sexta-feira, fevereiro 05, 2010

Morte e extinção


Na sequência das discussões dos posts anteriores (aqui e aqui), um dos quais deve ser o post mais curto deste blog e já vai com mais de cinquenta comentários, gostaria de esclarecer algumas coisas.
1) A mixomatose entra na Península Ibérica a meio dos anos 50 e em cerca de cinco anos reduz a população de coelho a 5 a 10% da que existia antes da sua chegada;
2) A meio dos anos oitenta chega a hemorrágica viral quando as populações de coelhos estão a dar sinais de se adaptar à mixomatose (é dos livros, os poucos resistentes vão-se reproduzindo e a população no seu todo vai ganhando resistências à doença);
3) Nenhuma perseguição directa pode sonhar ter um efeito destes numa população (aliás a mixomatose é introduzida voluntariamente na Austrália exactamente com o objectivo de controlar as populações de coelho, que eram abundantemente caçadas, sem efeito de especial na diminuição do seu número);
4) Na sequência destas diminuições brutais da principal espécie presa de muitos dos predadores de topo, há regressões violentas das populações destes predadores, sendo que é tanto mais violenta quanto mais o predador depende desta presa e tem menos flexibilidade (o lince é o maior especialista de coelho e sofre por isso a maior regressão);
5) Depois de muitas asneiras, algumas delas decorrentes da dissolução da autoridade do Estado no pós 25 de Abril, outras decorrentes das alterações sociais também daí decorrentes (nomeadamente o fim dos coutos de caça e a generalização do regime livre), o sector da caça ganha algum juízo (em parte forçado pelo deserto biológico que estas alterações e as doenças tinham criado);
6) Com a tomada de consciência das asneiras e o aumento de conhecimento na gestão dos métodos de gestão, algumas zonas de caça focadas no coelho começam a ter resultados interessantes (sobretudo no Sul, onde se concentram reservas comerciais, geridas mais profissionalmente);
7) Estes resultados têm vindo a ser sucessivamente confirmados nos estudos que são feitos sobre o assunto, identificando quer uma razoável densidade de coelhos, quer dos seus predadores (aqui não sei se mais as aves que os outros);
8) Como resultado conjugado da progressiva adaptação das populações de coelho às doenças e da boa gestão cinegética, começam a recuperar, na Península (que é o que interessa) as populações dos seus predadores (lince, águia imperial, bonelli, etc.);
9) A morte de indivíduos é uma questão menor do ponto de vista de conservação (excepto em situações limite) porque o que é relevante é o saldo entre os que nascem (que tendem a aumentar quando o alimento abunda) e os que morrem;
10) Se numa reserva de caça se criam pontos de água, se fazem sementeiras, se cria abrigo, se abatem predadores generalistas o mais natural é que mesmo que se matem mais coelhos o saldo seja maior porque nascem muitos mais;
11) Podem ter-se mais mortes ao mesmo tempo que se correm menores riscos de extinção;
12) Nada disto é relevante para a discussão ética da caça (que é uma discussão não utilitária), nem invalida que haja caçadores que são umas bestas;
Conclusão: a caça é um instrumento de gestão que pode ser bem ou mal usado e que pode ser abandonado por outras razões que não a sua utilidade se as pessoas quiserem. O que não se pode é confundir isso com o facto de tecnicamente a caça ser útil à conservação quando bem usada porque é uma forma não deficitária (isto é, não concorre com as outras funções sociais do Estado) de gerir habitats e espécies.
henrique pereira dos santos

10 comentários:

Nuno disse...

Post esclarecedor,

Falou em exemplos de reservas comerciais bem geridas em que se pode comprovar que a caça pode ter um efeito positivo na biodiversidade, existem referências/contactos?

Aqui está patente a preocupação mas não dão referências de produtores: www.anpc.pt

Cumps

Francisco Barros disse...

Henrique,
Com este post, estamos básicamente de acordo. Já há uns anos lancei um post semelhante (basicamente com o mesmo conteudo) num fórum sobre animais. A minha prespectiva coincide com esta descrição.

"6) Com a tomada de consciência das asneiras e o aumento de conhecimento na gestão dos métodos de gestão, algumas zonas de caça focadas no coelho começam a ter resultados interessantes (sobretudo no Sul, onde se concentram reservas comerciais, geridas mais profissionalmente);
7) Estes resultados têm vindo a ser sucessivamente confirmados nos estudos que são feitos sobre o assunto, identificando quer uma razoável densidade de coelhos, quer dos seus predadores"

É aqui que eu coloco algumas reticencias... quer pelo método algo artificial de conseguir densidades de coelho (que pode mudar radicalmente, dependendo do rendimento económico), quer pelo principio da gestão, que no fundo é de rentabilidade e não de conservação. O exito da recuperação de algumas espécies vem por acréscimo (e coincidencia) e pode desaparecer quando por algum motivo a actividade deixe de ser rentável.
Ou seja, trata-se de um "esquema" de produção de caça (espécies cinegéticas) demasiado artificializado que pode não subsistir da mesma maneira quando a mudança de gestores tiver outra visão "comercial" diferente.

É por isso que eu denomino estas questões como efémeras, pois não sei o que vai acontecer no futuro...

Francisco Barros

Unknown disse...

Olá,

"8) Como resultado conjugado da progressiva adaptação das populações de coelho às doenças e da boa gestão cinegética, começam a recuperar, na Península (que é o que interessa) as populações dos seus predadores (lince, águia imperial, bonelli, etc.);"

A escala Ibérica como, e bem, refere o Henrique Pereira dos Santos parece-me a mais relevante para todas estas discussões. Aliás, a situação da águia-imperial-ibérica tão discutida num dos "posts" anteriores só sucede porque em Espanha a espécie sobreviveu e pode, posteriormente, "lançar propágulos" para explorar novas zonas. Se estivesse dependente do que se passou do lado de cá da fronteira já só estaríamos a discutir uma memória.
Por outro lado, não estou tão seguro da influência do coelho na recuperação da águia-de-bonelli. Primeiro, e talvez menos importante, esta não é uma especialista do coelho como são o lince e a imperial. Atenção, não disputo que o coelho seja uma presa importante, apenas acho que a espécie tem uma muito maior flexibilidade alimentar. O segundo e mais importante ponto é que não creio que se possa falar de uma recuperação ao nível da península. A espécie está classificada como "Em Perigo" nos livros vermelhos dos dois países. Eu sei que a "população" do Sudoeste de Portugal está em aumento, mas excluindo esta região e as da Andaluzia e Extremdura em Espanha, o que se passou é que sofreu uma regressão mesmo muito grande.

Pedro

joserui disse...

Hmmm... Primeiro faço notar que o post mais curto não origina comentário nenhum. O que origina comentários é logo na sua primeira resposta introduzir o "A caça é favorável à conservação do coelho". Correcto? O seu post curto para comentários, podia até ser só esse título e uma figura.
Não me esclareceu sobre o papel da caça na introdução das viroses nos coelhos selvagens. Não é nenhuma pergunta com truque, é só para saber (caso alguém saiba).

E também não me esclareceu sobre a relação entre a caça e o aumento da população de coelho. Aliás, sendo exacerbada a componente económica da caça, é do interesse dos caçadores eliminar os predadores, designadamente, os que possam constituir o objectivo final de conservação. E não tenha dúvida que tendo oportunidade os eliminam. E se tem, eu não.

Quanto ao ponto 9, não é demais colocar nesta caixa de comentários que me referi a um exemplar de águia-imperial apresentado como macho do único casal nidificante em território nacional. E esta parte gosto bastante de salientar: Abatido dentro de uma zona de protecção especial, dentro de uma reserva de caça. Quanto a isto não há comentários. Os conservacionistas da república portuguesa, acham normal. Quem sabe, até desejável.

O ponto 10, para mim, não é assim tão natural. Quantos caçadores actuam nessa idílica reserva de caça?

O ponto 11 é de La Palice. O que também não entendo é este ponto relacionado com o ponto 9. Na conservação actual, das contas pelos dedos, o que são situações limite? Populações de 60, 200, 3, não são casos limite? Já só faltam os tecno-optimistas a dizer que se os caçadores abaterem todos daqui a uns anos reproduzem-se em laboratório com o respectivo ADN. E por falar nisso, a diversidade genética destas micro-populações é cada vez menor.

A caça é um instrumento de gestão que tenho muitas dúvidas que seja considerado como tal na maior parte dos círculos ligados à caça (a menos que seja gestão puramente económica e comercial de um espaço) e muito menos "que possa ser eliminado". E continuo a não compreender em que é útil à conservação em detrimento de outros instrumentos de gestão. Não há nada que me indique que pelo facto de os caçadores tomarem conta de um território, a sua gestão promova uma série de valores naturais que a) não aconteceriam naturalmente na maior parte dos casos (passe o pleonasmo); b) que não se obtivessem melhores resultados sem ter lá os caçadores.

As minhas principais objecções continuam por atender:
A gestão por via da não-caça não é possível.
A propriedade privada não é respeitada.
A caça em zonas protegidas (poderia ser considerada, não à balda como é hoje).
A lei, mesmo totalmente à medida dos caçadores, não é cumprida. -- JRF

Unknown disse...

Olá,

José Rui: "O ponto 11 é de La Palice. O que também não entendo é este ponto relacionado com o ponto 9. Na conservação actual, das contas pelos dedos, o que são situações limite? Populações de 60, 200, 3, não são casos limite? Já só faltam os tecno-optimistas a dizer que se os caçadores abaterem todos daqui a uns anos reproduzem-se em laboratório com o respectivo ADN. E por falar nisso, a diversidade genética destas micro-populações é cada vez menor."

Não é por causa da falta de diversidade genética que o coelho está como está. Aliás esta é até uma espécie particularmente diversa em meio natural, tendo em conta a sua história evolutiva e a reduzida dimensão geográfica da área natural de ocorrência. A única coisa que se pode apontar quanto a falta de diversidade genética seria a de não ter genes que produzam anticorpos que anulem a Mixomatose e a Hemorrágica, mas a evolução não planeia a longo prazo...

Pedro

joserui disse...

Pedro, populações com os números que referi, não eram de coelho. Era remeter para os números do Gonçalo Rosa de águia-bonelli, imperial, real. Podia ser de Lince, de Lobo. -- JRF

Anónimo disse...

"Conclusão: a caça é um instrumento de gestão que pode ser bem ou mal usado"

Não se pode dizer exactamente o mesmo da ditadura?

Este seu texto tem tantas coisas com que discordo em absoluto que seria impraticável discuti-las desta forma.

Alexandre Vaz

Jaime Pinto disse...

Caro José Rui, se não se importa gostaria que me esclarecesse a que predadores se refere quando afirma:
"sendo exacerbada a componente económica da caça, é do interesse dos caçadores eliminar os predadores, designadamente, os que possam constituir o objectivo final de conservação. E não tenha dúvida que tendo oportunidade os eliminam. E se tem, eu não."

Spawm disse...

Como caçador só posso dizer uma coisa "caçador" que abata espécies protegidas não é caçador é meramente um matador e um criminoso.
Existe uma lei da caça em que essas atitudes são classificadas como "crimes de caça" e que tem sanções bastante pesadas. Agora o problema é que não existe fiscalização actuante e eficaz.

Para os que não acham que a zonas de caça não vieram a permitir uma recuperação das populações de predadores é porque nunca andaram no terreno senão não diziam uma tamanha barbaridade!
Alias actualmente já são muitos os caçadores que assimilaram que muitos desse predadores são úteis na limitação na disseminação de doenças como a mixomatose e a hemorragico viral, pois todos os predadores são oportunistas e mais facilmente caçam um animal doente do que um que esteja de perfeita saúde.

E muitos dos que clamam pela fim da caça e o fim da agricultura intensiva e o regresso dos bosques selvagens, não fazem ideia do deserto que são em termos cinegéticos (e não só) os terrenos abandonados ao mato. É que por muito que não queiram aceitar muitas das populações de animais selvagens prosperaram graças às modificações introduzidas pelos humanos na paisagem, principalmente a nível alimentar.

Dou só um exemplo até à pouco anos era relativamente fácil de se avistarem Abetardas junto a Almeida
neste momento são extremamente difíceis de encontrar, e porque? porque cada vez mais as cearas vão dando lugar a mato e algumas zonas de pastagem para gado.
E nem falo nas populações de lebres que nessas zonas estão em declínio por falta de habitat favorável (grandes terrenos abertos em zonas de cultivo).

Quer queiram quer não, a maneira mais eficaz e económica de manter ecossistemas como os conhecemos da historia, só através da agricultura e da gestão cinegética.

Porque quer queiram quer não, ainda existem muitos caçadores que gastam do seu dinheiro (é especialmente verdade nas Reservas Associativas) para manter populações de animais em níveis saudáveis quer sejam fazendo sementeira, criando pontos de água no meio do mato, quer pagando indemnizações a agricultores por estragos causados quer pela caça quer pelos próprios caçadores. E conheço já algumas reservas que já se dão ao luxo de não precisarem de comprar coelhos para repovoamento por exemplo, pois tem colónias bem estabelecidas, e nos locais principais de abrigo é inclusive expressamente proibido caçar.

Agora gostava era de ver esse empenhamento por parte de outras pessoas, porque a lei da caça permite criar Zonas de Não Caça. Como dizem os ingleses "Put your money where your mouth is!"

trepadeira disse...

Caro Spawm

Os terrenos abandonados são desertos cinegéticos.
Talvez.Não tenho tanta certeza.Não são é acessiveis,pelo menos tão facilmente acessíveis.
Mas,garanto,pela experiência de calcorrear quilómetros em observação,que rapidamente se tornam locais de maior diversidade biológica.
Essa expressão "desertos cinegéticos" diz bem dos interesses.
Com adjectivações nada se justifica ou confirma.
Saudações cordiais,
mário