quinta-feira, abril 22, 2010

O manifesto da energia no seu labirinto

Não vou transcrever integralmente o artigo de Mira Amaral sobre o manifesto para uma nova política energética que pode ser lido aqui.
Mas há coisas que gostaria de comentar.

"por isso eu e um conjunto de colegas Professores do IST começámos a preparar um texto que foi depois alargado a outros subscritores.Trata-se dum exercício de cidadania de pessoas conscientes, responsáveis, com grande competência técnica e económica,"
É completamente despropositado o uso de argumentos de autoridade deste tipo. E uma enorme demonstração de fraqueza e fanfarronice.
"devido ao medo de retaliações, tivemos pessoas que acabaram por desistir de subscrever o Manifesto…"
Mira Amaral acha que pessoas que têm medo de retaliações (quais? a quem? por quem?) por terem opinião em matéria de energia fazem falta no seu manifesto?
"Nós consideramos até que a biomassa e os biocombustíveis são o parente pobre da política (?) energética actual."
Cá se está outra vez a confundir política energética com política de produção de energia. O parente pobre desta política é mesmo a poupança, a eficiência e o uso de inteligência para diminuir consumos mantendo qualidade de vida (o solar térmico é talvez o mais emblemático dos parentes pobres, a par com a política de transportes de raiz ambiental). Mas no contexto actual vir dizer que os biocombustiveis são o parente pobre da política energética faz sentido para quem uma vez classificou o eucalipto como o petróleo de Portugal.
"O Manifesto não tratava da energia nuclear. Limitava-se a pedir que fosse feito um exercício de Planeamento Energético a Médio-Longo Prazo, normal em qualquer país civilizado, no qual se considerassem todas as formas de energia.Mas o Governo, o poderoso lóbi eólico e alguns jornalistas vieram logo usar o papão do nuclear para tentarem condicionar a discussão sobre os excessos eólico e fotovoltaico."
Não percebo. Mas o manifesto era sobre uma nova política energética ou era sobre os excessos eólico e fotovoltaico?
"A energia eólica é intermitente e volátil, e por isso a potência instalada apenas é aproveitada 25% do tempo para produzir energia."
Basta saber que o sistema tem de ser dimensionado para os picos, que existem em períodos curtos, para perceber que qualquer que seja a forma escolhida de produção de electricidade a capacidade instalada só vai ser usada em percentagens muito pequenas do que poderia. Não conheço solução para isto. Suponho que Mira Amaral também não.
"Essa volatilidade faz que durante a noite muitas vezes há vento e energia produzida em excesso em relação às necessidades de consumo e por isso vai-se acumular essa energia em centrais de bombagem. Ou vendemo-la a Espanha a preço zero, tendo nós, os consumidores, pago a mesma a um preço elevadíssimo, ou como aconteceu no Alqueva em Dezembro passado o excesso de produção alimentou bombagens na central do Alqueva para depois esta ter de abrir as comportas e deixar vazar sem préstimo essa água, e com ela a energia armazenada (e bem paga) por nós!"
Esta falácia tem vindo a ser repetida vezes sem conta sem que nem por uma única vez alguém diga qual a percentagem de energia vendida a preço zero, nem quanta energia potencial se perdeu com a abertura das comportas de Alqueva (que é determinada pela quantidade de chuva e não pela bombagem entretanto feita, pelo menos em quantidade significativa).
"Durante o dia, muitas vezes não há vento quando precisamos de energia e por isso lá têm que entrar em apoio à falta de vento as centrais térmicas de custos fixos elevados, como as de gás natural."
O uso de meias verdades é das formas mais insidiosas de mentir. Que as centrais têm de existir no mix e que têm produções base abaixo das quais não devem ser levadas, de acordo, mas Mira Amaral omite, e só pode ser deliberadamente face aos pergaminhos académicos que apresente no artigo, que esse é em grande medida o papel da hídrica: disponibilizar em muito curto espaço de tempo energia para satisfazer os picos (por isso a hídrica ainda trabalha uma percentagem de horas menor que a eólica, penso que por volta dos 9%, mas corrijam-me por favor que não sei porque tenho este número na cabeça).
"passar na nossa rede de 3.500 MW para 8.500 MW da eólica é um manifesto exagero que só tornará a electricidade cada vez mais cara."
Duas meias verdades numa afirmação tão curtinha: os novos contratos de eólicas são a preços mais baixos que os primeiros e, mais importante, tornam a electricidade mais cara ao actual preço do petróleo (aliás, ao actual preço do petróleo é quase ela por ela), que pode variar, coisa que não acontece com o preço da eólica. Quem acredita que o petróleo nos próximos quinze anos vai manter-se nestes preços, com certeza achará isto estúpido. Quem achar que não sabe e mais vale, dentro de limites razoáveis, ter alternativas, acha isto defensável.
"Tudo isto consubstancia um desvario e uma irracionalidade económica que todos já estamos a pagar, e que já é bem visível com o famoso défice tarifário, que terá um efeito bola de neve."
Se em relação ao fotovoltaico partilho parte das opiniões expressas por Mira Amaral, já em relação a esta conclusão não posso deixar de assinalar que é completamente abusiva: o défice tarifário existe porque o Governo adoptou uma política de tarifas estúpida, não real e que isenta as empresas do esforço de racionalização que o aumento de preço aconselharia. Isso é completamente independente da política de produção de energia.
"o total conjunto da rubrica "Eólica, Geotérmica e Fotovoltaica" em 2008 representou apenas 2,11% do consumo total de energia primária em Portugal, tendo-se mantido a dependência energética em redor de 83% ao longo dos últimos dez anos."
É muita desonestidade junta. Primeiro retira-se a hídrica das renováveis e depois inclui-se os 75% do consumo de energia que não são electricidade. Nem que 100% da electricidade fosse de origem renovável o dependência energética diminuiria muito porque 75% do consumo energético não dizem respeito ao uso de electricidade. Para quê ser desoneste se se está convencido da razão?
E já agora, em que é que consiste a tal nova política energética alternativa a esta?
henrique pereira dos santos

12 comentários:

aeloy disse...

E além desta desmontagem há que ler o excelente artigo no Expresso de 17/4 de (também prof.do IST!!!!) António Costa e Silva "Manifesto não volta para trás, ou melhor tempo..."
Tanta miragem e desonestidade intelectual junta além de um argumentário nulo (vide a desgraça que foi um dos epigones deste no debate da SIC!),,, não vai longe.
(E notável o artigo de despeito desta semana do Público!!!)
António Eloy

rui disse...

Os artigos de Mira Amaral têm sido confrangedores. Ainda aceito que invoque autoridade técnica desde que não tente fazer passar a ideia de que do outro lado estão "lóbis..." (que provavelmente muito teriam a aprender, em matéria de lobying com basto de subscritores do manifesto) e "ignorantes".
Ainda por cima, por uma qualquer obscura razão táctica, nega a evidência facilmente descortinável por quem visite o blog do pinto de sá ou as afirmações de um comentador deste blog e também subscritor do manifesto.
Como não encontrei o artigo do antónio costa silva referido acima, na net, e também o achei de muito interesse, transcrevi-o no meu blog.

EcoTretas disse...

HPS,

Dizes:
"Esta falácia tem vindo a ser repetida vezes sem conta sem que nem por uma única vez alguém diga qual a percentagem de energia vendida a preço zero, nem quanta energia potencial se perdeu com a abertura das comportas de Alqueva (que é determinada pela quantidade de chuva e não pela bombagem entretanto feita, pelo menos em quantidade significativa)"

Em pedaços como este perdes toda a tua credibilidade! Quanto ao preço zero, vai ver em http://ecotretas.blogspot.com/2010/04/preco-nulo-na-exportacao-de-energia.html.

Depois, na energia perdida no Alqueva tens aqui algumas contas: http://ecotretas.blogspot.com/2010/02/alqueva-sempre-bombar-desperdicio.html

Eu não me misturo com o Mira Amaral. Algumas das contas que fiz tem sido utilizadas sem referir a fonte (eg. uma capa do Expresso de há uns meses). Mas estão aí. Se não as conheces, é porque realmente não visitas o meu blog... É uma pena!

Ecotretas

José M. Sousa disse...

French nuclear giant Areva buys Ausra, says solar thermal power market may increase 30-fold by 2020

Ora cá está uma tecnologia onde poderiamos desenvolver o nosso potencial.

rui disse...

a história do link do José Sousa é explosiva. Ou melhor, as histórias...
se a areva vai por este(s) caminho(s) parece que há muita gente que vai perder o pé.

EcoTretas disse...

Sobre a dúvida do Alqueva, já tens resposta aqui: http://ecotretas.blogspot.com/2010/04/dois-tercos-do-alqueva-pelo-guadiana.html.
Não sei de que parte gostarás mais, se a energia potencial perdida ser equivalente à produção da Amareleja durante 5 anos, se da energia efectivamente perdida dar para o consumo de Portugal inteiro durante quase dois dias?

Ecotretas

José M. Sousa disse...

A "Environment News Service" cita um estudo da New York Academy of Sciences, publicado hoje, aniversário do desastre de Chernobyl, onde se afirma que terão morrido quase 1 milhão de pessoas em todo o mundo fruto da exposição à radiação proveniente do desastre.

José M. Sousa disse...

Wind's latest problem: it . . . makes power too cheap

Henrique Sousa disse...

Manifesto desmontado!

Henrique Sousa disse...

Creio que dizemos sensivelmente o mesmo por outras palavras.
Cumprimentos

José M. Sousa disse...

Fala-se muito dos subsídios às energias renováveis, e então os subsídios às energias fósseis:

Fossil fuel subsidies are 10 times those of renewables

José M. Sousa disse...

Um novo estudo (Universidade de Duke) vem dizer que a energia solar já é competitiva com a energia nuclear em regiões onde abunda o sol. No caso, a Carolina do Norte.