quarta-feira, fevereiro 17, 2010

O montado, a rolha e o vinho


Desde há uns meses tem-se desenrolado uma discussão muito interessante sobre a utilização de vedantes alternativos à rolha de cortiça. Participei ativamente e fui-me sentindo cada vez menos confortável na minha posição inicial.

O raciocínio dominante é: garrafas de vinho podem ser vedadas com rolhas - rolhas são feitas de cortiça - cortiça vem de montados de sobro - montados são ecossistemas ricos em biodiversidade - a biodiversidade é um valor prioritário a preservar. Conclusão: as garrafas de vinho devem ser vedadas com rolhas para preservar a biodiversidade.

Surgiu um produtor de vinho que disse não à rolha e optou por uma cápsula de alumínio. Segue uma troca de posts e e-mails, com posições claras e distintas, e nas quais se misturaram uma série de aspetos relacionadas com o tema, envolvendo pessoas fora da população residente do blog Ambio e foi muito enriquecedor.

Mas, depois disto tudo, não consigo livrar-me de um sentimento de desorientação. Os produtores de cortiça vendem aos produtores de rolhas que vendem aos produtores de vinho que vendem aos consumidores finais. Um elo nesta cadeia salta fora. Caem-lhe em cima os consumidores finais, os produtores de rolhas e os produtores de cortiça, acusando-o de não proteger o sistema produtivo da cortiça e ser o grande violador da biodiversidade. Mas será que o produtor de vinho é moralmente obrigado a proteger um sistema que não é seu, mas do qual é somente um cliente? Não seria mais justo, se houver uma real preocupação por parte dos consumidores finais, destes em primeiro lugar cairem em cima dos produtores de cortiça que aparentemente não são capazes de proteger o sistema produtivo que os consumidores tanto valorizam? Não deviam ser primeiro os produtores de cortiça a autoquestionarem-se o que (não) fizeram para que o sistema que tanto valorizam se tornou frágil e em risco de desaparecer? Não serão em primeiro lugar os detentores dos montados os responsáveis pela sua preservação? E, ao fim e ao cabo, não devia ser o mercado de vinho a determinar qual a relevância da escolha do vedante para o consumidor final, através de um processo de seleção que eliminava simplesmente as ofertas que não apoiam a proteção do montado? Se é tão evidente que o mercado de vinhos já regressou para as tradicionais rolhas, então bastava ficar sorridentemente a assistir à falência de Champalimaud e amigos. Ou estarei a ver mal?

Por fim, para mim, tudo se resume ao post inicial do HPS: eu não compro.

E está tudo dito.

Henk Feith





10 comentários:

salvador vanzeller disse...

Eu prefiro não assistir sorridente à falência de MC. Gostaria sim de participar na sua recuperação para poder continuar a beber e coleccionar GRANDE ESCOLHA.

APA disse...

Caro Henk, permita-me chamar-lhe assim.

Com relação ao seu texto acima gostaria tão-somente de tecer alguns comentários:

Em 1º lugar e apesar de concordar com o que chama “raciocínio dominante” permita-me discordar da conclusão a que chega pois acho que ela deve ser mais abrangente: Sugeriria antes assim; “as garrafas devem ser vedadas com rolhas de cortiça porque estas são tão boas ou melhores vedantes que as roscas de alumínio (como é prova os mais de 90% de produtores de vinho que as utilizam apesar de há pelo menos 10 anos por cá andarem as roscas de alumínio) e TAMBÉM porque ao se manter essa utilização está-se a privilegiar a manutenção de um ecossistema único sendo que a alternativa seria a óbvia desertificação decorrente do abandono do montado de sobro e o aumento da exploração da bauxita com todo o impacto ambiental negativo que se conhece.”

Sobre os produtores e a sua responsabilidade gostaria de dizer o seguinte:

Não entendo minimamente a sua lógica a não ser na pergunta que diz, ”Não serão em primeiro lugar os detentores dos montados os responsáveis pela sua preservação?” Onde a resposta óbvia é sim. Tal como acontece neste momento.

Contudo e em resposta às suas outras perguntas diria que essa “preservação” é custosa pois inclui todo o custo de manutenção e preservação do montado (limpeza de matos, adubações, plantações de leguminosas, plantações para renovo do mesmo, encaminhamentos, esgalhas, tratamentos fitossanitários etc.) além dos custos de funcionamento de uma empresa deste género (salários, comunicações, energia, combustíveis, despesas de representação, transporte, etc.), e ainda os inevitáveis custos com as máquinas necessárias à existência de uma empresa com esta actividade. Por último não podemos também nos esquecer do fim a que qualquer empresa se destina e que é o de proporcionar uma justa remuneração ao seu proprietário que como sabe leva ainda com a catrefada de impostos que todos conhecemos e que (supostamente) por todos, depois, é distribuído.

Ora Henk, isto só é possível se a cortiça tiver um valor comercial mínimo e esse valor comercial mínimo, até agora, só surgiu pelo valor que a cortiça atinge ao ser transformada em rolhas para garrafas de vinho.

Penso também que não me parece que a Indústria da Cortiça tenha feito um mau trabalho na rentabilização do produto ou na procura de novos fins para a sua utilização pois o montado está ai e a cortiça hoje em dia é utilizada em um sem número de aplicações, sendo contudo a rolha para os vinhos aquela que traz maior valor acrescentado ao produto.

Mas é importantíssimo também reter que como vedante, a nossa rolha, é considerada a melhor no sector Vinícola. A pergunta que se coloca é; porquê mudar?

Não entendo também porque é que os consumidores haveriam então de se “cair” nos produtores de cortiça se exactamente são eles que mantêm a questão ambiental em cima da mesa.

Por último gostaria de lhe dizer que quem ficar a rir-se para a falência da casa vinícola Montez Champalimaud não é boa pessoa nem é um bom Português pois como já foi muito bem dito pelo Salvador VanZeller aquela casa já produziu muito bom vinho que dignificou em muito a Vinicultura nacional e é uma casa Portuguesa.

É só pena que o seu gestor actual tenha enveredado por este caminho que porventura não será o melhor e não tenha a capacidade de perceber que a sua decisão também eventualmente irá afectar significativamente a performance da empresa.

Aproveito para lhe agradecer a si e ao Henrique Pereira dos Santos pela visibilidade que têm dado as minhas opiniões ao permitirem a colocação dos meus textos aqui no vosso Blog

Nuno disse...

Totalmente de acordo com o conteúdo do post, não desvalorizando a importância de chamar a atenção para o valor ambiental que existe em alguns produtos- neste caso rolhas de cortiça- que pode com toda a legitimidade levar a optar por um produto e não outro.

Se o montado perder a sua auto-suficiência económica a responsabilidade recairia naturalmente sobre uma indústria corticeira que não foi capaz de encontrar mercados maiores e mais diversos para os seus produtos, o que não deveria acontecer apenas in extremis, no caso das rolhas serem abandonadas.

Mesmo que sejam apenas 10% as cápsulas vedadas de outras formas julgo que seria relevante começar imediatamente uma campanha eficaz noutros sectores que tirem partido da qualidade de um produto que dá um bom exemplo de gestão privada, sustentável e rentável de recursos naturais.

Henk Feith disse...

Cara APA,

Pois o essencial do meu post está na convicção que não foi por motivos de qualidade como vedante que se apelou a um boicote do vinho, mas sim pela importância da cortiça como meio de sustentação da biodiversidade associada ao montado. Ainda não ouvi ninguém apelar ao boicote de esferovite como material isolante, e vir em defesa da aglomerado negro de cortiça, produto de características térmicas e acústicas muito superiores ao esferovite (também muito mais caro: é curioso o paralelo com a rolha nesta perspectiva).

Henk

Henrique Pereira dos Santos disse...

Henk,
Vamos muito a tempo de apelar ao boicote da esferovite, mas na realidade a questão central não é o apelo ao boicote mas sim o apelo à responsabilidade social das empresas.
Não está em causa a liberdade de se usarem tampas de rosca (ou, num promotor imobiliário, usar esferovite) o que está em causa é saber se as empresas o fazem por convicção informada (eu sei que isto tem menos efeitos ambientais positivos mas pesei os prós e os contras e a minha opção é esta) ou por convicção não informada (não sei nem quer saber do impacto ambiental da minha actividade).
Repara, num fundo é o mesmo que está no texto sobre alimentação que publiquei há um bocado: a opção é sua, mas lembre-se disto.
henrique pereira dos santos

Nuno disse...

Caro Henk Feith,

É, como diz, mais caro o aglomerado negro de cortiça do que as duas soluções mais comuns mas menos sustentáveis- o polistireno extrudido (xps) e o poliestireno expandido (esferovite). Para a mesma espessura a cortiça tem um comportamento pior como isolamento térmico mas melhor como isolamento acústico. Como se está a falar de uma diferença de 2-4 cm não é uma diferença demasiado custosa em termos de impacto na área útil e é imbatível em lajes e coberturas.

A solução que equilibra melhor os factores ambientais (energia incorporada), de desempenho térmico e acústico versus espessura e também de preço é a das lãs minerais (rocha de vidro).
É a solução que clientes que têm todas estas preocupações costumam adoptar. A cortiça, se tivesse um preço mais competitivo era absolutamente imbatível em termos ambientais- o maior espessura que exige era equilibrada pelo facto de não depender de indústrias extractivas, de ser local (no caso de Portugal), de ser renovável, de apoiar um habitat, de ter uma baixíssima energia incorporada, de ser reciclável e reutilizável, para além de ter uma durabilidade e resistência a agentes xilófagos e á humidade muito maior em relação a outras soluções.

É um mistério e é frustrante que o preço seja tão elevado apenas por uma questão de economia de escala.
Há que arriscar porque nesta conjuntura julgo que o material se venderia a si próprio com um pouco mais de divulgação.

Estou muitas vezes a procurar "boicotar" outras soluções em favor desta.

Nuno disse...

Caro Henk Feith,

É, como diz, mais caro o aglomerado negro de cortiça do que as duas soluções mais comuns mas menos sustentáveis- o polistireno extrudido (xps) e o poliestireno expandido (esferovite). Para a mesma espessura a cortiça tem um comportamento pior como isolamento térmico mas melhor como isolamento acústico. Como se está a falar de uma diferença de 2-4 cm não é uma diferença demasiado custosa em termos de impacto na área útil e é imbatível em lajes e coberturas.

A solução que equilibra melhor os factores ambientais (energia incorporada), de desempenho térmico e acústico versus espessura e também de preço é a das lãs minerais (rocha de vidro).
É a solução que clientes que têm todas estas preocupações costumam adoptar. A cortiça, se tivesse um preço mais competitivo era absolutamente imbatível em termos ambientais- o maior espessura que exige era equilibrada pelo facto de não depender de indústrias extractivas, de ser local (no caso de Portugal), de ser renovável, de apoiar um habitat, de ter uma baixíssima energia incorporada, de ser reciclável e reutilizável, para além de ter uma durabilidade e resistência a agentes xilófagos e á humidade muito maior em relação a outras soluções.

É um mistério e é frustrante que o preço seja tão elevado apenas por uma questão de economia de escala.
Há que arriscar porque nesta conjuntura julgo que o material se venderia a si próprio com um pouco mais de divulgação.

Estou muitas vezes a procurar "boicotar" outras soluções em favor desta.

Henk Feith disse...

Caro Nuno,

Isolei a minha casa com cortiça com o sistema capotte. 6 cm de espessura nas paredes verticais exteriores e 4 cm na cobertura. Preço base é 3 vezes superior ao equivalente em esferovite.

Escolhi cortiça pelos argumentos que apresentou e porque acho que deve ser pelo desenvolvimento de outros mercados que o montado terá de encontrar uma nova base de sustentabilidade. E é também assim que se pode manifestar como consumidor a favor da conservação do montado.

Henk

APA disse...

Henk,
Creio que a questão do boicote só se coloca por estarmos em Portugal onde todo o sector da cortiça tem um enorme impacto economico, social e ambiental.
Eu pessoalmente não considero o boicote a melhor maneira de expressar o meu desapontamento com a opção da Vinicola Montez Champalimaud e da Bacalhoa Vinhos por exemplo (mas há outros), prefiro dizer a quem me quiser ouvir o que penso pois realmente acredito que a cortiça é um concorrente mais forte em todos os aspectos.
A questão dos preços é uma falsa questão pois não é verdade que os preços sejam assim tão diferentes.
Uma screwcap utilizável, também há as que não são, custa 13 centimos e uma rolha técnica de razoável qualidade custa 11. Uma rolha natural de boa qualidade pode custar entre 15 e 18 centimos.
Qualquer destes vedantes são para vinhos de consumo rápido.
Pelo que me dizem o screwcap nem é pensado para vinhos de coleção ou de boa/muito boa qualidade. Acredito que os produtores sabem escolher o melhor vedante para o seu produto e vários (todos muito bons)dizem-me que a rolha é melhor, dá menos problemas.
Acredito sim que o que motiva o boicote é muito mais a questão de se ter orgulho de alguma coisa em Portugal e de uma reação à ganancia que alguns produtores demonstram por causa de 1 ou 2% de margem bruta.
Podem ganhar mais 1 ou 2% mas não vendem o vinho.

Henk Feith disse...

Caro Henrique,

Como sabes, tenho chamado por várias vezes aqui no Ambio a atenção para a importância da consciência do consumidor nas suas opções de consumo (que é mais do que opção de compra: a opção de consumo inclui a opção de não-compra, enquanto a opção de compra se limita a escolher entre produto A ou B). Não há força maior que a vontade de um público, capaz de fazer mudar estratégias empresariais. Por isso não podia estar mais de acordo com o teu comentário e a visão atrás do posts do O gosto da Biodiversidade.

Henk