sexta-feira, agosto 06, 2010

As economias baseadas na gestão de combustíveis

Num comentário a este post, Luís Lavoura é bastante assertivo:
"A produção de estrumes não tem competitividade quando os adubos são baratos, como agora (há dois anos atrás foram extremamente caros). A produção de pequenos ruminantes não é competitiva quando a carne de vaca é abundante e barata. Hoje em dia ninguém quer comer cabra, a carne de vaca é muito mais fácil. Repare o Henrique: há três decénios não havia tratores e as pessoas criavam vacas para tração (puxar carros de bois). Praticamente não se comia carne de vaca (o bife era um luxo de ricos). Hoje em dia há tratores e adubos para fazer crescer erva. O consumo per capita de carne de vaca cresceu umas seis vezes ou mais. Perante tal realidade, ninguém quer comer ovelha ou cabra. Em muitos talhos já praticamente não se encontra borrego (no Sul ainda se encontra, devido às tradições herdadas dos árabes, mas no Norte não), e cabrito ainda menos. Veja também o Henrique o seguinte: nos EUA usa-se cabras para limpar os terrenos - mas paga-se por esse serviço!!! Há empresa que criam rebanhos de cabras e que os alugam a proprietários que querem limpar os seus terrenos - os proprietários têm que pagar para que lhes ponham cabras nos seus terrenos! A criação de cabras não é rentável, trata-se apenas de um meio menos caro (e ambientalmente menos impactante) de limpar os terrenos."

Esta é a visão mainstream do problema da economia destas fileiras.
A mim parece-me uma visão errada, porque não discute a criação de valor mas apenas a produção.
Vejamos.
Se estivermos a falar de estrume para substituir os adubos na produção, por exemplo, da lezíria do Ribatejo, admito que a produção de estrumes não seja competitiva (não conheço contas que o demonstrem mas se o mercado não existe é provavelmente porque nenhum empresário o achou interessante por não lhe reconhecer competitividade). Mas como qualquer produção de nicho, a questão não é de preço, é de diferenciação. O estrume produzido em qualquer parte do país pode ser ensacado e vendido para públicos urbanos e a sua ligação à gestão do fogo pode ser explorada em alguns mercados, fazendo aumentar a disponibilidade dos clientes para pagarem mais por essa característica. Por exemplo, o mercado das empresas aderentes ao movimento ECO (Empresas contra os fogos, cujo site não parece estar a funcionar), é um evidente mercado para um estrume um pouco mais caro mas ambientalmente muito mais favorável.
A criação de pequenos ruminantes é competitiva, mais uma vez, explorando a diferenciação e a disponibilidade dos clientes pagarem. O cabrito é caríssimo, é bastante vendável em restaurantes que podem pagar mais pelos produtos, em algumas zonas do país a chanfana é presença obrigatória em cartas de restaurantes e o borrego é vendido sem problemas no Sul (raramente se comeu cordeiro no Norte, havendo até um investigador que ao perceber isso e a má qualidade da lã (diz ele, eu não tenho a certeza porque suportou durante bastante tempo a indústria de lanifícios da serra da Estrela) concluiu que a produção de ovelhas na Beira tinha como objectivo duplicar a produção de centeio com ajuda da giesta).
Neste momento não conheço nenhum produtor de pequenos ruminantes que vá a falência por falta de clientes ou por preços abaixo do custo. Apesar da oposição (ou no mínimo desinteresse) do Estado à pastorícia nos últimos 150 anos, que a tem impedido de se desenvolver e crescer rumo à diferenciação de produtos e à criação de valor. Admito que haja situações particulares, mas não é uma situação generalizada.
O mais extraordinário do que afirma o Luís é desvalorizar o mercado da produção de serviços de limpeza de matos, incomparavelmente mais eficiente e barato com animais que com qualquer outra técnica (tem problemas e dificuldades e há casos particulares, mas em geral esta frase é verdadeira) em vez de considerar que é um novo mercado que viabiliza a produção de pequenos ruminantes. Ou seja, quando se abre uma nova oportunidade de criação de valor, o que em qualquer actividade é saudado como uma nova oportuniodade de negócio, no caso da pastorícia usa-se isso para explicar que essa nova oportunidade de negócio demonstra a falência da actividade.
O meu conselho é simples: esqueça-se tudo o que são preconceitos sobre estas três fileiras económicas (e o Luís não falou dos novos mercados de aquecimento e cozinha mas o que aqui digo também é válido aqui) e olhe-se para elas como qualquer outra actividade económica orientada para a criação de valor.
Isto é, orientada para a procura de clientes que estejam disponiveis para pagar pelos bens e serviços produzidos mais do que eles custam aos seus promotores, mesmo que custem muito. Porque a competividade não está necessariamente nos mais baixos custos, está na diferença entre os custos e o que os clientes estão dispostos a pagar pelos bens e serviços.
Olhem para os pastores como quaisquer outros trabalhadores, dêem-lhes fins de semana, folgas, férias, 13º mês e verão como de repente aparecem os trabalhadores cuja falta hoje se diz que inviabiliza a actividade.
Façam contas ao custo do corte dos relvados de muitas cidades e vilas e comparem com os preços que é possível fazer gerindo animais.
O que não vale a pena é olhar para as actividades como elas sempre foram e pensar que respondem a necessidades de hoje.
Ninguém faz isso quando produz pregos, ciência, almoços, finanças, jornais e por aí fora.
Mas aparentemente toda a gente acha normal discutir a competitividade da pastorícia (e da roça de matos) do século XIX à luz de mercados do século XXI.
henrique pereira dos santos

12 comentários:

Luís Lavoura disse...

Henrique,

eu como liberal que sou olho com bons olhos para toda e qualquer atividade económica não subsidiada e que procure dar lucro. Nada tenho contra a pastorícia, muitíssimo pelo contrário, gostaria muito que houvesse mais pastores e cabreiros, e fico satisfeito por um vizinho de uma das minhas propriedades cuidar da sua limpeza mediante as suas cabras.

As minhas objeções à limpeza de terras com cabras não são, pois, ideológicas, mas sim práticas, ou seja, eu não acredito que, aqui e agora, esse método possa ser implementado em grande escala e sem grandes custos para os proprietários das terras a limpar.

Tal como eu disse, o problema é que limpar terras com cabras custa dinheiro, e muitos proprietários não estão dispostos a (ou não podem) pagar o dinheiro que isso custa.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Luís,
Percebo as tuas objecções e são que são reais.
Mas o que digo é que criar cabras e ovelhas é um bom negócio.
É uma vida de cão e muito desvalorizada socialmente, mas dá dinheiro (não dá milhões).
Há alguns proprietários que têm uam gestão das suas propriedades (as duas celuloses gerem mais de 200 000 hectares, mas há muitos outros) e estando de acordo contigo no sentido de que dificilmente haverá para já uma criação de gado miúdo em larga escala.
Mas repara, a minha afirmação aparece no contexto da tua ideia de que é racional investir no combate porqu o resto não é rentável.
Se te disser que entre 2005 e 2010 o custo do dispositivo de combate aos fogos aumentou de menos de 40 milhões para mais de cem milhões, com os resultados que vês nestes dias, talvez percebas melhor a minha incompreensão quanto à incapacidade de criar um mecanismos financeiro, que até pode ser de capital de risco, não precisa de ser de subsidiação, para quem queira investir a sério na gestão de combustiveis com pequenos ruminantes.
Do aumento de 60 milhões tirem um milhão para isso (nem se nota no dispositivo de combate).
E discutamos os resultados, em emprego, em criação de riqueza e, last but not least, em resultados de gestão do fogo.
henrique pereira dos santos

Paulo Tenreiro disse...

É verdade que dá dinheiro, mas não para qualquer rebanho nem para qualquer proprietário/pastor. Considero um exemplo o rebanho existente em Arada, de perto de 1000 cabeças de cabras, cujo proprietário tambem pastor, criou todas as condições para que o rebanho fosse altamente rentável. E basta fazer contas a 800 cabras a produzir cabritos e ainda ao subsídio anual que recebem (ou recebiam) por cabeça.
No entanto não acredito muito na eficácia destes ruminantes na diminuição da carga de combustivel. Estes ruminantes não comem qualquer ramo de giesta nem qualquer rebento de carqueja. Talvez o que me leve a ter esta ideia seja o facto de as serras de Arada e São Macário, percorridas diariamente por mais de 3000 cabras em todos os sentidos e saber o que lá aconteceu por estes dias.

Paulo Tenreiro

Henrique Pereira dos Santos disse...

Paulo,
É provavelmente um problema de geografia. O rebanho de que falas tem a sua base em Covas do Monte, numa ponta do concelho de S. Pedro do Sul, e o incêndio foi em S. Cristovão/ Candal, na outra ponta do concelho.
De qualquer maneira 3000 cabras são evidentemente poucas parar gerir os combustiveis em toda a serra da Gralheira (com a amplitude geográfica que tem sido falada por estes dias).
A questão de fundo é a de saber se nas áreas pastoreadas o fogo provocou mais ou menos estragos e se não é possível usar os rebanhos de forma mais estratégica.
Como sabes o pastoreio é uma combinação de pastoreio e queimadas, portanto o facto do gado não comer isto ou aquilo não tira nem põe.
Mas isto não é uma questão de fé, de acredito ou não. É verificar que onde existem pastores existe um padrão de fogo, onde não existem, existe outro.
henrique pereira dos santos

Miguel B. Araujo disse...

Caros,

É óbvio que o pastoreio não chega. Há pouco mais de um ano visitei o Kruger Park que como sabem é intensivamente pastoreado com vários herbívoros, nomeandamente Elevantes, Girafas, Rinocerontes, Gnus, Impalas etc (é uma paisagem fortemente perturbada pelos herbivoros), e mesmo assim o parque tem um programa de fogos controlados para criar mosaicos que dificultem grandes fogos.

Parece-me óbvio que os ruminantes são parte do problema mas sou menos optimista que do que o Henrique aparenta ser nesta matéria.

Miguel B. Araujo disse...

queria dizer os "ruminantes são parte da solução"

Henrique Pereira dos Santos disse...

Miguel,
Eu não sou nada optimista, bem pelo contrário. Mas depois de ver o custo do dispositivo de combate aumentar de 40 milhões para cem milhões para resultados idênticos sinto que só explicando uma e duas e cem vezes que os fogos se gerem mas não se eliminam e que isso se faz gerindo combustível, e que Portugal é provávelmente a pior região do mundo para gerir fogos é que talvez consiga um resultado equilibrado: teremos fogos na mesma (alguns incontroláveis e gigantes), mas podemos reduzir as perdas, gastar muito menos dinheiro e criar emprego rural.
Resolver não vai resolver. Mas podemos ser mais eficientes na gestão dos recursos.
henrique pereira dos santos

Paulo Tenreiro disse...

O rebanho que falo é em Arada e pertence ao Ernesto e à Prazeres. O Ernesto, na primeira vez que o conheci, à minha pergunta se era dele o rebanho que tinha sido atacado por lobo, respondeu que "sim, foi atacado pelo Canis lupus signatus" :-). Sei bem de que rebanho e de que pastor falo.
Este rebanho percorre tanto a área do Candal, como do Gourim e Carvalhais (esta área no Inverno quando sob condições meteorológicas adversas). As 3000 cabras de que falo é somente o conjunto dos rebanhos de Arada e Covas do Monte (este composto normalmente por 2000 cabeças, juntando as que permanecem no monte em estado semi-selvagem e que só são recolhidas aquando da sua conferência pelos veterinários da DGV) e que percorrem a zona da Serra de Arada e S. Macário. Todas as aldeias naquelas serras do Maciço da Gralheira têm rebanhos de cabras e alguns de ovelhas (mais raros)e todos percorrem as encostas e cumeadas daquelas serras.
O problema dos incêndios nesta região agravou-se quando os proprietários de ruminantes começaram a ser subsidiados e qualquer um virou pastor (maus a maioria)...e tambem autor das queimadas, sem perceber o que quer que fosse do assunto. Se a ideia de utilizar os ruminantes como elemento de redução de carga de combustível é boa, convém não esquecer da formação em queimadas, porque o resultado está à vista. As queimadas são sempre feitas nas piores alturas

Já agora, para saber quantas cabras andam pelo Maciço da Gralheiro a DGV tem essa informação, pois estes ruminantes são anualmente recenseados. Logo se fica a ter um valor de quantos ruminantes mais serão precisos, para que a sua acção surta efeito.

Paulo Tenreiro

Henrique Pereira dos Santos disse...

Paulo,
Então estamos a falar de três mil cabras para uma área enorme de serra. Para lhe dar uma ideia, o número de ovelhas do concelho de Castro Daire em 1940 era de pouco mais de 33 000, e em S. Pedro eram quase vinte mil. A que deve somar as mais de 16 000 cabras em Castro Daire e as quase 19 000 de S. Pedro do Sul (repare na curiosidades da importância diferente da ovelha e da cabra, traduzindo a importância das zonas aplanadas e húmidas de Castro Daire, mais ricas, portanto).
Nestes dois concelhos tínhamos protanto bastante mais de oitenta mil pequenos ruminantes (não achei relevante ir ver as vacas, que calculo que pelo menos em Castro Daire tivessem importância).
Daí que quando falo do uso de pequenos ruminantes eu fale da necessidade de reinventar uma pastorícia nova com objectivos de produção de serviços, porque não é possível (nem desejável) voltar a ter mais de oitenta mil cabeças de gado miúdo nestes dois concelhos. Mas é possível perceber que apesar de tudo 3000 animais fazem muito mais que meia dúzia de equipas de sapadores e custam muito menos.
henrique pereira dos santos

Henrique Pereira dos Santos disse...

Paulo,
Já agora, o fogo começou em S. Cristovão, duvido que resulte de uma queimada de pastores.
Tem mais informação que contrarie esta ideia?
Se os pastores têm más práticas isso resolve-se acompanhando-os e apoiando-os, não se resolve ostracizando-os, fazendo leis absurdas e mandando um polícia para trás de cada árvore.
Uma das mais importantes missões do SEPNA é de facto fazer extensão ambiental, mas infelizmente nem a lei nem a sua formação é orientada para que se tire o maior partido ambiental das actividades produtivas do mundo rural mas sim para o cumprimento de normas urbanitas influenciadas por alucinados que acham que a limpeza das matas é uma questão de polícia e não de economia.
henrique pereira dos santos

António Louro disse...

O rápido desaparecimento da pecuária extensiva, por variadíssimas razoes nomeadamente pela falta de rentabilidade é um dos pontos fulcrais do grave problema paisagístico que enfrentamos.

A situação é mais facilmente perceptível analisando o cento sul do pais.
Na campina da Idanha, parte do Alentejo e Alto Ribatejo, há algumas décadas era regra que qualquer herdade tinha rebanhos de cabras, ovelhas e vacas, as diferentes espécies eram utilizadas pelas suas especificidade para aproveitar os diferentes tipos de alimentação disponível. As vacas e ovelhas aproveitavam as melhores pastagem e as cabras conseguiam aproveitar as áreas de matos com grande eficácia.
Com a diminuição da rentabilidade e as alterações das ajudas comunitárias, primeiro acabaram com as cabras , depois as ovelhas e restam ainda algumas vacas, seguindo uma ordem claramente relacionada com a exigência de mão de obra e dificuldade de maneio. O s Bois de engorda para serem aceites pelo Mercado têm hoje de estar estabulados e comer muita ração.
A diminuição brutal que se verificou no efectivo pecuário extensivo criou uma paisagem nova com muito mais áreas de mato sob o montado e tornando-o muito mais susceptível aos grandes incêndios, como se viu em 2003.
O Pinhal Interior Sul (Mação, Vila de Rei, Sertã, Oleiros e Proença-a-Nova) tinha há 50 anos 150.000 Habitantes que viviam da agricultura, 250.000 cabras e ovelhas mais de 20.000 grandes ruminantes (vacas, mulas, cavalos).
Actualmente sobram 40.000 pessoas, já não há agricultores, (serão menos de 300 as pessoas que vivem exclusivamente da agricultura).
As cabras e ovelhas são cerca de 20.000 e os grandes ruminantes praticamente desapareceram.
Mas ganhamos uma PAISAGEM NOVA, temos hoje muito mais área florestal. Aliás o mais correcto é dizer que a floresta ENGOLIU todo o território.
Os grandes incêndios são hoje os grandes construtores de paisagem, não tarda esta região voltara a ser conhecida pela denominação que era usual há 150/200 anos – A Charneca…

Só será possível inverter esta tendência, planeando, ordenando e gerindo a paisagem que hoje temos. A forma mais barata e sustentável de compartimentar áreas florestais é usar a agricultura e a pastorícia, mas… Para isso temos que deixar de falar apenas em gestão florestal e começar a falar de Gestão Territorial e Gestão de Paisagem.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Paulo Tenreiro,
Fui ao site da EFFIS vwer o perímetro do fogo da Gralheira em cima da fotografia aérea.
É uma informação provisória, mas o que lá está é o incêndio a parar antes do Candal e das zonas pastoreadas dessa aldeia (ou mais ou menos nessas zonas.
Da mesma forma a zona mais intensamente pastoreada, entre Candal e Covas do Monte não foi afectada. Aparentemente o que ardeu mais foi a encosta da serra da estrada que vai do Covêlo a São Pedro do Sul passando por Santa Cruz da Trapa.
Nada disto demonstra qualquer utilidade daqueles rebanhos no controlo deste fogo em concreto, mas que me parece que seria bom fazer uma análise de detalhe mais consistente antes de conclusões parece-me bastante claro. E parece-me também que a conclusão do Paulo de que afinal o pastoreio não serviu para nada é um pouco apressada.
Se um dia puder passar por lá e com o seu conhecimento do terreno fazer uma análise de detalhe e vir-nos contar seria excelente.
henrique pereira dos santos
henrique pereira dos santos