No ano 2000 o então Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, apelou ao estabelecimento de uma avaliação do estado dos ecossistemas do planeta e da sua capacidade para assegurar a manutenção do bem-estar humano. Essa avaliação foi denominada Millennium Ecosystem Assessment (MA), e foi desenvolvida a nível global entre 2001 e 2005. No entanto, para além do nível global, o MA integrou um conjunto de Avaliações Sub-Globais a escalas regionais, nacional e local.
A Avaliação Sub-Global para Portugal (ptMA) foi uma das 18 Avaliações Sub-Globais do Millennium Ecosystem Assessment. Foi liderada pelo Centro de Biologia Ambiental da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, iniciou-se em 2003 e envolveu uma equipa de mais de 60 cientistas de uma dezena de instituições. A ptMA foi concebida para responder às necessidades de informação dum grupo de utilizadores nacionais, que incluíram instituições governamentais, organizações não governamentais de ambiente, agricultores e industria.
Mensagens-chave
Os ecossistemas portugueses providenciam um conjunto de serviços de ecossistema essenciais para o bem-estar humano. Esses serviços incluem a produção de alimento, a produção de água, a produção de madeira e cortiça, a protecção do solo, a regulação da qualidade da água e do ciclo hidrológico, o sequestro de carbono, o valor estético e cultural da paisagem, o recreio e o turismo. Na base de todos esses serviços está a biodiversidade, que em Portugal Continental inclui mais de 3000 espécies de plantas vasculares, cerca de 400 espécies de vertebrados, e um número desconhecido de espécies de invertebrados. Nos Açores e na Madeira ocorrem mais de 1700 espécies de organismos endémicos, isto é, que não existem em mais nenhuma parte do mundo.
As alterações humanas aos ecossistemas portugueses começaram há milhares de anos. O domínio progressivo dos ecossistemas pelas populações humanas, principalmente no sentido de melhorar a produção de alimento, levou ao declínio da floresta e de várias espécies de grandes mamíferos. No final do século xix, só cerca de 10% do território nacional era coberto por floresta e havia graves problemas de erosão nas montanhas. Para mitigar esses problemas e para aumentar a produção de produtos florestais, o Estado Português fomentou várias campanhas de florestação, principalmente com pinheiro-bravo. Simultaneamente, a crescente procura de cortiça e de carne de porco de raça Alentejana levou ao aumento da área de montado de sobreiro e azinho. Em meados do século xx a área florestal tinha já triplicado.
Nos últimos 50 anos assistimos a alterações significativas nos ecossistemas portugueses impulsionadas por profundas modificações socioeconómicas. A economia aumentou mais de seis vezes, o número de agricultores diminuiu mais de 60% e a área agrícola reduziu-se em 40%. Ocorreu a intensificação agrícola e a florestação com monocultura de eucalipto, com impactes negativos na biodiversidade e nos serviços de regulação dos ecossistemas. Os nossos rios sofreram modificações dramáticas com a construção de barragens e com o aumento da poluição proveniente da agricultura e da indústria. O problema das espécies exóticas invasoras agravou-se nas ilhas e aumentou a pressão sobre os ecossistemas costeiros. Em muitos ecossistemas manteve-se ou agravou-se o nível de sobre-caça e sobre-pesca.
Actualmente 30% das espécies de vertebrados terrestres e 70% das espécies de peixes dulciaquícolas e migradores autóctones encontram-se ameaçadas. As florestas naturais no Norte do país têm uma distribuição escassa, embora no Sul o montado de sobro e azinho, um sistema agro-florestal semelhante à floresta natural desta região, esteja relativamente em bom estado. O sistema nacional de áreas protegidas e a Rede Natura 2000 cobrem algumas das áreas mais importantes para a biodiversidade. Outras opções de resposta para proteger a biodiversidade incluem a condução da regeneração da floresta em áreas agrícolas abandonadas, a conversão parcial das florestas monoespecíficas em florestas biodiversas, a utilização de práticas agrícolas que promovam a biodiversidade, o controlo das espécies invasoras, a protecção da integridade dos sistemas de água doce em bom estado, o controlo das fontes de poluição aquática e a expansão do sistema de áreas protegidas marinhas.
Os níveis de produção de água dos ecossistemas portugueses satisfazem as necessidades de consumo existentes. Menos de 10% do valor da precipitação anual é utilizada. Há no entanto uma grande variabilidade espacial e temporal na disponibilidade dos recursos hídricos, com a maior parte da precipitação a ocorrer no Norte do país de Outubro a Março. Em 2000 o valor de mercado do abastecimento de água era de cerca de 2 mil milhões €/ano, equivalente a cerca de 2% da economia portuguesa. Cerca de 3/4 do consumo de água é destinado ao sector agrícola e mais de metade do consumo provém de aquíferos subterrâneos. Alguns aquíferos estão sobreexplorados o que leva à diminuição do nível piezométrico e a situações de intrusão salina nas zonas costeiras.
A produção nacional de alimento é deficitária em 30% em relação ao consumo. Alguns dos produtos de que somos importadores líquidos incluem pescado, soja, milho, trigo e a carne. A produção por unidade de área aumentou nos últimos 20 anos, devido ao abandono de áreas marginais e à intensificação da produção. Houve também uma substituição de culturas anuais por pastagens permanentes. Os sectores agrícola e das pescas representam actualmente cerca de 3% e 0,3% da economia portuguesa, respectivamente (a indústria alimentar representa adicionalmente cerca de 2%). Uma grande parte dos stocks em Portugal estão em situação de sobrepesca e a quantidade pescada tem diminuído nos últimos 25 anos. O futuro deste serviço passa, entre outras medidas, pela certificação e valorização dos produtos agrícolas e pela adopção de técnicas e quotas de pesca mais sustentáveis.
Portugal é o líder mundial na produção de cortiça, sendo responsável por 54% da produção mundial, e é um exportador importante de pasta e papel. O sector florestal é responsável por 10% das exportações nacionais; a fileira florestal emprega 228 000 trabalhadores e representa cerca de 3% da economia portuguesa. Cerca de metade da floresta portuguesa de produção tem como função principal a produção de madeira (nomeadamente pinheiro-bravo e eucalipto) e a outra metade a produção de cortiça e a produção animal (nomeadamente sobreiro e azinheira). As principais ameaças à produção de madeira e cortiça incluem o ataque do nemátodo de pinheiro, o declínio do sobreiro e da azinheira, os incêndios florestais e a redução do preço dos produtos florestais.
A expansão da floresta nas últimas décadas favoreceu o sequestro de carbono ao nível da biomassa florestal. Os montados, os eucaliptais e os pinhais apresentam valores de produtividade líquida durante o crescimento equivalentes a 1-5 t CO2/ha/ano, 15-32 t CO2/ha/ano e 15-26 t CO2/ha/ano, respectivamente. Em áreas agrícolas, o sequestro de carbono no solo pode ser obtido através da implementação da sementeira directa de culturas anuais e de pastagens permanentes semeadas biodiversas ricas em leguminosas. O sequestro com sementeira directa é cerca de 8 t CO2/ha/ano e 2 t CO2/ha/ano, com e sem permanência de resíduos no solo, respectivamente. O potencial unitário de sequestro de carbono pelas pastagens semeadas biodiversas é em média de 5 t CO2/ha/ano.
A avaliação da condição da qualidade da água em Portugal revela que 40% dos meios hídricos superficiais estão num estado mau ou muito mau. Também os aquíferos subterrâneos enfrentam ameaças à qualidade da água por contaminação com poluentes de origem agrícola e intrusão salina. No entanto, nos últimos anos as zonas costeiras têm apresentado melhorias na qualidade das águas balneares. Opções disponíveis para melhorar a capacidade dos ecossistemas de regularem a qualidade da água e o ciclo hídrico incluem: um maior controlo das fontes de poluição provenientes da agro-pecuária, a restauração dos ecossistemas aquáticos, e uma gestão integrada dos recursos hídricos. Portugal é o país europeu onde o risco de degradação irreversível do solo, por erosão, é mais elevado. A degradação dos solos implica uma diminuição na capacidade de retenção hídrica potenciando, entre outros efeitos, a ocorrência de cheias. A adopção de práticas agrícolas com mobilização de solo reduzida é uma das respostas possíveis a este problema.
A procura de áreas rurais e naturais para recreio e turismo encontra-se em crescimento. O turismo de natureza, que inclui actividades como o pedestrianismo, a canoagem, e a observação de aves, é indicado como uma motivação primária por 6% dos turistas em Portugal. Os Açores (36%) e a Madeira (20%) são as regiões onde esta actividade é mais importante. O turismo e o recreio constituem um meio privilegiado de promoção dos recursos existentes e de revitalização do tecido económico e social local. Estudos de disposição a pagar indicam que os portugueses valorizam significativamente a paisagem e a protecção da biodiversidade.
Os problemas ambientais das próximas décadas só serão minimizados se houver uma atitude pró-activa da sociedade. A tendência para aumentar os serviços de produção à custa da degradação dos serviços de regulação e culturais só será contrariada se a sociedade se aperceber das implicações negativas para o bem-estar humano. No cenário mais favorável o desenvolvimento económico assentará no investimento científico e tecnológico e na valorização e criação de mercados para uma gama alargada de serviços dos ecossistemas. No cenário mais desfavorável assistiremos a um afastamento dos níveis de desenvolvimento económico de Portugal em relação ao resto da UE, e ao agravamento dos problemas da intensificação agrícola e à manutenção do flagelo dos fogos florestais.
3 comentários:
Henrique
Onde podemos comprar este livro? e quanto custa?
Atentamente,
João
O livro está disponível nas livrarias da Escola Editora por 25€. Estará no próximo mês também na FNAC, mas por 35 €.
Interessante, mas este resumo levanta algumas questões de índole filosófica.
Será a preocupação com o ambiente e a conservação da natureza um movimento baseado em princípios conservadores? No sentido em a NATUREZA (seja lá isso o que for) é por definição dinâmica e os movimentos ambientalistas parecem sempre querer agarrar-se a uma situação de referência relativamente recente. Mesmo o sagrado princípio da defesa da biodiversidade é passível de ser questionado. Hoje sabemos que sempre houve flutuações no número de espécies. Será então que uma perda de biodiversidade tem sempre se ser uma catástrofe? Às vezes temo que o movimento ambientalista tenha sido contaminado pela ideal economicista generalizado de que tudo o que não seja "crescimento" é catastrófico...
Alexandre Vaz
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