quinta-feira, maio 06, 2010

free food, why not?


alguns tubarões-de-pontas-pretas (Carcharinus limbatus) fotografados
depois de engodados por clube de mergulho local
Aliwal Shoal, Durban, África do Sul (Maio de 2010)


Por motivos diversos, tenho andado a mergulhar em locais onde vivem algumas espécies de tubarões. Muitas das espécies que observo e fotografo – como os que aqui ilustro – não são conhecidas como perigosas para o Homem, mas outras, como o tubarão-tigre, o tubarão-mako, o tubarão-touro e, principalmente, o tubarão-branco, são espécies tidas como potencialmente perigosas. Estes mergulhos são oferecidos por centros de mergulho locais, que fornecem a informação necessária a cada mergulhador, relativamente ao comportamento a ter debaixo de água por forma a minimizar riscos.

Em Aliwal Shoal, dezenas de operadores turísticos exploram diversos recursos que a natureza, com mais ou menos gestão, proporciona: o mergulho, a caça submarina, a pesca desportiva, o birdwatching, a observação de grandes mamíferos, a caça maior, o surf, o windsurf e outros desportos/actividades relacionados com mar e vento. Na prática, tornam o património natural economicamente valioso. Promovem-no. Estes operadores e tudo o que com eles se relaciona (desde os próprios turistas que aqui passam, aos hotéis, companhias aéreas e de aluguer de automóveis, restaurantes e, em geral, a população local que beneficia com a circulação de dinheiro) tornam-se pois parte do movimento ambientalista. Ou, pelo menos, na definição ampla que tenho de “movimento ambientalista”. Porque se preocupam com conservação destes recursos que, para muita desta gente, representa assim o seu ganha-pão.

No caso concreto – do mergulho com tubarões - é óbvio que estes operadores se preocupam com duas coisas aparentemente contraditórias: 1) a conservação destas espécies, por forma que possam garantir fartura de animais em cada mergulho, e; 2) com a não ocorrência de ataques que, a acontecerem ainda que em número muito reduzido, seguramente levariam a que muitos dos turistas que visitam estas águas procurassem novos destinos ou, pelos menos, procurassem aventuras menos dramáticas. Para garantir a presença de um bom número de animais em cada mergulho, os operadores que visitei engodam regularmente o local com peixe fresco colocado em tambores de aço, como facilmente se pode observar na figura que se segue.


aspecto do sistema de engoda de tubarões utilizados por clubes de mergulho locais
Aliwal Shoal, Durban, África do Sul (Maio de 2010)

Os animais praticamente não são alimentados (pontualmente são lançadas algumas sardinhas, o que representa quase nada quando comparado com a quantidade de presas que os muitos tubarões que visitam o local necessitam para se alimentarem).

Algumas associações ambientalistas questionam se é correcto mudarmos o comportamento destes animais, associando a presença de mergulhadores a comida, tornando-os assim mais sedentários a uma área restrita e “preguiçosos” na procura de presas. Para além de que tenho muitas dúvidas que boa parte da dieta destas animais seja conseguida através destes operadores, faço notar que o que provavelmente estamos a alterar é o comportamento de uma pequena parcela da população das espécies de tubarões envolvidas. E pergunto-me se o balanço não resulta positivo para a conservação da natureza e destas espécies em particular. É que a valorização económica do património natural e a promoção da ideia de que os tubarões não são devoradores de homens não são, de todo, factores negligenciáveis.

Gonçalo Rosa

3 comentários:

Nuno disse...

As boas práticas do ecoturismo restringem não só a alimentação como a proximidade e interacção com muitas espécies. Isto serve como equilíbrio entre manter uma actividade de observação rentável e uma interaacção satisfatória com os animais selvagens e os valores de conservação, neste caso de comportamentos.

Desconheço o caso específico dos tubarões mas não estou, por princípio, de acordo com esta forma de alimentação. Deveria ser normal o risco de não os ver, como é normal o risco de não ver baleias em muitos locais que no entanto lidam bem com esta incerteza ( também é certo que não têm modos de as atrair). A quantidade de alimento ou abundância de indivíduos são irrelevantes porque o estímulo positivo reforçado para o animal é o mesmo.

Cumprimentos

Gonçalo Rosa disse...

Nuno,

Uma pequena nota: apesar do titulo provocatorio, e exagerado falar em alimentacao. O que esta em causa e manifestamente engodar.

De resto, discordamos. Antes demais, devo dizer-lhe que, caso fossemos restritos na ideia de que "As boas práticas do ecoturismo restringem não só a alimentação como a proximidade e interacção com muitas espécies.", entao, mandariamos as urtigas uma boa serie de actividades que valorizam o patrimonio natural. Um bom exemplo e o mergulho, que obviamente obriga a grande proximidade do que se pretende observar, sendo que, muito do que se observa (nudibranquios, crustaceos, moluscos, pequenos peixes e corais) e observado a menos de 2 ou mesmo de 1 metro. Por outro lado, e impossivel nao espantar (interagir) peixe, ainda que por momentos, quando mergulho.

O facto de o risco de ver ou nao ver, ser ou nao ser normal, implica que, havendo boas possibilidades de observar o que se pretende, valoriza-se o patrimonio (ha mais clientes), caso contrario, o patrimonio e menos valorizado. Mais um breve exemplo.

O que eu pergunto e o que e que a conservacao da natureza ganha com a aplicacao dos principios que enumera? E que, a meu ver, so perde, porque sai menos valorizada.

Goncalo Rosa

Nuno disse...

Caro Gonçalo Rosa,

Agradeço a resposta. As boas práticas do ecoturismo restringem a interacção com animais, não a eliminam e têm em conta a espécie a observar portanto não vejo qualquer contradição entre esses princípios e o que diz na sua resposta. Foi criado esse guia de conduta originalmente por causa de interacção com cetáceos, que envolvia engodos e contactos não solicitados com os animais. Isto partiu originalmente em resposta aos abusos na observação de Manatins e depois tornou-se mais abrangente.

A diferença agora é que não existem engodos (em qualquer quantidade), nos mergulhos os visitantes só podem aproximar-se ou tocar nos animais se estes tiverem essa iniciativa, existem tipos de embarcação proibidos e para alguns existe um afastamento e duração de contacto máximo (como para orcas no Canadá, por exemplo), etc.

Alguns países que dependem de turismo sustentável como a Costa Rica (nas ilhas cocos) adaptaram estas práticas para ver tubarões. Tanto quanto sei continua bastante rentável e é até comercialmente mais vantajoso para a sua reputação como "eco-destino". Em Portugal, desde que foram aplicadas no Sado e nos Açores por exemplo, o número de visitantes não sofreu diminuição (até aumentou o numero de empresas) apesar do aviso que receberá se for ver cetáceos de que existe a probabilidade de não os encontrarem e de que o contacto é limitado.

Aparentemente na África do Sul isto não é aplicado- não que daí venha um dano descomunal para as espécies mas também não vejo necessidade em evitar boas práticas ambientais que não têm um reflexo negativo na rentabilidade, ou seja, que sejam o melhor possível.

Respondendo á sua pergunta, acho que não perde nada (para não dizer que ganha bastante) e é até um exemplo feliz de um compromisso mutuamente positivo para a conservação e o seu sustento económico.

Cumprimentos e bom-fim-de-semana

Nuno Oliveira