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1 - É invulgar um CEO vir ao terreiro defender uma opção comercial da sua empresa em resposta a uma crítica relativamente inofensiva e sem grande ameaça. Normalmente esses assuntos são despachados por pessoal de departamentos de comunicação. Gostei da resposta, devo dizer. Sem papas na língua, ficou claríssimo o porquê da mudança de vedante nos seus vinhos. E, como já manifestou o HPS, tem muita razão no que afirma.
2 - Mais invulgar ainda é a forma como MC responde. A resposta é agressiva e chega a ser ofensiva quando passa a classificar de forma grosseira pessoas que manifestam a sua discordância com uma opção comercial da empresa. O MC evidentemente "dispensou" essas pessoas como possíveis clientes do seu produto, porque não passa pela cabeça de ninguém responsável ofender clientes. É um erro: só quem coloca a possibilidade de comprar um certo produto pode considerar o seu boicote. Seria ridículo eu afirmar que boicotava a Ferrari por achar que os seus carros consomem muito combustível. No caso dos vinhos de MC, comprava com alguma frequência o seu vinho verde Paço de Teixeiró, um bom, acessível e agradável vinho: deixei de fazê-lo desde que use tampas de rosca. É claro que o meu consumo pessoal não aquece nem arrefece a casa Montez-Champalimaud, mas é provável que haja mais pessoas com a mesma reação que eu. Isso devia preocupar MC.
3 - O MC mostra, de forma indireta, uma outra face da questão das rolhas vs. tampas: a real questão não é a da qualidade ou falta dela da rolha como vedante, mas sim uma relação comercial espinhosa entre a indústria corticeira e a vinícola. Se fosse uma questão de rolhas defeituosas, as grandes marcas mundiais de vinho já tinham abdicado de rolhas há décadas, porque as tampas não são uma invenção recente. Uma realidade é que, quase sem exceção, os vinhos topo de gama ao nível mundial continuam a usar rolhas como vedante e não as tampas. E essas marcas são pelo menos tão preocupadas com a qualidade do vinho como o MC. Pode aborrecer abrir uma garrafa de Quinta do Côtto com o vinho a saber a rolha, passa a ser um drama quando se trata de uma Barca Velha, Pétrus ou Clos de Vougeot. Portanto, a questão é comercial e não técnica. Como qualquer empresa, Montez-Champalimaud não gosta de depender de um grupo restrito de fornecedores e procura equilibrar o balanço de forças de oferta e procura. No caso dos vedantes conseguiu-o através de tampas de rosca, que qualquer indústria produz às toneladas. Compreende-se e está justificado.
4 - Como já afirmei no primeiro post meu sobre o boicote (que curiosamente refere vários dos argumentos depois usados pelo MC), penso que a rolha tem os dias contados para grande parte dos vinhos de consumo imediato (fica se calhar de fora a franja minúscula do mercado dos vinhos de guardar). O MC tem carradas de razão quando diz que a indústria corticeira vive à sombra do sobreiro e necessita urgentemente de encontrar novos mercados para os seus produtos corticeiros. Mas, sem a conhecer por dentro, penso que a "crise" das rolhas vai provocar uma resposta positiva por parte da indústria corticeira. Uma coisa sei eu: gastei mais cortiça no isolamento da minha casa (aí o MC está redondamente enganado) que um batalhão de ribatejanos bêbados pudesse gastar em rolhas no seu consumo de vinho ao longo da sua vida!
5 - Gostava muito de ver uma resposta do MC ao post do HPS. Muito mesmo.
Henk Feith
7 comentários:
A malta anda, agora, por aqui, a dedicar-se à rolha?
O sobreiros não sobrevivem sem a rolha?
Contribuição para o debate, aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=D_gecqWJPx8
A propósito, há noção da quantidade de sobreiros que são danificados por dificuldade em encontrar a força certa de machadada ao cortar a cortiça?
Range-o-Dente: pois há vida para além das alterações climáticas... A pergunta que faz no entanto é pertinente. A resposta não é fácil, mas se calhar o sobreiro sobrevive e o montado não. São coisas distintas. Dava um post.
Aristes: são estas coisas que dão razão ao MC.
Henk
Caro HF,
Vamos partir do princípio (podendo estar errado) que nem o montado nem o sobreiro sobreviverão sem 'a rolha'.
Em jeito de exercício, algumas perguntas:
1 - O sobreiro consegue sobreviver no nosso território sem algum tipo de assistência humana?
2 - O sobreiro é uma espécie que sempre (digamos dezenas de milhar de anos) existiu no nosso território? Quero dizer, não foi importada (de alguma forma)?
3 - Não é uma árvore cujo 'comportamento' já tenha sido modelado (selecção de agricultor, por exemplo) de tal forma que agora seja incapaz de se aguentar sozinha?
4 - Se há excessiva procura de cortiça, suficiente para obrigar alguns produtores de vinho, provavelmente de qualidade média, a optar por outras técnicas, porque os devemos preocupar?
5 - É verdade que a nossa cortiça é mais procurada para exportação e que importamos cortiça de menor qualidade para rolhas? (parece que alguns países só conseguem produzir cortiça mais fina mas usável para rolhas desde que duas metades sejam coladas - já vi e tenho imagens deste processo).
...
A pergunta 3 está envenenada porque aponta para um paralelismo aos toiros e às toiradas coisa que, aliás, detesto (as toiradas mas não as largadas).
.
Caro Range-o-dente,
1 - claro que sim.
2 - Sim, na escala temporal que refere
3 - de forma alguma. Pode ter havido alguma seleção genética (duvido) mas nunca ao ponto de se ter tornado dependente do homem. Não foi domesticado.
4 - não há excesso de procura de cortiça de forma regular ao ponto de provocar escassez de oferta, e não é o motivo para produtores de vinho de escolher alternativas
5 - não tenho dados concretos de importação de cortiça como matéria prima, mas parece-me que ela "viaja pouco" prévio à transformação industrial. Portugal produz 50% da cortiça mundial, por isso é natural que grande parte da produção se destina a exportação.
Henk Feith
HF,
Obrigado.
As 1, 2 e 3 eram as de mais de mais interesse.
Ficaria chateado se os sobreiros fossem substituídos por eucaliptos, como aconteceu aos pinheiros.
Não sou dessa área mas adoro passear entre pinheiros e tal não é possível com eucaliptos.
Entretanto sei quanto infelizmente milhares de pequenos proprietários de eucaliptais dependem dessa produção como complemento de reforma.
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