Ribeira da Murtega (foto Miguel Araújo)
Há menos de um ano, por ocasião de um seminário em que participei na Fundação Gulbenkian, tive oportunidade de me sentar ao lado da Presidente de uma Fundação Americana de conservação da natureza. A conversa foi amena e a partir de certa altura conversámos sobre as actividades de dita fundação. A actividade principal da fundação era o financiamento de projectos com vista à aquisição de terras para conservação por parte de ONGAs. A fundação optou por não gerir terras mas financiar a compra de terras pelas ONGAs. É frequente as propriedades terem património imobiliário que é cuidadosamente restaurado pelas ONGAs.
Acontece que o papel das ONGAs na gestão destas áreas é temporário. Elas compram e gerem a terra até a valorizarem biologicamente e conseguirem modificar as normativas que definem os usos nelas permitidos. Em Portugal seria o equivalente à classificação destas áreas como áreas protegidas (privadas). Uma vez definido este estatuto, as áreas não podem ser usadas para fins diferentes dos que são defenidos pelo decreto lei que cria a área protegida.
Quando tal acontece a política das ONGAs consiste em vender as áreas protegidas privadas, por elas criadas, a algum magnata que valorize a ideia de ter uma terra protegida por lei com uma casa onde possa viver ou passar momentos de lazer.
Com o dinheiro da compra, as ONGAS compram novas propriedades onde repetem o procedimento.
Milhões de hectares já foram comprados usando este sistema nos EUA.
Haverá algo que impeça a ATN, ou outra organização semelhante, na Europa, de avançar, no longo prazo, para uma política deste tipo? A vantagem é óbvia: com um orçamento limitado, conseguir afectar a maior área possível à conservação da natureza.
23 comentários:
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Se calhar faltam magnatas na Europa que tiram satisfação da ideia de ter uma área protegida privada própria.
É curioso que o que valoriza aquelas áreas no sistema Americano é o estatuto que é dado à área, e não tanto o valor conservacionista.
Penso que a tradição Europeia, sobretudo nos países anglo-saxónicos, formou durante o século XX ONGA que têm como missão conservar e gerir áreas de conservação. Nos Países Baixos, Natuurmonumenten é uma ONGA com mais de um século de vida, 800 mil sócios (é verdade), gere 355 reservas (monumentos) naturais com uma área total superior a 100 mil hectares (num país um terço de Portugal). Esta ONGA é um autêntico pilar da sociedade neerlandesa, politicamente incontornável e a primeira linha de defesa dos valores de conservação, a frente do Estado.
Admito que é um produto irrepetível da sociedade Neerlandesa, mas penso que algumas ideias base podem servir para lançar uma iniciativa de gestão de território por uma (nova, claro) ONGA portuguesa. Peças chave são: gerir de facto território; proximidade física e emocional da população que forma a sua plataforma social de apoio; transparência e independência (política e financeira); competência técnica.
Henk Feith
Miguel,
Há um aspecto que me parece relevante, que é o estatuto fiscal destas propriedades. Isto é, ter uma propriedade de luxo tem um tratamento fiscal, ter uma área protegida tem outro tratamento fiscal, quer nos EUA, quer em UK, quer na Holanda.
Não em Portugal.
henrique pereira dos santos
Henk,
Obrigado pelo contributo. Imagino que sendo a Holanda um País pequeno e rico não será díficil uma ONGA conseguir gerir uma proporção importante do território para fins de conservação. Outros países, grandes ou mais pobres terão ter encontrar formas "criativas" de maximizar a gestão de conservação no quadro de uma limitada capacidade aquisitiva.
Henrique,
Poderias explicar melhor a implicação do que dizes. Deve ter-me escapado alguma coisa pois a interpretação que faço é que não havendo diferença entre tratamento fiscal entre uma área de conservação e uma área de luxo, isso acaba por servir de incentivo para que a criação de de áreas protegidas privadas venham mais tarde a adquirir um estatuto de área de conservação de luxo. Ou seja, para uso limitado.
Miguel,
Se o estatuto fiscal é o mesmo não há razão para que eu não tenha uma grande propriedade simplesmente para meu deleite. Mas se isso for considerado como património taxável (quer em vida, quer na sucessão) e uma área protegida privada não, eu passo a ter um incentivo fiscal para declarar a minha propriedade como área protegida: diminuo o pagamento dos meus impostos, sem alterar o meu usufruto.
Habitualmente há ónus que impendem sobre estas áreas e justificam este tratamento fiscal, é claro, mas dependendo dos meus objectivos, esses ónus podem ou não ser menores que a minha diminuição nos impostos.
henrique pereira dos santos
Henrique
Certamente te recordas que, quando estivemos no Conselho Nacional da Caça, várias vezes defendi um princípio semelhante: as zonas de caça (turísticas, associativas ou municipais) que tivessem uma gestão activa em favor de espécies prioritárias, por exemplo a águia-real ou o lince, deveriam ser discriminadas positivamente, através da redução das respectivas taxas anuais.
Quanto ao direito à não caça, sempre entendi que devia merecer um benefício fiscal pelas externalidades positivas geradas (área de refúgio e de reprodução para espécies cinegéticas e protegidas, não contaminação por chumbo, espaços tranquilos e seguros para passeios em família, etc.). Infelizmente não foi esse o entendimento dos vários governos PS e PSD/CDS, que ora insistiam em impor limitações de área, ora ameaçavam impor taxas superiores às definidas para zonas de caça.
A poupança nos impostos, através da manutenção ou incremento de benefícios fiscais, certamente favorece o interesse privado na conservação de espécies e de habitats.
Caro Miguel,
Ser sócio de Natuurmonumentos custa (valor mínimo) 22,50€/ano. Ser sócio efetivo de Benfica 156€/ano. Afinal qual é o país pobre e o país rico.
Portugal tem 20% do seu território continental classificado como Rede Natura 2000, acima da média europeia. Afinal, qual é o país pobre e o país rico.
"não será díficil uma ONGA conseguir gerir uma proporção importante do território para fins de conservação". Essa então espantou-me mesmo. Sendo os Países Baixos um dos mais populosos paises do mundo (500 habitantes/km2), qualquer m2 do território é disputado entre muitos utilizadores. Não encontrei dados na net sobre a área total dedicada à conservação da biodiversidade nos Países Baixos, mas seguramente o esforço social é consideravelmente superior ao Português. Isto não tem nada a ver com ser rico ou pobre, isto tem a ver com a seriedade em que a política de conservação é encarada num país, políticos e cidadãos. Há muitos países pobres do chamado "terceiro mundo" que têm políticas de conservação bem mais consistentes que a Portuguesa, com resultados bem mais interessantes que os nossos. O problema é que em Portugal, para os políticos e para a maioria do cidadão comum, conservação é um "non-issue".
Henk
Caro MBA, claro que há algo que impeça, o Henk Feith já resumiu na última frase.
Repare que não temos no país figuras pública e "opinion makers" que dêem a cara por questões de conservação. E tradição de mecenato é nula, não só para a natureza — veja os contornos do Museu Berardo. Os mecenas portugueses dão um chouriço se o Estado lhes der uma vara de porcos (será de crer que seja o mesmo relativamente a organizações privadas).
A ATN existe com dinheiros vindos de fora.
Quando aparece orçamento que se veja é para "spots" como os da EDP (ou do BES) e fica a conservação feita. O BES se desse à ATN 1/10 do que gasta em publicidade "verde", resolvia o problema da falta de sócios por uns anos.
Se a Holanda é um país rico é porque dão valor ao dinheiro. Lá um euro é um euro. Cá parece que não custa a ganhar — indo ao portal da transparência posso ver por exemplo que um site para os Linces (coitados dos Linces) custa apenas 41.766,35€.
http://www.base.gov.pt/_layouts/ccp/AjusteDirecto/Detail.aspx?idAjusteDirecto=43267
Não é falta de dinheiro ou ser rico ou ser pobre. É as coisas serem como são. -- JRF
José Rui,
O seu comentário é pouco preciso num aspecto e injusto noutro.
O dinheiro da Faia Brava não vem do exterior apenas, pelo contrário, há bastante dinheiro que vem de Portugal, quer sob a forma de donativos (indivivuais ou de empresas, como o BES, que é um bom e sólido suporte da reserva), quer sob a forma de projectos que têm permitido à organização cescer (e que nos últimos anos é aliás a maioria do dinheiro que tem entrado).
Depois é injusto em relação ao BES. Não só o BES tem apoiado projectos concretos (penso que a ATN não é o único), como tem o maior prémio de conservação de Portugal. O facto de usar dinheiro em comunicação associada à biodiversidade não é nenhum defeito (se fosse feito por uma ONG chamar-lhe-iam educação ambiental) e tem efeitos sociais muito positivos no reconhecimento da conservação como uma questão social relevante.
E há mais empresas nesse barco.
Não percebo como se quer aumentar recursos para a conservação fora do Estado e a primeira opção é moer o juízo dos que já fazem alguma coisa em vez de falar do millenium, da GALP, de partes da Sonae e por aí fora que fazem muito pouco ou nada.
henrique pereira dos santos
Caro Henk,
Deve ser culpa minha mas não entendo onde queres chegar com o teu argumento. O que pretendes concluir comparando o custo das quotas de sócio de um clube de futebol Português e uma ONGA Holandesa? Compara a quota de um sócio da LPN com a do maior clube de futebol da Holanda e diz-me o que concluis?. E que relação estabeleces entre riqueza de um País e área coberta por Rede Natura 2000? Esta última é determinada pelos valores biológicos presentes em cada País, não pelo GDP. O facto de Portugal ter mais do dobro de área da Rede Natura 2000 que a Holanda deve-se simplwsmente a isso. Fico na dúvida se o que pretendes contestar é a minha afirmação que a Holanda é rica e Portugal é pobre. Se for isso convido-te a reflectir sobre os seguintes factos retirados da página da CIA (sempre uma boa fonte de estatísticas):
Holanda (dados de 2009):
GDP (purchasing power parity) = $654,9 billion
GDP per capita = $39,200
Unemployment rate = 5%
Portugal (2009)
GDP (purchasing power parity) = $233,4 billion
GDP per capita = $21,800
Unemployment rate = 9,2%
Quanto ao resto o que quis dizer é de elementar lógica: "All other things being equal" (sabemos que não são mas é um ponto de partida para uma discussão racional), um País pequeno, com dinheiro pode almejar, um dia, ter uma boa proporção de área gerida com fundos primados para fins de conservação. É questão de tempo e de empenho por parte dos interessados pelo que a estratégia Norte Americana pode não fazer tanto sentido (ou ser necessária). Um País grande (como os EUA), ou pequeno mas pobre (como Portugal) terá mais dificuldade em lograr semelhante resultado, assumindo um mesmo nível de empenhamento, pelo que poderá fazer mais sentido adoptar a política como a que descrevi no post.
Em todo o caso parece que encalhaste em questões de linguagem. O que eu gostaria de discutir não é a riqueza da Holanda ou de Portugal (nem sequer se Portugal tem magnatas suficientes para comprar APs privadas porque não faltarão magnatas estrangeiros interessados em comprar paraísos idílicos no Mediterrâneo). O que eu gostaria de discutir é se faz sentido pensar numa política análoga à que descrevi no post, num País como Portugal.
José Rui,
Não creio que tenhas entendido a mensagem. A questão não é se temos mecenas em Portugal. É óbvio que temos. Temos poucos mas não será atacando-os e acusando-os de se beneficiar com os seus actos de mecenato que teremos mais.
A questão é se vale a pena pensar em gerir um fundo de aquisição de áreas como fazem os Americanos. Ou seja, comprando áreas, assegurando a sua conservação do ponto de vista legal, e procurando vendê-las posteriormente a pessoas que, não por altruísmo mas por egoísmo, queiram comprar paraísos edílicos onde assentar arraiais.
Henrique,
Obrigado pela clarificação. Em todo o caso eu não estava a discutir incentivos fiscais (que seria bom que existissem) para convencer os proprietários a transformarem as suas propriedades em áreas de conservação.
O que estou a discutir é se faz sentido organizações como a ATN, ou outras, transformarem-se numa espécie de agentes imobiliários de propriedades de conservação.
Colocando-se estas áreas no mercado, cria-se valor e ao criar-se valor, abre-se a porta à criação de riqueza. Esta é a lógica dos Americanos e nada do que foi aqui dito sugere que tal estratégia não pudesse ser aplicada em Portugal se para isso houvesse vontade.
José Rui: "indo ao portal da transparência posso ver por exemplo que um site para os Linces (coitados dos Linces) custa apenas 41.766,35€."
Em bom rigor e de acordo com o mesmo link que indica, o que custou os tais 41.776 euros não foi o site dos linces, mas dois sites: o dos linces e o dos roazes. Não faço a mínima ideia se é um valor aceitável, mas não vale a pena distorcer os factos. Se acha que é um escândalo - economicamente ou como opção política - então sugiro-lhe que fundamente e denuncie a situação.
Mas enfim, esta é uma questão lateral à discussão...
Gonçalo Rosa
A dúvida que o Henk Feith levanta sobre a questão do país pobre vs país rico, no meu entender, é perfeitamente razoável. Os dados do PIB total e "PIB per capita" não dizem tudo. Há dias, era mesma questão em relação à Finlândia. Um país pode ser relativamente mais rico pela simples razão de gerir os recursos que tem à disposição de forma mais racional e em vez de os esbanjar, ou de os ignorar. Há coisas que o PIB não mede ou mede mal, e que nem para isso deixam de traduzir riqueza.
JM Sousa, A causas da riqueza de um País vs outro é um tema interessante mas que estravasa o âmbito do post. A minha resposta ao Henk é meramente factual. A Holanda é, hoje, um País economicamente mais forte que Portugal. É um facto. Não é uma opinião.
Caro Miguel Araújo
O que apresenta como facto é dado por uma determinada forma de medir, que deixa de fora o que não é mercantil, que não tem valor de mercado. A luz, a energia do sol, não tem um preço de mercado, mas nem por isso deixa de ser um facto que o PIB não mede. Queria apenas chamar a atenção para este facto que tem a ver com a discussão sobre a riqueza relativa de países como a Holanda e Potugal.
Caro HPS, uns moem o BES, outros preferem moer as ONG. Cada um com a sua cruz.
Não pretendi ser preciso, apesar de em testes psicotécnicos ser considerado um verdadeiro processador de precisão. Era apenas um comentário, entendi de um post seu que as organizações estrangeiras apoiam durante uns três anos, o que também julgo que será analisado caso a caso (e acho bem na verdade).
Não me venha dizer que sou injusto para o BES. Não há nada nem ninguém em Portugal e no resto do império que consiga ser injusto para o BES. Mas escusa de vir com a tese que é o campeão da conservação. É que é ultrajante. Ao BES aplica-se como uma luva a tese do chouriço e da vara. E está em todas, não só na conservação.
O último parágrafo concordo e daí? Não posso falar do BES porque o Millenium não dá nada? Isso é que era bestial. Digo-lhe, mais vale não dar nada que andar a enganar os portugueses, como a EDP. -- JRF
Caro MBA, eu entendi. O que digo é que na prática não há mecenas. Na minha opinião é a mentalidade, mas pode juntar-se o que diz o HPS (falta de incentivos fiscais, etc).
Eu não critico os mecenas pela simples razão que não os considero mecenas. Vocês com certeza são pessoas viajadas, já devem ter reparado nas colossais doações de arte para os museus, que se estendem a todas actividades.
Nos EUA, um amigo meu começou uma escola com doações porque disse-me ele que "faz parte do contrato (social, mas não escrito em lado nenhum)", os mais ricos dão. Aqui, os mais ricos coçam para dentro. E quando não estão entretidos a coçar, dedicam-se a sacar do Estado. Esta crise foi muito eloquente — tudo o que é liberal à portuguesa foi a correr para o Estado.
Numa palavra: é indiferente criticar esses porque não são mecenas, nunca foram e nunca serão. O esquema que descreves no post que considero muito bom, cá nunca funcionaria — a última parte estou em crer que não é inteiramente verdade, nunca há apenas egoísmo na compra de largos hectares dedicados à conservação. -- JRF
Caro Gonçalo Rosa, a sua tese é que eu distorço factos porque seguiu um link que eu lhe disponibilizei e chegou à conclusão que afinal o dinheiro também dava para os roazes. Portanto, eu aqui e para autores que fazem post destes (onde está o seu "bom rigor"?) tenho de ser rigoroso ao detalhe. Não posso comentar descontraidamente. Porque senão tenho o GS a querer "bom rigor". Tenha calma caro GS, não é grave. E seguiu o link não seguiu? E outros terão seguido? Se não seguiram foi porque não quiseram.
Os seus posts e comentários são sempre altamente eloquentes: não faz a mínima ideia se 41.776 euros é aceitável — diz portanto tudo sem querer como é seu hábito. Viu os sites? É o mesmo com conteúdo diferente*. Não faz ideia, porque em Portugal perdeu-se a noção do valor do dinheiro.
Dou-lhe duas sugestões: a) vá para um supermercado e faça uma lista de tudo o que pode comprar com esse valor; b) consulte uma agência na Holanda, o país rico, e pergunte quanto custaria fazer aquele(s) site(s) lá.
Quanto à sugestão, agradeço muito. Sou até capaz de me dedicar às denúncias a tempo inteiro. Prefiro começar pelo portal do centenário da república que custou só 99.950€ (ou o estacionário para o mesmo por apenas 99.000€). E não faço a coisa por menos: vou enviá-las directamente para o primeiro ministro de Portugal! Depois de devidamente fundamentadas.
* Em "bom rigor" não sei o que foi adjudicado. No portal da transparência diz "conteúdos" (adoro essa palavra), mas nos sites diz "desenvolvido". Esta minha diatribe tem por base o "desenvolvido", mas mesmo se fosse os conteúdos parece-me dinheiro a mais.
Miguel,
O modelo é possível em Portugal. Tem duas dificuldades.
Um enquadramento fiscal que não é muito favorável (não porque seja desfavorável mas porque não é suficientemente incentivador). É uma dificuldade regulamentar com a qual se pode conviver facilmente (os resultados serão é menores e mais difíceis, mas isso é a vida).
A descapitalização do movimento ambientalista que é de facto um entrave mais sério, porque exige tempo, vontade e capacidade para ser resolvido.
José Rui,
Não vale a pena argumentar na base da canelada.
Se eu digo que não faz sentido moer o juízo a quem faz alguma coisa ao mesmo tempo que se mantém o silêncio sobre quem não faz nada o que tem isso com as minhas críticas concretas, a actuações concretas de organizações concretas do movimento ambientalista?
Já reparou que para além de coisas vagas ainda não fez nenhuma crítica concreta ao BES (e não seria difícil, eu seria capaz de elencar meia dúzia pensado cinco minutos).
O que criticou ao BES foi o facto dele investir em biodiversidade não sendo isento de crítica nessa matéria. E o que eu lhe digo é que essa herança da lei mosaica (o primeiro princípio é o da fidelidade ao senhor, antes da avaliação concreta de cada acto, o que valoriza os actos impuros dos puros e desvaloriza os actos puros dos ímpios) é excessivamente marcada na nossa cultura de modo que contribui para que ninguém queira fazer nada. Cada vez que alguém faz alguma coisa o resultado é apontarem-lhe o que não fez e devia ter feito, em vez de se reconhecer que, independentemente das muitas outras coisas que poderiam ser feitas e não foram, ainda bem que fazem o que fazem.
Não vale a pena dizer que eu assim e assado sobre as ONGs por dois motivos: 1) eu não critico ONGs globalmente, critico opções concretas; 2) eu não ligo nenhuma a críticas de quem diz que sabe fazer melhor, só me preocupo com as críticas de quem já fez melhor.
henrique pereira dos santos
Caro Miguel,
Na minha resposta procurei apresentar organizações de dimensão comparável e ver qual tem o esforço financeiro maior. Não faz sentido comparar um Natuurmonumenten com por exemplo LPN porque são de escalas sociais diferentes. O SLB tem mais do que 200 mil sócios, o que o torna comparável em termos sociais com Natuurmonumenten. A minha pergunta foi e continua ser: se temos 200 mil pessoas a pagar 156€ por ano, como é que a pobreza de Portugal pode ser argumento de não termos um Natuurmonumenten em Portugal? Para a tua informação: o maior clube de futebol Neerlandês (Ajax) tem 85 mil sócios. Portanto o rácio entre sócios de clubes de futebol (caro) e ONGA (barato) é abismalmente diferente entre os Paises Baixos e Portugal. Será por serem mais ricos nos Países Baixos?
Mas voltando à pergunta no teu post: Penso que não. Penso que a sociedade Portuguesa não deva procurar imitar soluções Neerlandesas ou Americanas, mas sim encontrar soluções Portuguesas. Um dos pontos fortes, e que proporciona uma tremenda oportunidade, é o facto de Portugal ter muitos proprietários rurais (o que é totalmente diferente na Holanda onde os proprietários rurais são muito escassos), o que permite levar a conservação da biodiversidade para dentro da sua casa. Uma forma de aumentar a área dedicada à conservação de biodiversidade podia ser a criação de uma ONGA que serviria como uma gestora de condomínios de áreas de conservação, assumindo parte ou totalidade da sua gestão em nome. Esta fórmula era muito interessante por exemplo para proprietários de florestas certificadas de pequena dimensão (já vão sendo umas centenas com os grupos certificados a proliferar por aí fora), sem capacidade ou experiência de gerir valores de conservação. Também o proprietário ausente é um fenómeno muito interessante nesta perspectiva. Esse proprietário vai ter problemas crescentes em termos de incumprimento legal, para além do sentimento de estar em falta com as suas obrigações de gerir a sua terra sem saber como (isto é generalizado: fala com alguém com terrenos "lá na terra" e a maioria diz que gostava de tratar melhor mas não pode ou sabe como).
Também resolvia um problema deles em termos de certificação e aproveitava para promover e melhorar as suas áreas de conservação com base em know-how da ONGA. A abordagem de micro-reserva funciona bem nessa perspectiva (um bosque de carvalhos, uma turfeira, um troço com uma bela galeria ripícola, uma charca, uma nascente). Com as ferramentas de internet atuais, as sua divulgação e caracterização era facílimo, basta criar uma parceria com Biodiversity4All. Imagina um proprietário que vive em Lisboa mas que pode mostrar a sua "reserva ecológica" a amigos e familiares na Internet!
O financiamento desta gestão deve ser partilhado entre os proprietários, os sócios da ONGA, mecenas e patrocínios e complementado com a valorização de produtos provenientes destas áreas. Por isso, vejo uma ONGA gestora de um condomínio de biodiversidade como uma solução possível em Portugal.
Henk Feith
PS,
A Natuurmonumenten tem 8 sócios por hectare. Só em quotas são 180€/ha/ano para financiar a gestão (o que é excelente, para quem não tem noção destes valores). Para ATN ter a mesma base de sócios devia estar neste momento com cerca de 5 mil sócios e tem 204 (mesmo assim nada mal). Eis um belo desafio para eles. Se calhar a primeira prioridade devia ser aumentar o número de sócios e não de hectares.
Henk
"Não vale a pena argumentar na base da canelada."
Hehe. É bom ver que não retira totalmente a componente lúdica aos comentários.
Repare numa coisa: os exemplos BES são irrelevantes (e públicos) e como diz, sabe mais que eu, seria ensinar o pai nosso ao vigário.
A minha questão (não tenho certezas) é se por exemplo agora uma BP desejosa de boa imagem começar a distribuir umas verbas por umas ONG como a ATN, se as ONG devem contribuir para a limpeza da imagem, ou se devem continuar os ataques em nome de valores que são intangíveis. É o que se passa com o BES e como lhe digo, não só na conservação. O BES investe em comunicação tentando fazer crer que os interesses do BES são os interesses do país e vice-versa. Isso não só não é verdade como nos tem prejudicado.
1) Não seja modesto.
2) Esta é daquelas que vou guardar para futura referência.
-- JRF
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