Não vou transcrever integralmente o artigo de Mira Amaral sobre o manifesto para uma nova política energética que pode ser lido aqui.
Mas há coisas que gostaria de comentar.
"por isso eu e um conjunto de colegas Professores do IST começámos a preparar um texto que foi depois alargado a outros subscritores.Trata-se dum exercício de cidadania de pessoas conscientes, responsáveis, com grande competência técnica e económica,"
É completamente despropositado o uso de argumentos de autoridade deste tipo. E uma enorme demonstração de fraqueza e fanfarronice.
"devido ao medo de retaliações, tivemos pessoas que acabaram por desistir de subscrever o Manifesto…"
Mira Amaral acha que pessoas que têm medo de retaliações (quais? a quem? por quem?) por terem opinião em matéria de energia fazem falta no seu manifesto?
"Nós consideramos até que a biomassa e os biocombustíveis são o parente pobre da política (?) energética actual."
Cá se está outra vez a confundir política energética com política de produção de energia. O parente pobre desta política é mesmo a poupança, a eficiência e o uso de inteligência para diminuir consumos mantendo qualidade de vida (o solar térmico é talvez o mais emblemático dos parentes pobres, a par com a política de transportes de raiz ambiental). Mas no contexto actual vir dizer que os biocombustiveis são o parente pobre da política energética faz sentido para quem uma vez classificou o eucalipto como o petróleo de Portugal.
"O Manifesto não tratava da energia nuclear. Limitava-se a pedir que fosse feito um exercício de Planeamento Energético a Médio-Longo Prazo, normal em qualquer país civilizado, no qual se considerassem todas as formas de energia.Mas o Governo, o poderoso lóbi eólico e alguns jornalistas vieram logo usar o papão do nuclear para tentarem condicionar a discussão sobre os excessos eólico e fotovoltaico."
Não percebo. Mas o manifesto era sobre uma nova política energética ou era sobre os excessos eólico e fotovoltaico?
"A energia eólica é intermitente e volátil, e por isso a potência instalada apenas é aproveitada 25% do tempo para produzir energia."
Basta saber que o sistema tem de ser dimensionado para os picos, que existem em períodos curtos, para perceber que qualquer que seja a forma escolhida de produção de electricidade a capacidade instalada só vai ser usada em percentagens muito pequenas do que poderia. Não conheço solução para isto. Suponho que Mira Amaral também não.
"Essa volatilidade faz que durante a noite muitas vezes há vento e energia produzida em excesso em relação às necessidades de consumo e por isso vai-se acumular essa energia em centrais de bombagem. Ou vendemo-la a Espanha a preço zero, tendo nós, os consumidores, pago a mesma a um preço elevadíssimo, ou como aconteceu no Alqueva em Dezembro passado o excesso de produção alimentou bombagens na central do Alqueva para depois esta ter de abrir as comportas e deixar vazar sem préstimo essa água, e com ela a energia armazenada (e bem paga) por nós!"
Esta falácia tem vindo a ser repetida vezes sem conta sem que nem por uma única vez alguém diga qual a percentagem de energia vendida a preço zero, nem quanta energia potencial se perdeu com a abertura das comportas de Alqueva (que é determinada pela quantidade de chuva e não pela bombagem entretanto feita, pelo menos em quantidade significativa).
"Durante o dia, muitas vezes não há vento quando precisamos de energia e por isso lá têm que entrar em apoio à falta de vento as centrais térmicas de custos fixos elevados, como as de gás natural."
O uso de meias verdades é das formas mais insidiosas de mentir. Que as centrais têm de existir no mix e que têm produções base abaixo das quais não devem ser levadas, de acordo, mas Mira Amaral omite, e só pode ser deliberadamente face aos pergaminhos académicos que apresente no artigo, que esse é em grande medida o papel da hídrica: disponibilizar em muito curto espaço de tempo energia para satisfazer os picos (por isso a hídrica ainda trabalha uma percentagem de horas menor que a eólica, penso que por volta dos 9%, mas corrijam-me por favor que não sei porque tenho este número na cabeça).
"passar na nossa rede de 3.500 MW para 8.500 MW da eólica é um manifesto exagero que só tornará a electricidade cada vez mais cara."
Duas meias verdades numa afirmação tão curtinha: os novos contratos de eólicas são a preços mais baixos que os primeiros e, mais importante, tornam a electricidade mais cara ao actual preço do petróleo (aliás, ao actual preço do petróleo é quase ela por ela), que pode variar, coisa que não acontece com o preço da eólica. Quem acredita que o petróleo nos próximos quinze anos vai manter-se nestes preços, com certeza achará isto estúpido. Quem achar que não sabe e mais vale, dentro de limites razoáveis, ter alternativas, acha isto defensável.
"Tudo isto consubstancia um desvario e uma irracionalidade económica que todos já estamos a pagar, e que já é bem visível com o famoso défice tarifário, que terá um efeito bola de neve."
Se em relação ao fotovoltaico partilho parte das opiniões expressas por Mira Amaral, já em relação a esta conclusão não posso deixar de assinalar que é completamente abusiva: o défice tarifário existe porque o Governo adoptou uma política de tarifas estúpida, não real e que isenta as empresas do esforço de racionalização que o aumento de preço aconselharia. Isso é completamente independente da política de produção de energia.
"o total conjunto da rubrica "Eólica, Geotérmica e Fotovoltaica" em 2008 representou apenas 2,11% do consumo total de energia primária em Portugal, tendo-se mantido a dependência energética em redor de 83% ao longo dos últimos dez anos."
É muita desonestidade junta. Primeiro retira-se a hídrica das renováveis e depois inclui-se os 75% do consumo de energia que não são electricidade. Nem que 100% da electricidade fosse de origem renovável o dependência energética diminuiria muito porque 75% do consumo energético não dizem respeito ao uso de electricidade. Para quê ser desoneste se se está convencido da razão?
E já agora, em que é que consiste a tal nova política energética alternativa a esta?
henrique pereira dos santos
12 comentários:
E além desta desmontagem há que ler o excelente artigo no Expresso de 17/4 de (também prof.do IST!!!!) António Costa e Silva "Manifesto não volta para trás, ou melhor tempo..."
Tanta miragem e desonestidade intelectual junta além de um argumentário nulo (vide a desgraça que foi um dos epigones deste no debate da SIC!),,, não vai longe.
(E notável o artigo de despeito desta semana do Público!!!)
António Eloy
Os artigos de Mira Amaral têm sido confrangedores. Ainda aceito que invoque autoridade técnica desde que não tente fazer passar a ideia de que do outro lado estão "lóbis..." (que provavelmente muito teriam a aprender, em matéria de lobying com basto de subscritores do manifesto) e "ignorantes".
Ainda por cima, por uma qualquer obscura razão táctica, nega a evidência facilmente descortinável por quem visite o blog do pinto de sá ou as afirmações de um comentador deste blog e também subscritor do manifesto.
Como não encontrei o artigo do antónio costa silva referido acima, na net, e também o achei de muito interesse, transcrevi-o no meu blog.
HPS,
Dizes:
"Esta falácia tem vindo a ser repetida vezes sem conta sem que nem por uma única vez alguém diga qual a percentagem de energia vendida a preço zero, nem quanta energia potencial se perdeu com a abertura das comportas de Alqueva (que é determinada pela quantidade de chuva e não pela bombagem entretanto feita, pelo menos em quantidade significativa)"
Em pedaços como este perdes toda a tua credibilidade! Quanto ao preço zero, vai ver em http://ecotretas.blogspot.com/2010/04/preco-nulo-na-exportacao-de-energia.html.
Depois, na energia perdida no Alqueva tens aqui algumas contas: http://ecotretas.blogspot.com/2010/02/alqueva-sempre-bombar-desperdicio.html
Eu não me misturo com o Mira Amaral. Algumas das contas que fiz tem sido utilizadas sem referir a fonte (eg. uma capa do Expresso de há uns meses). Mas estão aí. Se não as conheces, é porque realmente não visitas o meu blog... É uma pena!
Ecotretas
French nuclear giant Areva buys Ausra, says solar thermal power market may increase 30-fold by 2020
Ora cá está uma tecnologia onde poderiamos desenvolver o nosso potencial.
a história do link do José Sousa é explosiva. Ou melhor, as histórias...
se a areva vai por este(s) caminho(s) parece que há muita gente que vai perder o pé.
Sobre a dúvida do Alqueva, já tens resposta aqui: http://ecotretas.blogspot.com/2010/04/dois-tercos-do-alqueva-pelo-guadiana.html.
Não sei de que parte gostarás mais, se a energia potencial perdida ser equivalente à produção da Amareleja durante 5 anos, se da energia efectivamente perdida dar para o consumo de Portugal inteiro durante quase dois dias?
Ecotretas
A "Environment News Service" cita um estudo da New York Academy of Sciences, publicado hoje, aniversário do desastre de Chernobyl, onde se afirma que terão morrido quase 1 milhão de pessoas em todo o mundo fruto da exposição à radiação proveniente do desastre.
Wind's latest problem: it . . . makes power too cheap
Manifesto desmontado!
Creio que dizemos sensivelmente o mesmo por outras palavras.
Cumprimentos
Fala-se muito dos subsídios às energias renováveis, e então os subsídios às energias fósseis:
Fossil fuel subsidies are 10 times those of renewables
Um novo estudo (Universidade de Duke) vem dizer que a energia solar já é competitiva com a energia nuclear em regiões onde abunda o sol. No caso, a Carolina do Norte.
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