sexta-feira, maio 21, 2010

Ignições

Luis Lavoura diz na segunda ou terça feira, comentando este post:
"Agora não arde nada, Henrique. A terra ainda está totalmente húmida das últimas chuvas, como pude constatar ainda este sábado".
Penso que na quarta, terei respondido:
"Veremos se a previsão se mantém (para já mantém) e veremos os resultados no fim da semana. Estou convencido de que nada de muito relevante se passará, mas que o efeito (do episódio de vento Leste em curso até sexta ou sábado) se notará.".

Os valores não são muito relevantes, é certo, mas gostaria de fazer notar alguns aspectos (revisão da matéria dada tendo em vista a época de fogos que agora começa).
No dia 14 de Maio, há zero fogos registados em Portugal, o que só acontece em dias de chuva. No dia quinze Domingo há 10 fogos registados, normal, dadas as circunstâncias (chuva recente, ano húmido e por aí fora, como bem fez notar o Luís Lavoura). Ao fim do dia de Domingo (15 de Maio) começa a sentir-se o tempo característico das condições meteorológicas associadas ao vento Leste.
Mas só ao fim de segunda feira, se bem me lembro, se sente a verdadeira secura associada a estas condições meteorológicas. É nessa altura que escrevo o post acima citado (quase às onze da noite).
O número de fogos na segunda feira é pouco maior que o número de Domingo, mas terça e quarta há um aumento de 30% mais ou menos em cada dia e ontem, quinta, um aumento de quase 50%. E do momento em que escrevi o post até ontem o aumento acumulado do número de fogos é de 650% (partindo dos dez fogos de Domingo como 100%, os 65 de ontem representam 6,5 vezes a mais, em cinco dias). E, também relevante, um aumento muito mais acentuado do número de bombeiros envolvidos no combate.
Perguntaram-me um dia qual era o interesse de olhar para o número de bombeiros envolvidos no combate (ou para a relação número de bombeiros/ número de fogos). Acredito que esta é uma forma fácil, embora imperfeita e aproximativa, de medir a dificuldade de extinção dos fogos. Se eu tiver razão, então ontem a dificuldade de extinção subiu e muito: em relação ao dia anterior há mais que uma duplicação do número de bombeiros, embora o número de fogos apenas tenha aumentado 50%.
O que é relevante nestes números não são os valores absolutos, mas sim o efeito da entrada de condições meteorológicas como as que estamos a ter. Partindo de condições como as descritas pelos Luís Lavoura, o resultado absoluto é perfeitamente gerível. Mas partindo de condições como as que se encontram em Agosto e Setembro, episódios de cinco dias seguidos destas condições rebentarão facilmente com a estratégia oficial de extinção do fogo em fases iniciais baseada na rapidez da primeira intervenção porque o número de fogos diários passará facilmente dos 300 fogos, e em alguns deles a primeira intervenção falhará, levando à ruptura da doutrina de intervenção.
Tudo isto me leva à discussão da relevância do número de ignições (uma questão importantíssima para alguns que nos consideram um povo de pirómanos irresponsáveis) na estratégia de gestão do fogo em Portugal.
Confesso que não vejo onde esteja a evidência, ou pelo menos o indício, da relevância do número de ignições para a discussão.
Por um lado o mapa do número de ignições está desfasado do mapa da área ardida (há ignições no Noroeste povoado, mas há área ardida no interior centro despovoado). Por outro, como demonstro neste post, mas já o fiz muitas outras vezes, o número de ignições, com os mesmos pirómanos irresponsáveis, varia enormememente em função das condições meteorológicas de cada dia, pelo que esta correlação apontaria mais para causas meteorológicas (ou se preferirmos, edáfo-climáticas) que sociais como estando na origem da nossa elevada contabilidade de número de fogos (para os fanáticos das especificidades portuguesas que demonstram a nossa inferioridade como povo aconselho a olhar para as Espanhas e verificar que mais de 50% dos fogos em Espanha se localizam na Galiza).
O argumento seguinte é o de dizer que ainda que assim seja seria bom reduzir as ignições porque isso reduz a probabilidade de termos incêndios de grande dimensão.
Este argumento é errado.
É errado porque a probabilidade da existência de grandes incêndios não está relacionada com o número de ignições, mas sim com uma ignição concreta em determinada condições meteorológicas
Ou seja, é irrelevante a probabilidade de ocorrência da ignição porque basta uma (e haverá sempre ignições, pelas mais variadas razões) para que exista um forte impacto se as condições meteorológicas estiverem favoráveis ao desenvolvimento do fogo.
Estamos perante um fenómeno em que a estatística Gaussiana é inútil.
Não estamos perante Cisnes Negros porque as condições de ocorrência são perfeitamente previsiveis, mas estamos perante fenómenos que nada têm que os relacione com o tratamento estatístico de eventos com distribuições de ocorrência próxima de curvas de Gauss.
Para quem leu o livro, facilmente reconhecerá aqui a leitura recente do Cisne Negro, aconselhada por um dos meus orientadores.

Adenda
Como se pode ver no gráfico abaixo, a alteração das condições meteorológicas que se começaram sentir a partir de Sábado pararam a subida do número de fogos diário. Note-se no entanto que os efeitos destes cinco dias de vento Leste como que colocaram as coisas num patamar diferente, o que é natural pelo efeito de secagem que estas condições meteorológicas induzem. A partir daqui dependerá das condições que se forem encontrando, mais vento, menos vento e por aí fora. Mas nada de muito dramático até aparecerem novos episódios de vento Leste, cujo efeito dependerá da velocidade do vento e do número de dias seguidos nessas condições meteorológicas. Note-se a imediata descida do número de bombeiros envolvidos no combate, apesar da manutenção do número de fogos, indiciando uma muito maior facilidade na extinção dos fogos. Verdadeiramente o que está em causa é mais o problema da extinção dos fogos, que o das suas ignições, pouco relevantes para uma gestão de fogo socialmente útil.
henrique pereira dos santos

2 comentários:

EcoTretas disse...

Bastará sem um Verão NORMAL para que o país arda como poucas vezes no passado. Não esquecer que a chuva do Inverno permitiu o crescimento significativo da vegetação, que explodiu nas últimas semanas. Para quem sai das grandes cidades, isto é por demais evidente!
É claro que os políticos não serão o culpado; o Aquecimento Global arcará com elas...

Ecotretas

Anónimo disse...

Os últimos Verões tem sido amenos, mas mais ano menos ano teremos um quente e seco. Com a muita biomassa existente que foi crescendo, são de esperar incêndios catastróficos.

Nestas coisas pouco há a fazer dado o tipo de floresta que temos e como é mantida. Quantos mais anos se passarem sem grandes incêndios, maior será o incêndio que ocorrer quando as condições se tornarem propícias.