que se caçavam lobos, lá isso é verdade.
henrique pereira dos santos

T disse...

Se precisar de alguma coisa diga:)
Tenho muito papel velho em casa:)
Abraço
T

Anónimo disse...

Açorda...mas que açorda!