sexta-feira, agosto 13, 2010

Opções políticas e maledicência


Há anos que teimo (e teimosia é um defeito que teimo em manter num grau exasperante) em meia dúzia de coisas sobre os fogos de Verão: a questão resulta de uma combinação extraordinária de acumulação de combustiveis e condições meteorológicas específicas, pelo que só uma economia consumidora de combustíveis pode obter resultados sustentáveis.
Coerentemente desvalorizo sistematicamente a discussão sobre o dispositivo de combate (até porque não sei nada do assunto) e discuto veementemente quer a fundamentação destas ideias, quer a necessidade de deslocar o foco da política de fogos da protecção civil para a economia do mundo rural.
Porque o fenómeno é muito complexo, há sempre dez explicações lógicas para cada facto (mas só uma que verdadeiramente estabelece as relações de causa/ efeito) o que torna esta discussão uma discussão muito circular.
E por isso me repito, repito e repito.
E também por isso procuro definir com clareza as relações de causa efeito para daí retirar conclusões.
Tudo isto é do puro domínio da opção política legítima.
Mas tem componentes técnicas que devem ser aprofundadas para que consigamos discutir.
Por exemplo, a situação hoje agravou-se, como seria de esperar, mas não tanto como eu estaria à espera. Na verdade o vento tem sido sobretudo de Nordeste e não um vento Leste típico.
Por isso encontramos temperaturas às quatro da tarde por volta dos trinta graus (em 2003 andavam mais perto dos quarenta), humidades em torno dos 30% (em 2003 eram bem abaixo desses trinta por cento). O vento é também muito diferente por estar agora em torno dos 10 Km/h (varia um bocado, claro) quando em 2003 andava quase sempre acima dos 30Km/ h.
Por isso é indecorosa a comparação feita primeiro por Rui Pereira, defendida num comentário a um post por Miguel Galante e hoje reafirmada por José Sócrates. Amanhã parece vir um novo agravamento, com condições mais típicas de vento Leste e no Domingo uma alteração de vento que dará aglum descanso antes de uma segunda outra vez mais complicada.
E digo-o porque acho que é assim e que é bom para a sociedade que as pessoas digam livremente o que pensam.
Mas curiosamente, na opinião de Miguel Galante, dizer isto é apenas sede de protagonismo (e se fosse, é ilegal? é imoral? é ilegítimo?), chama-me Miguel Sousa Tavares (que considero sem dúvida um insulto) e diz que o que eu defendo é pura maledicência, argumentando com uns índices construídos pelos serviços oficiais, que simplificam excessivamente a realidade, ao ponto de a tornar irreconhecível (2003, um ano de severidade meteorológica média, dizem eles). Não passa pelos vistos pela cabeça de Miguel Galante que quem acha uma coisa a defenda de forma sistemática, combativa e clara.
E no entanto, em matéria de fogos, o que está em causa para mim é uma mera questão de opção política: eu acho que o dinheiro dos contribuintes deveria ser aplicado na gestão de combustiveis e na protecção civil (no seu significado mais restrito de salvaguarda de pessoas e infra-estruturas, e não no seu significado alargado de protecção das florestas que é matéria que cabe aos produtores florestais) e não ser desbataratado em miragens sem grande sustentação como o "Portugal sem fogos".
Maledicência é procurar dar caneladas nos que pensam de maneira diferente para evitar que discutam política, não é apresentar opções políticas claras, como se procura fazer por aqui.
henrique pereira dos santos

4 comentários:

Mário Estevam disse...

Não conhecia este espaço e ainda bem que aqui cheguei. Perspectiva bastante interessante sobre um dos problemas do mundo rural que são os incêndios...

Lightnin' Jones disse...

Henrique,

Falta dizer que em 2003 a severidade foi média até aquela data no gráfico, depois começou tudo a arder no início de Agosto. Creio que no cômputo geral, e analisando a média à escala nacional, 2003 foi o 2º ano mais severo depois de 2005.
É também importante referir que há uma dimensão da meteorologia do fogo que os índices de perigo não reflectem: em 2003 a instabilidade atmosférica foi brutal, o que gerou incêndios dominados pela convecção e com vida própria, e esteve associada a muita trovoada seca que causou incêndios enormes no Alto Alentejo e Ribatejo.

P. Fernandes

Anónimo disse...

Na minha opinião, tão importante como o vento é tudo o que se passou a nível de massas de ar. No início de Julho tivemos uma primeira entrada de ar africano quente e seco, e no final de Julho outra, dessa vez um misto de ar seco e quente do interior da própria península e africano também. Finalmente a semana passada tivemos mais uma entrada africana, as poeiras do Sahara chegaram até ao norte do país:
http://www.meteopt.com/forum/meteorologia-geral/imagens-de-satelite-interessantes-3031-5.html#post223615

Quando há dias atrás referia que eram uns poucos dias do ano que acabavam por gerar a maior parte dos incêndios importantes, eu penso que esses dias especiais estão intimamente associados a estas massas de ar quente e seco de origem africana, e que merecem portanto especial atenção. E julgo que assim será, até porque estão na origem das nossas ondas de calor.

Em relação a 2003, penso que este ano não está ao nível desse, foi algo de raro e excepcional, talvez ao próximo do que se tem passado nas últimas semanas na Rússia por exemplo, e esperemos que não se repita nunca mais.

De qualquer forma, não está propriamente a ser um ano meigo, antes pelo contrário. Não tenho todos os dados, mas julgo que apesar de Julho deste ano ter tido médias das máximas mais alta desde 1931, as mínimas penso que foram mais modestas. Em 2003 foi algo infernal, por exemplo a Amareleja esteve 17 dias seguidos com uma máxima >=40ºC, 24 dias >=35ºC ou 29 dias >=30ºC. Castelo Branco também foi infernal, quase todo interior centro e sul sobretudo. Em 2003 bateu-se o recorde nacional da temperatura, 47.3ºC na mesma Amareleja, este ano em Julho a mais alta foram 43ºC em Coruche em Julho e em Agosto até agora 42,3ºC na Amareleja.

Mas como referi, penso que este ano não está nada meigo, talvez não seja tão evidente nos extremos, mas o seja nas médias. Será mais fácil perceber quando houver mais dados.

Sobre as declarações dos políticos, bem, sempre foi assim, e é uma coisa reciproca. As populações e media acusam políticos, muitas vezes injustamente pois nestas alturas criticas por muito que se faça, não há volta a dar, e os políticos respondem por vezes coisas que podem não corresponder inteiramente à verdade. É um bocado do circo habitual destas tristes circunstâncias, nos anos em que as condições meteorológicas são meigas elogia-se os bons resultados, quando são adversas diz-se que a situação é radical.

Pessoalmente até acho que as coisas estão de facto melhores hoje em dia a nível de organização, prontidão e formação do que estavam em 2003, mas eu olho para isto tudo de uma forma bastante critica pois não é na vertente da luta contra o incêndio que se tem que canalizar os esforços. Mas os erros do passado são tantos, que partilho um pouco a opinião do João Miranda do Blasfémias, com este tipo de floresta e a realidade social actual das mesmas, quanto mais incêndios se combatem hoje, mais biomassa acumulará para o ano em que as condições meteorológicas adversas surgem. E acabam sempre por surgir um dia, e nas alturas criticas por muitos meios que existam, o desfecho é sempre o mesmo. Sem medidas de fundo, estaremos eternamente neste ciclo. Provavelmente nem haverá solução para isto.


continua:

Anónimo disse...

(continuação)


Sobre a questão do vento "Suão" falada ontem, pois não sei, eu já tenho essa dúvida há imensos anos. Da adolescência recordo sempre o vento suão como o vento quente e seco de algumas noites de Verão que geralmente era sueste ou leste, mas não obrigatoriamente, as populações acabavam por chamar suão sempre ao vento seco e quente, mesmo que este viesse por exemplo de nordeste, embora esse fosse menos habitual. Mas posso estar enganado.

Nos últimos anos tentei perceber a origem do nome, pois este à partida significaria "sul" como você refere, e tudo indica que de facto é mesmo isso.

O Instituto de meteorologia no seu site diz:

«Vento suão é a designação que habitualmente é dada em Portugal (em especial no sul) a um vento de sul ou sueste que transporta uma massa de ar quente e seco.»


Do qual retenho o "quente e seco", que penso que é mesmo o mais importante, ou seja, será o vento associado às entradas de ar quente e seco proveniente do norte de África (e não associado a trovoadas como referiu, que esse é mais sudoeste), e no fundo é o tipo de situação sinóptica que tivemos algumas vezes nos últimos tempos, e que noutras partes do país acaba por corresponder a vento seco não necessariamente proveniente de sul, embora a massa de ar efectivamente o seja, bem como do interior da península quando ela consegue aquecer bem.

A Madeira nos últimos dias também foi afectada por este tipo de massa de ar, lá chamam a isto o "Tempo de Leste", e curiosamente hoje tornou-se palco das chamas:
http://www.meteopt.com/forum/seguimento-meteorologico/seguimento-incendios-2010-a-4567-14.html#post224414

Julgo portanto que mais importante que o quadrante exacto do vento, as populações acabam por relacionar o vento mais ao quente e seco do que propriamente ao quadrante exacto

Tive esta discussão há poucos anos com uma pessoa, e ela até me disse que suão não era de "sul", mas de suor :-)

Ahh, e para aumentar ainda mais a confusão, já vi um algarvio chamar suão ao característico vento norte :) que por vezes ocorre no litoral a sotavento das serras quando o vento de norte empurra o ar quente do Alentejo para sul, e este ar quente por efeito Foehn aquece e seca ainda mais, gerando uns característicos "bafos" bastante insuportáveis trazendo temperaturas por vezes surpreendentes a meio da manhã ou ao final da tarde.


Já agora, como referiu, temos tido bastante vento nordeste e não tanto aquele leste ou sudeste que eu normalmente associo a estas situações de calor e incêndios, nas últimas semanas tem-me intrigado a razão porque houve tanta concentração de incêndios no noroeste do país, quando o mesmo vento, de nordeste e leste, também existia noutras regiões como o interior norte e centro. Não sei se é disparate, mas depois de pensar um pouco sobre o assunto, até foi por isso que descobri este blogue e reparei que falava também do vento nordeste e do facto dos incêndios estarem remetidos a uma região, dizia eu, pode também haver aqui um efeito Foehn, das serras espanholas e das portuguesas do noroeste do país, ou mesmo mais a sul como Montemuro, etc.
O vento de nordeste que transportava ar já bastante seco ainda perde mais humidade e aquece a sotavento das serras:
http://en.wikipedia.org/wiki/Foehn_wind


Por exemplo nesta estação meteorológica particular em Melgaço, é impressionante a baixa humidade da mesma nesta região (não é propriamente o Alentejo...) durante imensos dias com vento nordeste:

http://www.wunderground.com/weatherstation/WXDailyHistory.asp?ID=IRNAMELG2&day=13&year=2010&month=8&graphspan=month


Peço desculpa pelo longo testamento, cumprimentos.