Parte da responsabilidade do enviesamento social da ideia colectiva do problema dos fogos é da responsabilidade da comunicação social.
O exemplo do Público de hoje é um entre milhares que se poderiam escolher.
Começa da na capa: "mata do Gerês já arde desde Sábado".
Mas qual mata do Gerês?
É preciso ir ler então a notícia e é confrangedor perceber como quem escreve sobre o assunto não faz a menor ideia da geografia sobre a qual escreve.
Repare-se no lead da notícia (depois do título repetir o disparate da primeira página "Agora é a mata do Gerês que está a arder desde sábado"):
"Fogo que começou no Sábado em Vilarinho da Furna continua por controlar. Chamas aproximam-se das vilas do Gerês e do Soajo".
Vejamos.
Vilarinho da Furna é na encosta da serra Amarela da bacia hidrográfica do Càvado (ou se preferirem, do Homem, que é um afluente do Cávado). Tem a separá-la do Soajo toda a serra Amarela, o vale do Lima e ainda a encosta do rio Lima até à serra do Soajo (as designações variam, mas vamos usar esta). E tem a separá-la das termas do Gerês o vale do Homem (incluindo a albufeira de Vilarinho) e uma zona de alturas que separa o vale do Homem do vale da falha do Gerês. Seria portanto um incêndio de proporções bíblicas para cumprir o caderno de encargos descrito neste lead. E mesmo assim, poderia não estar a afectar nenhuma mata relevante do Parque Nacional da Peneda Gerês e andar sempre pelo mato (a mata de Albergaria, que não existe nenhuma mata do Gerês, está na transição entre a bacia hidrográfica do Homem e a da ribeira que passa no Gerês, mais a montante, à ilharga da serra do Gerês, a mata do Cabril fica a montante do Lindoso na encosta da serra Amarela contrária à de Vilarinho da Furna e a mata do Ramiscal, da bacia hidrográfica do Vez, está a quilómetros de distância. Há depois povoamentos em recuperação, nomeadamente nos vales da encosta de Vilarinho da Furna).
A notícia depois esclarece que afinal são três incêndios separados por vários quilómetros de distância (mais próximos o incêndio de Vilarinho/ S. João do Campo do da Calcedónia, os dois muito longe dos do Soajo e Mezio, porque afinal são quatro).
O jornalista, de uma ponte sobre um rio descreve "um cenário pintado de negro que é comum a quase todo o Parque Nacional". Como? Os fogos terão queimado, digamos, 50 000 hectares? É que o parque tem 70000 (grosso modo), portanto para este cenário ser comum a quase todo o parque devem ser milhares e milhares de hectares todos queimados.
A informação provisória do site da EFIIS, que penso que junta os dois fogos de Vilarinho e Calcedónia, fala em menos de 2000 hectares. É muito para um fogo claro, mas mesmo considerando que foi todo dentro do parque nacional (o que não é bem verdade) estamos a falar de menos de 3% da área do parque nacional. É a isso que se considera "um cenário pintado de negro que é comum a quase todo o Parque Nacional"?
O resto do artigo tem saltos geográficos estranhos (a mata do Cabril "estava quase totalmente cercada pelas chamas. Esta zona de protecção total do PNPG continuava, desde Domingo, ameaçada pelo fogo que começou em Vilarinho da Furna e que se mantinha incontrolado. A frente activa estava ontem, ao final do dia, bem próxima da aldeia de Ermida, já no distrito de Viana do Castelo.". Como? está em Cabril ou está na Ermida? Eu sei que visto num mapa parece mesmo ao lado, mas no terreno ainda vão mais de cinco quilómetros. Não é longe? Não, não é, mas para quem afirma que a mata do cabril está totalmente cercada de chamas, o que implica que o fogo está para o lado contrário da Ermida, é obra).
Já não falo da afirmação final sobre a mata dos Ramiscal ter ardido em 2006, afirmação mais que imprecisa (algumas zonas periféricas do Ramiscal arderam em 2006 e a mata está muito bem e recomenda-se, apesar do requiem que lhe fez o Miguel Dantas da Gama na altura e que o José Manuel Fernandes, acriticamente, ampliou num editorial do Público com mais emoção que razão).
Tudo isto são pequenas imprecisões, mas sempre, sempre no mesmo sentido: dramatizar, dramatizar, dramatizar (mesmo que pelo meio se diga que o fogo, junto ao emissor do Muro, é combatido por 55 bombeiros que não se aproximam da frente de fogo (e fazem bem) porque os carros não vão lá e o terreno é escarpado, pelo que o combate é feito de avião (que em qualquer fogo serve para apoiar o que se faz no terreno, não serve para substituir o combate terrestre)).
Um bom exemplo de como se criam ideias erradas na cabeça das pessoas: o Gerês ardeu, as matas estão em risco, está tudo preto, que enorme perda para o país.
Tudo ideias erradas, directamente apontadas à criação de emoções que impedem a discussão racional dos fogos, da sua gestão e da correcta afectação de meios à gestão do problema.
Valha-nos o Jornal de Notícias para dar conta do costumado bom senso de Humberto Rosa nesta matéria:
"Garantiu que as chamas ainda não atingiram a Mata de Cabril e explicou que esta, por ser composta, predominantemente, por folhosas não exige uma limpeza da mesma natureza das que se efectuam em área de árvores resinosas.
"Em 2006 houve um incêndio na mata do Rabiscal e muita gente disse, na altura, que se perdera a mata, mas não, ela sobreviveu", assinalou, frisando que "o mesmo pode suceder em Cabril, se o fogo lá chegar, pois há árvores de grande envergadura que podem sobreviver". "
"Em 2006 houve um incêndio na mata do Rabiscal e muita gente disse, na altura, que se perdera a mata, mas não, ela sobreviveu", assinalou, frisando que "o mesmo pode suceder em Cabril, se o fogo lá chegar, pois há árvores de grande envergadura que podem sobreviver". "
Adenda: por causa de uma pequena troca de argumentos no Blasfémias, reli o que escrevi em Maio sobre ignições. Achei que valeu a pena ter relido.
henrique pereira dos santos
5 comentários:
O grande problema aqui é a falta de informação dada também pelas autoridades juntamente com a falta de precisão da Comunicação Social.
So hoje avançam sobre o que se passou ontem nas Caldas / Chã da Pereira durante a tarde. As Caldas estiveram ontem de tarde a poucos minutos de ser evacuada e só hoje a comunicação socil fala disso.
Esta falta de precisão informativa é com certeza uma benece para o Min da Ambiente e Ordenamento do territorio (sublinho ordenamento do territorio), que consegue assim ir adiando um rol de criticas que obrigatoriamente terão de lhes ser feitas, obrigando ate na minha opinião a demissões, pricipalmente desse senhor que deu essa entrevista. Uma entrevista mentirosa, enganadora e claramente de fuga para a frente. Esse senhor teve a coragem de dizer que não falta vigilância no PNPG...?!
Se tivessem feito o trabalho atempadamente, atribiundo as viaturas ao PNPG para vigilância e primeiro ataque, não estariamos agora a discutir o indiscutivel, o PNPG é uma instituição sem meios, sem dinheiro, sem vontade e sem humildade!! E se há alguem responsavel por isso é sem duvida o ICNB e correspondentemente o Min Ambiente.
O modo como o unico PN em Portugal está a ser gerido (ou não) é uma vergonha nacional!
No que me diz respeito e como cidadão responsavel, não deixarei de tornar publicas as informações que se calhar não se quer que se saiba, elas são passadas cá para fora mas de uma forma muito serena e no meio da confusão que o pais atravessa com os incendios, acabam por passar despercebidas. Analisando o historico dos incendios, não se percebe que só ao 4º dia do incendio de Vilarinho (que ninguem sabe para onde vai nem de onde veio, so se sabe o nº de frentes) é que o Min. do Ambiente resolve accionar os meios disponiveis.
Outro facto tem a ver com o incendio da Calcedonia, esse incendio foi extinto na 2ª feira, este que lavra e é assim apelidado nada tem a ver com o incendio anterior, baste perceber que o incendio da Calcedonia era na encosta virada a Covide e nada tem a ver com este que se presupoe que começou na area da casa florestal de Lamas.
Saliento também que ontem à noite, houve ignições em Lapela, Adrão e Sobredo as 21h45, 21h46 e 21h51... como não acredito em coincidências, muito menos coincidências nocturnas, eis que se percebe neste exemplo a vigilância que existe no PNPG.
Caro Duk,
Penso que estará a misturar alhos com bugalhos.
O ICNB não é responsável pelos meios que tem, é apenas responsável por usar bem os meios que lhe são atribuídos.
Em qualquer casso o problema de fundo é a acumulação de combustível. Ora os instrumentos para gerir isso estão no Ministério da Agricultura que é quem gere as verbas para o mundo rural, nomeadamente através do PRODER. A forma como essas verbas são afectadas é uma responsabilidade do Minsitro da Agricultura e do Primeiro Ministro.
Quanto à informação, estou de acordo consigo: vi-me e desejei-me para tentar perceber bem de que fogos falamos, onde e com que evolução, mas está-se muito melhor que há alguns anos nessa matéria.
O que não estou de acordo é com essa ideia de que o problema são os incendiários (como não diz mas sugere).
Há razões para que apareçam focos de incêndio em simultâneo e em tempos muito próximos. Isso não quer dizer que não há incendiários, que haverá, com certeza. Mas nunca vi a administração de um banco queixar-se de que é muitas vezes roubada porque há muitos ladrões. Partindo do princípio de que há ladrões (e basta um) os bancos o que fazem é preparar-se para essa realidade, não é quaixar-se de uma realidade que nunca ninguém vai alterar.
Ignições haverá sempre.
O melhor é partir desse princípio, que é o único útil.
henrique pereira dos santos
Olá Henrique Pereira dos Santos,
Agradeço o seu esclarecimento!
Mas depreendo que nesse caso é necessário o ICNB requisitar esses meios? Se sim, será que o fez, ou será que não lhes foram satisfeitas as pretensões?
O combustivel de que fala é claramente um problema, problema esse que não é possivel solucionar com os meios do PNPG. Poque não usar o voluntariado? Se quem dirige o PNPG são as mesmas pessoas que gerem o PNLN e se no PNLN existe acordos para voluntariado estrangeiro que recebem todos os anos e este não foi excepção, porque não usar o mesmo sistema no PNPG? Por que é que o PNPG tem horror a voluntarios?? Dai eu afirmar que o PNPG é uma instituição sem humildade e sem vontade!
Entendo também pelo que me diz que sempre que haja uma situação destas dentro do PNPG tem de haver uma cordenação entre 3 ministerios, Agricultura, Ambiente e Administração Interna?
Relativamente aos incendiários, o problema existe e é real, mas concordo consigo que não é o unico problema. Se houver mais vigilância (neste momento não ha nenhuma, diga o secretario de Estado, o 1º Ministro, etc) entra o factor dissuasão que tambem conta nestes casos.
Para memoria futura o blog MonteAcima (compilando as informações via net) e o blog Carris (este mais incisivo no local)tem tentado obter o max de informação possivel (sublinho o possivel) de forma a que não se esqueça o que se está a passar e tentando também dar a importância devida a determinadas situações que estão a ser minorizadas.
Pedro
Gostei do blog.
Serra do Açor
Comento num post inadequado, mas é o q está mais à mão... Os estragos de ontem e o vento de noroeste:
http://rapidfire.sci.gsfc.nasa.gov/subsets/?subset=Europe_3_01.2010223.aqua.721.500m
P. Fernandes
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