domingo, fevereiro 14, 2010

Caça e conservação


Num comentário sobre um dos posts onde se falava de caça e conservação é dito que a questão essencial em relação à caça é a seguinte:
"Será eticamente aceitável e racionalmente justificável matar por prazer,por diversão e,ou,por desporto?"
Não me parece que seja essa a questão ética essencial mas sim se há outras maneiras menos agressivas de se obter carne para alimentação (ou produtos alternativos para nosso uso).
E essa discussão ética está longe de ser uma discussão fácil e encerrada. Por exemplo, osofrimento causado pela caça é visível mas o sofrimento causado pela alteração de habitat ou pelas alterações climáticas são invisíveis. Daí a nossa tendência para sobrevalorizar a perseguição directa em relação a outros factores de condicionamento da dinâmica das espécies.
Mas neste post não era a questão ética que queria tratar, mas sim a questão técnica.
1) A caça é inegavelmente um instrumento de gestão da vida selvagem e nós somos predadores de topo;
2) Como qualquer instrumento, ele pode ser bem ou mal usado;
3) Não faz sentido descartar as potencialidades de qualquer instrumento de gestão porque é mal gerido ou pode ser mal gerido;
4) Não há almoços grátis;
5) Grande parte dos comentários negativos sobre a caça que apareceram nos posts que directa ou indirectamente trataram do assunto são sobre más práticas, a grande maioria delas ilegais;
6) Existe no grupo dos caçadores o mesmo que em qualquer grupo suficientemente grande: bestas e santos;
7) Técnicamente nada impede ou aconselha a caça do ponto de vista da conservação;
8) Como disse o Henk, gerir implica definir objectivos, o que quer dizer que não caçar, como instrumento de gestão, deve estar ligado a objectivos de gestão;
9) Há centenas de situações em que se justifica não caçar, e muitas mais em que se justifica caçar com fortes restrições (por exemplo, já aqui referi que existe uma única coutada de caça no país onde é proibida totalmente a caça às migradoras por decisão do seu proprietário);
10) A gestão da caça pressupõe um sistema de fiscalização eficaz;
11) A incapacidade do Estado fiscalizar convenientemente o sector não é um problema do sector mas do Estado;
12) Essa incapacidade está relacionada com a forma laxista como as entidades de tutela do sector encaram a ilegalidade;
13) A caça, como a pastorícia, a agricultura, as acções de conservação, são instrumentos modeladores que usam diferentes técnicas, como o fogo, o corte, a rega, as sementeiras com objectivos definidos que, dependendo das circunstâncias, podem ter efeitos positivos ou negativos na biodiversidade;
14) Todas essas acções e técnicas consomem recursos, incluindo a não intervenção;
15) A questão de fundo é pois a de saber como se obtêm esses recursos de forma mais eficiente para o conjunto da sociedade;
16) Sempre que existam actividades económicas que é possível direccionar de forma a conciliar os objectivos económicos com os de biodiversidade, essa é a maneira mais sustentável e menos complicada de garantir resultados para a conservação;
17) Nessas circunstâncias, o que é essencial na relação da caça com a conservação é assegurar que se compatibilizam os objectivos da caça e da conservação;
18) Com certeza pode haver pessoas que por razões filosóficas e outras se opõem ao uso da caça como instrumento de gestão e estão no direito de combater esse uso;
19) O que não faz sentido é esse combate pretender omitir factos sobre a relação positiva que pode haver entre caça e conservação como se pode ver aqui e aqui, mas com mais tempo facilmente encontraria outras referências na net.
henrique pereira dos santos

11 comentários:

Nuno disse...

Absolutamente de acordo.

Restam algumas questões:

Caso não exista actualmente legislação relativa á caça que associe a actividade a práticas positivas para a conservação da natureza, existe pelo menos uma espécie de manual de boas práticas ou de reocmendações, no qual se incluiriam exemplos como o mencionado no post?

Do ponto de vista do cidadão que não caça, como pode ser exercida alguma pressão neste sentido? Como comprar produtos de caça que tenham contribuído para valores ambientais?

Cumps

Paulo Barros disse...

Uma alternativa poderia ser através da certificação cinegética e das zonas de caça.

Anónimo disse...

Henrique, a propósito de caça tenho lido tantas coisas escritas por ti com as quais não concordo, que tenho achado até hoje que nem sequer valia a pena entrar numa discussão sobre o assunto...
Hoje, talvez por estar com mais tempo (ou mais optimista) vou quebrar esse hábito.

Na minha opinião, e subjacente a grande parte dos comentários com que discordo, está a ideia de que "os fins justificam os meios". Ora este princípio não é por definição regido pela ética (que conjuga um conjunto de valores sobre o que está certo e o que está errado).
Aliás e a este propósito aproveito para dizer que considero que o movimento ambientalista em geral e este blog em particular parece muitas vezes veicular opiniões e teorias baseadas em argumentos técnicos e científicos, mas pouco consistentes do ponto de vista ético.
O movimento ambientalista apoiou-se na minha opinião demasiado no dogma de que a biodiversidade é o valor supremo a conservar, mesmo que para isso seja necessário sacrificar uma, dezenas, centenas ou milhares de vidas. Eticamente parece-me muito difícil de sustentar esta abordagem. E se hoje é pacífico que se exterminem milhares de ratos numa ilha do pacífico para proteger meia dúzia de casais de umas aves quaisquer, então pergunto (do ponto de vista ético) porque não exterminar a população humana por exemplo da Austrália, onde o seu impacto foi devastador?
A ética é um conjunto de valores universais e não pode ser dobrada em função do nosso próprio interesse.

Voltando à caça.

Como forma de obtenção de alimento, parece-me inquestionável (inclusivamente quando à falta de alternativas e as prezas são espécies ameaçadas). No entanto, na Europa (talvez com excepção de algumas zonas da Rússia) parece-me difícil de argumentar que os caçadores o façam com esse propósito. Antes mesmo de se debater os prejuízos ou benefícios que podem advir da cinegética, acho legítimo que se questione efectivamente a legalidade de uma actividade que se baseia no prazer da morte. Claro que o Homem é um predador e claro que a caça remonta às suas origens, mas basta um pouco de antropologia das Selecções do Readers Digest para saber que ainda hoje, em povos cuja relação com a natureza é mais próxima do que a nossa, a caça é vista não com prazer, mas como uma necessidade e as prezas são respeitadas e abatidas com parcimónia.
É verdade que a destruição do habitat e a poluição que são muito mais nefastas do que a caça, mas estamos a falar de efeitos colaterais que podem ser comparados aos animais atropelados involuntariamente na estrada e não aos deliberadamente abatidos por prazer. Se houvesse grupos de pessoas que se divertissem a verter solventes tóxicos nos rios, isso é que poderia ser comparado à caça lúdica. Talvez por isso a prática do todo-o-terreno ou moto-náutica sem regras parecem-me próximas da caça...
A defesa da caça com base em histórias de sucesso em que se relaciona a prática cinegética com a conservação é na minha opinião altamente desonesta do ponto de vista intelectual. Por cada história dessas podem-se encontrar 10 em sentido inverso já não falando nos casos em que a conservação beneficiou de restrições cinegéticas totais ou parciais.
Por último, imputar ao estado a responsabilidade de garantir que a caça é praticada sem excessos parece-me desadequada. O mesmo poderia ser dito das leis de porte de armas para defesa pessoal. Claro que há milhares de pessoas que as usariam com responsabilidade, mas como há sempre algumas que não, e como não é possível saber quem e quando é que vão prevaricar, então corta-se o mal pela raiz e ninguém usa armas...

Cumprimentos

Alexandre Vaz

Henrique Pereira dos Santos disse...

Alexandre,
Não percebi, qual é a questão ética envolvida no abate de animais?
E já agora, qual é o fundamento ético para se considerar o abate de um rato igual ao abate de uma pessoa?
henrique pereira dos santos

trepadeira disse...

Meu caro Henrique

O seu post é algo deceptivo.
Esperava ver justificar que uns quantos indivíduos,montados,quase sempre,nos seus cavalos de ferro,aos tiros aos animais,a levar trânsito automóvel a lugares onde não existiria,provocando danos nas plantas e poluindo quimicamente e com ruído, contribuem para a preservação e a biodiversidade.
Optou por umas quantas afirmações que mesmo afirmadas até à exaustão e aos gritos não se justificam a si próprias nem se tornam verdadeiras.
Propor a caça como forma de preservação e gestão dos recursos naturais equivalerá a aceitar a guerra como forma de controlo demográfico.
É cada vez mais aceite e defendido que os animais têem o mesmo direito à vida que o animal humano.
Também é cada vez mais axceite que estamos muito mais próximos deles do que poderiamos,há bem pouco tempo,imaginar.
A gestão cinegética não existe desgarrada e isolada.Tem implicações profundas em todos os ecossistemas e tem de ser vista de forma integrada.
Os caçadores não têem legitimidade,nem técnica,nem patrimonial e,muito menos democrática para a fazer.
A legitimidade da caça acabou no fim do nomadismo e tornou-se um massacre sem justificação com a invenção das armas de fogo.
Apontar os delitos dos caçadores, em relação à lei da caça,serve apenas para definir um perfil.Para quem defende os animais é irrelevante que os matem dentro ou fora das regras.
Comparar o homem com os restantes predadores é uma completa falácia.Isso só se justificaria se a caça fosse um meio de sobrevivência do homem e,não é.
Não há almoços gratuitos,mas,há afirmações gratuitas quando não são sustentadas em qualquer estudo sério.
Os animais existem por si próprios e não para servir os humanos.
O feudalismo,julgamos,já acabou.Foram,entre 150.000 e 200.000,os senhores feudais que o povo,na idade média, teve de tolerar,sustentar e suportar,de cara alegre,todo o tipo de abusos.
A caça é um dos resquícios dessa época.

Quanto à qualidade da caça,para além de todos os inconvenientes já referidos em comentários a post anteriores,deixo estes exemplos:
Um vizinho,depois de uma caçada nas tais coutadas,resolveu cozinhar uma das perdizes.O cheiro a produtos de laboratório que exalava era tal que o levou a deitar fora,não só a perdiz,como o próprio recipiente.
O dono de um restaurante dizia-nos:-Só não deitei tudo fora por vergonha,aqui não cozinham mais peças de caça dessas.
Qual o efeito das vacinas e antibióticos usados,na saúde humana?
Há quem queira aplicar às leis da natureza a mesma gestão aplicada à sociedade em geral,baseada na ganância,no egoismo,na vaidade e na incompreenção.
Pagaremos todos caro tamanho erro.
Está à vista o que este capitalismo selvático de estado tem feito.Está à vista para onde,este tipo de organização social,nos leva.
Saudações cordiais,
mário

Nuno disse...

Julgo que se continua a misturar dois temas diferentes na discussão- a postura ética pessoal quanto ao consumo de carne e a eficiência da caça enquanto um dos meios de apoio económico de actividades de conservação da natureza.

O primeiro tema, de âmbito pessoal, não é discutível mas decorre da experiência pessoal e totalmente legítima de cada um.

O segundo tema parece-me uma questão relevante mas que terá apenas uma discussão relevante se houver interesse no consumo de carne.

O comentário do Alexandre Vaz relaciona a ilegitimidade da caça com o seu suposto objectivo básico que é o prazer e o entretenimento.
Julgo que se está a generalizar. A caça á raposa não tem como objectivo o consumo do animal e contempla uma morte lenta do animal. Isto é sádico e disparatado. A tourada é todo um espectáculo degradante e sem qualquer sentido para uma postura de respeito elementar. Um caçador que caça por alimento não tem esta postura- uma morte que não é instantânea ou que recai sobre um individuo jovem ou imaturo é considerado uma falha. É legítimo que não se concorde com o acto de caçar mas para um caçador responsável o alimento obtido é uma dávida, não um jogo de vídeo.

Se se pretende uma higienismo na ocasião da morte na caça por uma questão ética isto parece-me contraditório com a aceitação da criação, mesmo que biológica, que coloca todos os animais em cativeiro toda a vida, mesmo que possam ter comportamentos próprios da espécie durante grande parte do tempo. Uma vida em liberdade até á maturidade e uma morte instantânea parece-me comparativamente melhor.

Mas gostaria mais de conhecer um panorama geral da actividade da caça em Portugal (duvido que a amioria dos casos sejam situações positivas) do que discutir questões que são do foro pessoal...

Cumps

Nuno disse...

(peço desculpa pelos erros ortográficos do comentário anterior- é o que dá não rever o que se escreve, mesmo que informalmente)

Anónimo disse...

"Não percebi, qual é a questão ética envolvida no abate de animais?
E já agora, qual é o fundamento ético para se considerar o abate de um rato igual ao abate de uma pessoa?"

Imagino que esta seja uma pergunta retórica, ainda assim, aqui vai uma breve resposta.
Ou se acredita que a vida é um valor que deve ser preservado ou não. Ou se acredita que todos os seres vivos se devem subordinar aos interesses dos humanos ou não.
Seja qual for a opinião que se tenha para este tipo de perguntas elas definem obviamente um referencial ético. Se não percebes a questão ética envolvida no abate de animais, então julgo mesmo que me deveria ter mantido fiel ao princípio de não rebater este tipo de discussões.

Registo ainda o silêncio ensurdecedor que os comentários especificamente dirigidos à questão cinegética suscitaram.

Alexandre Vaz

joserui disse...

Enganoso...
Caçar para comer? Mesmo só pelos comentários pode concluir que ninguém caça por necessidade. É um divertimento. Um pagode. Há quem gaste 150 cartuchos para um arroz de cinco tordos (faz-se arroz, ou alguma coisa com os tordos?).
1. Nós predadores de topo? Essa pirâmide não estará desactualizada? Isso são conceitos do século XX. Mas do início.
5. É o que há. Ou esses não são caçadores?
6. Mostre-nos os santos e porque são santos. Os outros não carecem de mais demonstração.
9. Por algum mistério do Mundo, gosta de migradoras. Se deixar de gostar, azar. É assim que se gere?
10. A fiscalização preferida dos caçadores é a auto.
11. O Estado está refém destes grupos. Podem ser caçadores, podem ser construtores civis. Isso é um problema nosso.
12. É geral. Aliás, verdade seja dita, um caçador cumpridor da lei indigna-se cada vez que se depara com situações ilegais. Mas nada pode fazer no nosso sistema de justiça. Nada.
13. Só ainda não percebi o efeito positivo da caça para o coelho.
15. Nem sempre a eficiência na obtenção de recursos é o melhor para a sociedade. Isto de obter recurso como se o planeta, e o país em particular, fosse uma mina, foi chão que deu uvas.
16. Porque é que estou céptico?
17. Um dia destes aposto que vai explicar como é que isso se consegue.
19. Onde estão os estudos das outras perspectivas? - JRF

Henrique Pereira dos Santos disse...

Nunca falei em caçar por necessidade, falei em caçar para comer. Parece-me fácil perceber a diferença entre uma e outra coisa.
Não percebo o comentário 15 do José Rui. Está a dizer que a caça não pode ser obtenção de recursos de forma renovável e sustentável?
henrique pereira dos santos

joserui disse...

Pode ser, pode não ser. Muitas vezes não foi. E hoje, tenho grandes dúvidas que a sustentabilidade seja um valor que preocupe a esmagadora maioria dos caçadores. Querem é a parte a que têm direito (adquirido). -- JRF