terça-feira, outubro 05, 2010

O dinheiro do público (prioridade e urgência)

O Miguel diz:
"Eu manifesto perplexidade por se deprimir a economia cortando salários, congelando pensões, aumentando impostos, etc, mantendo investimentos, desnecessários, em submarinos" e continua, especificamente para mim: "não percebo a tua complacência com os gastos em submarinos e a tua animosidade a investimentos estruturarais, como é o caso do TGV."
Tudo começou por eu questionar a forma como o Miguel coloca a discussão, exactamente por achar que não se pode discutir alternativamente cortar salários e etc., e pagar ou não um investimento contratado.
Primeiro as questões práticas, depois as de substância.
Que o Estado está falido é uma evidência (e é arrepiante olhar para os compromissos futuros já assumidos e não constam da dívida para já).
Como todos os dias, a todas as horas estamos a consumir 110 quando produzimos 100, naturalmente precisamos que alguém nos empreste dinheiro.
Claro que quem tem dinheiro apenas empresta se tiver ums expectativa razoável de vir a receber o dinheiro mais tarde, sendo que o juro que nos cobra por esse empréstimo está directamente relacionado com o risco que associa à possibilidade de não ser pago.
A situação neste momento é a de uma urgência: temos contas para pagar amanhã e o cofre está vazio. Como continuamos alegremente a gastar 110 e a produzir 100, o emprestador está a cobrar-nos um risco elevado e a diminuir a sua disponibilidade para nos emprestar dinheiro.
Cortar salários, aumentar impostos e etc., tem um efeito recessivo inegável. Com isso diminuímos a nossa capacidade de honrar a dívida. Mas tem como resultado uma diminuição sensível e imediata dos gastos do Estado que, aos olhos de quem nos empresta dinheiro, aumenta a confiança em que venhamos a pagar a dívida.
Imaginemos que em vez de fazer isto, resolvíamos não pagar compromissos jurídicamente claros. Para além de ser duvidoso que não tivessemos de qualquer maneira que pagar, obrigados pelo tribunal, a verdade é que demonstrar que os compromissos titulados internacionalmente (e tanto faz que sejam submarinos ou chupa-chupas) eram letra morta para nós, só faria aumentar a desconfiança, tendo como resultado o fecho da torneira do crédito ou o pagamento de juros exorbitantes (ou um mix das duas coisas). O resultado seria ainda mais desastroso para uma economia completamente viciada no crédito.
Acresce que cortar salários na administração coloca o patamar para a evolução futura mais abaixo, não pagar um submarino tem um efeito pontual nas contas de um ano, mantendo inalteradas todas as condições que nos levam à falência do Estado.
Portanto não se podem discutir as alternativas no termos em que o Miguel as pôs porque uma responde ao problema, a outra não.
Passemos às questões de substância.
O que tenho dito sobre os submarinos (para além da questão prática de ser um compromisso juridicamente forte) é que não sei discutir o assunto porque não sei o suficiente de defesa nacional nem das modernas funções de defesa, nem das modernas possibilidades dos submarinos.
Se, como afirma o Miguel, os submarinos forem inúteis, só tenho de lamentar que vários Governos e vários ministros e vários primeiros-ministros tenham sempre mantido e garantido a sua utilidade e imprescindibilidade.
Vamos então à questão dos investimentos estruturantes.
Quando um Estado tem dinheiro, é livre de fazer opções. Quando está falido, faz as opções que quem tem dinheiro lhe permite. Quando é o Estado português governado por um inimputável, toma decisões absurdas e culpa os outros pelos resultados.
Tomemos um exemplo.
As parcerias publico privado foram criadas para as situações em que as melhorias de eficiência de uma gestão privada de um determinado projecto (por exemplo, a operação de um hospital) eram suficientemente grandes para cobrir os sobrecustos decorrentes do financiamento privado ser mais caro (o risco é maior com os privados que com o Estado) e ter de incluir a remuneração do capital.
O Estado português resolveu inovar, usando as parcerias para criar dívida futura sem aumentar o déficit presente, baseando-se em conceitos de economia voodoo. Estes conceitos postulam que os projectos vão gerar uma economia cujos impostos vão servir para pagar a dívida no futuro. Pura roleta, pura economia de casino, porque se as previsões estiverem mal feitas (e em Portugal têm estado sempre) quem fica com os custos operacionais é o Estado (outra das inovações do Estado português, porque nas parceira público privado o risco fica sempre do lado do concessionário, sendo esse o motor da melhoria da eficiência, mas em Portugal o Estado assume o risco em dezenas de situações).
Uma coisa é fazer um ponte (um dos dois exemplos que George Soros dá hoje no Financial Times a propósito dos Estados Unidos) cujos custos de operação são marginais. Outra coisa é operar comboios, cujos custos operacionais existem sempre e são muito relevantes.
Se o Estado português fizesse a linha e concessionasse a operação com o risco do lado do concessionário, a discussão sobre o TGV prender-se-ia apenas com questões de oportunidade (há ou não dinheiro para isso? Hoje não, mas amanhã haverá. Encantado, faz-se amanhã). Só que não é isso que está em cima da mesa (por isso dei o exemplo de outro projecto estruturante, Alqueva, com problemas semelhantes).
O que está em cima da mesa é não só criar dívida para construir (atirando para as gerações futuras o seu pagamento), como ao contrário do que diz o Rui Tavares no seu texto, não é garantido que haja crescimento futuro porque uma exploração deficitária não só não paga a dívida como a agrava.
Daí que o dinheiro do público deva ser muito parcimoniosamente usado, não para deprimir ou estimular a economia (essa é a função das empresas, não do Estado), mas para criar condições para o desenvolvimento da economia (boa e eficaz justiça, segurança de pessoas e bens, defesa nacional proporcionada, diplomacia eficaz, património colectivo bem gerido,etc.), ou para a resolução dos problemas que o mercado não resolve eficazmente (apoio social aos excluídos, resolução de falhas de mercado e por aí fora).
Projectos estruturantes, Miguel, não sei o que são. Só conheço investimentos com retorno positivo (e não é necessariamente económico ou financeiro, pode ser simplesmente a escolha social, como boas áreas protegidas, por exemplo) e investimento sem retorno (na verdade, desperdício), que para além de ser delapidador da riqueza nacional, ainda cria impactos negativos (muitas vezes ambientais, mas não só), apreciáveis em muitos casos.
Se num momento em que o Estado para resolver uma crise económica quiser investir, sabendo que é a fundo perdido, pois que o faça, mas que o faça em coisas que não obriguem a exploração deficitária, mas que tenham utilidade social. Submarinos não é a coisa mais óbvia para mim (embora não exclua a modernização das forças armadas, prefiro, por exemplo, a compra de terrenos com interesse para a conservação e que não necessitem de gestão activa), mas pior que isso são os projectos deficitários que para cumprirem a sua função social precisam de uma gestão activa e uma operação deficitária.
Olhar para o gráfico do último post e ver o peso que estamos a pôr em cima dos nossos filhos, de forma consciente, devia levar-nos a pensar como é possível que seja essa a opção do Governo.
E há três opções: ou somos governado por um indivíduo completamente irresponsável, incompetente e inconsciente; ou somos governados por um indivíduo absolutamente cínico e aldrabão que não hesita em sacrificar o futuro dos outros ao seu poder imediato; ou somos governados por um alienado que vive numa realidade paralela, com vagas ligações com o mundo das pessoas comuns.
Porque independentemente das opções entre submarinos e tgvs, a verdade é que a compromissos anteriores dificilmente suportáveis se foram somando de forma indecorosa mais e mais compromissos, sem outra base que não a contabilidade criativa, até à situação de depressão económica em que estamos a entrar.
E fomos nós que optámos por isso, não foi uma fatalidade inevitável.
henrique pereira dos santos

26 comentários:

José M. Sousa disse...

O que escreve, embora possa ter alguma verdade pelo meio, é uma tremenda confusão, aliás, tal como no "post" anterior. Faria bem em ler alguma coisa mais aprofundada sobre o assunto.

Gonçalo Rosa disse...

José M. Sousa,

O texto não só não me parece confuso, como até creio bastante acertivo.

Ao invés de recomendar leituras mais aprofundadas ao Henrique, talvez fosse útil indicar eventuais discordâncias, erros e qual a "tremenda confusão". A discussão só teria a ganhar.

Gonçalo Rosa

Luís Lavoura disse...

Excelente texto.

Penso que o Henrique poderia bem fzaer parte do Movimento Liberal Social.

Anónimo disse...

Assertivo ou acertado? ;-)

IsabelPS

Gonçalo Rosa disse...

José M. Sousa,

IsabelPS,

Acertado! Acertado!!! "Acertivo" nem sequer existe... obrigado pela correção.

Gonçalo Rosa

Anónimo disse...

Concordo com os parabéns.
Quem não considera chocante passar-se para as gerações vindouras a iresponsabilidade de se gastar, durante anos a fio, de 101 a 110 em lugar de 100, só pode ser um absoluto egoísta. Ou então gays ou animalistas que possuem cães e gatos em lugar de filhos.

EcoTretas disse...

Henrique,
Hoje estou totalmente de acordo consigo.
E juntaria aos seus bons exemplos, um ainda melhor: as tarifas feed-in da maioria das energias alternativas, a que por via das circunstâncias se estão a somar todas as outras... E que agora se preparam para continuar com a indecorosa venda das novas licenças para novas barragens, até ao final deste mês...

Este último exemplo das barragens é uma fraude financeira absolutamente indescritível! Ver mais em http://ecotretas.blogspot.com/2010/09/o-barrete-das-mini-hidricas-vem-ai.html

Ecotretas

José M. Sousa disse...

É confusa porque se está a misturar alhos com bugalhos. Como já cheguei à conclusão que há certezas definidas a priori; que se pode julgar com base no senso comum um assunto que tem alguma complexidade, não me resta outra alternativa que não aquela que sugeri.

Anónimo disse...

Isto parece vir a propósito:

http://www.finfacts.ie/irishfinancenews/article_1020390.shtml

Números de 2009:

http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_sovereign_states_by_public_debt

IsabelPS

Anónimo disse...

Concordo! Para julgar com sabedoria assuntos com alguma complexidade exige-se senso incomum.
Volta Nero que tens séquito garantido.

Gonçalo Rosa disse...

Caro José M. Sousa,

É caso para dizer que o seu comentário é, de facto, bastante confuso... mas enfim, que fazer quando prefere não detalhar eventuais erros, discordâncias ou confusões...

Gonçalo Rosa

Miguel B. Araujo disse...

Henrique,

O teu post merece dois comentários da minha parte:

1. Continuas a deturpar, mesmo após ter feito uma clarificação num "post" anterior teu, os termos da minha perplexidade. Sei que dá jeito deturpar o que diz quem de nós discorda pois facilita o argumento, mas simplesmente não é correcto. Repito, a questão colocada não é se devemos baixar salários e subir impostos EM VEZ de cancelar os contratos de compra dos inúteis mas caríssimos submarinos. Não leste uma única linha minha defendendo que não se deve reduzir a despesa com carácter de urgência mesmo que isto implique custos sociais elevados. Portanto não é necessário tentar convencer-me da bondade das medidas agora avançadas pois estou perfeitamente consciente que chegados onde chegámos restam poucas alternativas a um emagrecimento forçado e indiscriminado do Estado (agora é tarde para reformas estruturais ainda que estas deveriam seguir-se a estes cortes). O que eu disse é que quando se avançam com medidas drásticas como as que foram agora propostas, obrigando os cidadãos que paguem os desvarios dos políticos e da banca, é necessário, a bem da coerência, do bom senso e da vergonha na cara, cancelar os gastos desnecessários que pesam sobre a dívida.

Podemos discutir se os submarinos são necessários ou desnecessários (ainda que conceito de "necessário" seja sempre mitigado quando o país está à beira do colapso) mas o argumento de que existe um contrato que temos de honrar não convence. Primeiro porque este contrato já foi alterado várias vezes demonstrando que existe capacidade de manobra. Uma das alterações foi a redução do número de submarinos. Outra foi o aumento do preço dos submarinos em 63.6 milhões de euros!! Por outro lado, o processo de aquisição dos submarinos está envolto em suspeitas de corrupção pelo que não parece inoportuno protelar a conclusão do contrato até que se esclareçam judicialmente os casos. Segundo, porque são vários os tipos de contratos que têm sido cancelados durante esta crise. Se alguma vantagem têm as crises é que aligeiram a percepção dos agentes sobre a inamovibilidade do "status quo". Sim, há contratos que são informais (como o contrato social que um governo estabelece com o seu eleitorado). Não creio que estes sejam menos importantes pois um País com instabilidade social e sem consenso sobre as medidas a adoptar face à crise é um País que não inspira confiança aos credores, logo um País propenso a pagar caro os seus juros. Mas não são só estes contratos informais estão em causa. O TGV é um exemplo. O Estado Português pode cancelar o dito mas terá de pagar por isso ao Estado Espanhol (a menos que este seja cancelado também em Espanha) e às empresas a que entretanto se adjudicaram as obras (e encaixar o custo das expropriações entretanto efectuadas). Acresce que, ao contrário do caso dos submarinos, os custos de cancelar o contrato não são apenas directos.

Miguel B. Araujo disse...

(cont)

2. Isto leva-nos ao meu segundo comentário. Dizes que não sabes o que são projectos estruturantes. Eu explico-te. Um projecto estruturante é um projecto que ajuda a lançar as bases de uma economia. Que cria condições para aumentar a competitividade dos agentes económicos através da criação de infraestruturas que dificilmente seriam pagas por agentes privados. Uma linha de caminho de ferro é claramente um projecto estruturante. Um aeroporto também (ainda que no contexto histórico actual seja um investimento de duvidoso retorno - ler o que o Luís Lavoura tem escrito sobre o assunto e com o qual concordo na integra). Concordo que o ideal seja que estes projectos sejam economicamente viáveis no sentido dos custos de criação da infraestruturas poderem ser pagos na totalidade pelos seus utilizadores num horizonte temporal razoável. Mas as contas relativamente a estes projectos não se fazem apenas pela rentabilidade directa do investimento. Por serem estruturantes, as contas sobre a rentabilidade do investimento fazem-se pelos empregos criados, pelas empresas beneficiadas, pelos impostos arrecadados, e pelas novas exportações que se ganam em virtude do investimento feito. Também entram nas contas os custos de oportunidade que advêm de não efectuar a obra. Melhor dito, de se efectuar a obra até Badajoz parando aí a linha. Que empregos se perdem? Que empresas se deslocalizam? Que impostos se deixam de cobrar? Que exportações se perdem e se transformam em importações? Tudo isso há que contabilizar para se saber se um projecto estruturante é rentável para o País. Mas como essas contas são impossíveis de fazer (implicam projecções socio-económicas impossíveis de fazer), há que argumentar com base na lógica, no exemplo e na experiência obtida noutros Países.

Respondes-me com o Alqueva mas infelizmente não faz qualquer sentido. O Alqueva assentava numa série de mitos: 1) o mito de que o destino do Alentejo seria transformar-se no celeiro de Portugal; 2) o mito de que para ser celeiro bastava regar; 3) o mito de que o Alentejo estava povoado por agricultores que mal viesse a água se transformariam em empresários agrícolas. A crua realidade é que o Alqueva nunca foi um projecto estruturante para os dias de hoje. Talvez fizesse sentido na autocracia de Salazar e na reforma agrária desejada pelo PCP mas fora destes contextos sempre foi um fiasco anunciado. Como sabes fui umas das pessoas que anunciou o fiasco pelo que vires agora argumentar contra o contra-senso dos projectos estruturantes usando o Alqueva, parece piada.

Estou eu a dizer que se justifica construir o TGV agora em vez de se comprar os submarinos? É melhor clarificar não vás tu escrever um post dizendo que eu coloquei o assunto nestes termos. Não, o que estou a dizer é que estranho a tua complacência com o último gasto e a tua animosidade face ao primeiro. A tua distinção reside nos custos de manutenção. Uma ênfase interessante ainda que faltem os números para que a discussão seja frutífera. Porém, para que a distinção seja completa faz falta encaixar todas as variáveis da equação que resolveste deixar para trás mas que são essenciais para saber se um investimento como TGV faz sentido ou não.

Miguel B. Araujo disse...

Questão semântica: prioridade e urgência que dizer o mesmo.

José M. Sousa disse...

Caro Gonçalo Rosa

Cheguei à conclusão que não vale a pena o esforço.

José Meireles Graça disse...

Texto luminoso, não posso senão aplaudir. Sobre a confessada ignorância do autor (que é também a minha)sobre defesa e necessidade e funções dos submarinos, estranho que duma decisão confirmada por, salvo erro, três governos e um número ainda superior de ministros da Defesa não haja qualquer rasto nas discussões na blogosfera. O assunto transformou-se numa clivagem direita envergonhada/esquerda simplista, direita militarista/esquerda pacifista. Suponho que haja quem aporte argumentos racionais. Onde estão?

Miguel B. Araujo disse...

Caro JMG,

Não se trata de ser de esquerda ou de direita, nem o facto de 3 governos terem dado seguimento a esta compra demonstra que é uma compra imprescindível, ou mesmo razoável no quadro da fragilidade das nossas contas públicas. Exemplos de erros sequencialmente apadrinhados pelo PS e pelo PSD-CDS abundam (como aliás abundam os erros dos diferentes monarcas deste País que o levaram à ruína noutros tempos). Um deles é o Alqueva que neste blogue muitas vezes se referiu e que até tem uma etiqueta específica.

A questão é de racionalidade e bom senso. Não tenho dúvidas que os submarinos são desejáveis para a modernização das nossas forças armadas. Também me parece normal que, no quadro da NATO e da UE, queiramos aportar um contingente respeitável e estar em posição de oferecer serviços além de os receber. Também não me custa crer que os ditos submarinos fossem úteis para patrulhar a nossa costa (ainda que ninguém tenha demonstrado que mais umas corvetas não pudessem cumprir o serviço). Num mundo onde os recursos abundam e não é necessário fazer escolhas difíceis estes argumentos seriam razoáveis.

Acontece que não vivemos nesse mundo. A realidade é que Portugal está com dificuldade de demonstrar a sua viabilidade económica. O problema vai mais além da presente conjuntura deficitária. A crise não vem de hoje e a economia não produz o suficiente para suportar a sociedade de bem estar que todos desejamos.

Neste contexto a premência da aquisição dos submarinos é extemporânea. Por muito que os argumentos acima apresentados sejam válidos, a verdade é que 1) não estamos em guerra com ninguém nem é provável que venhamos a estar no futuro próximo; 2) estamos numa NATO e UE que fornece protecção contra "inimigos" potenciais; 3) podemos contribuir e já contribuímos para esta aliança cedendo bases militares, contingentes humanos e um parco equipamento militar proporcional ao parco orçamento do País. Não faz qualquer sentido pormos-nos em "bicos de pés" em matéria de defesa pois os gastos militares em tempos de paz têm de estar em sintonia com a produtividade económica de cada país. Acresce que os inimigos actuais dos nossos amigos não são os Russos, nem sequer os Chineses. São o movimento terrorista internacional. É contra estes que urge tomar medidas de defesa e contra estes os submarinos são de pouca utilidade.

Portanto e sublinhando o facto de nos encontrarmos num período de paz e à beira de perder a nossa soberania (não é brincadeira, está em cima da mesa os países "faltosos" perderem direito de voto nas instâncias comunitárias), a prioridade não pode estar nos submarinos mas sim em endireitar a economia.

Naturalmente que no debate sobre como endireitar a economia haverão perspectivas para todos os gostos. Mas o que ninguém negará é que o recurso ao endividamento externo num contexto de juros altos, deverá ser acompanhado de alguma expectativa de que este investimento tenha um retorno positivo na balança de pagamentos do País.

Anónimo disse...

Mas antes que mal pergunte: os ditos submarinos não foram comprados aos alemães, os tais que supostamente nos vão tirar deste mau passo? E entretanto li algures uma história um bocado parva, do género "os submarinos estavam para entrar no orçamento do ano que vem, mas os alemães insistiram em que um pelo menos tinha de entrar no deste ano". O nosso Governo sendo o que é, o que eles dizem não inspira muita confiança. Mas quando leio por outro lado que os alemães vão meter na dívida pública deles mais de 200 milhares de milhões de euros de "activos tóxicos" do banco que não passou os testes

http://imarketnews.com/node/17874

fora o resto, eu pergunto a mim mesma se o Governo português tem realmente escolha (neste momento, claro, não discuto o wishful thinking, em que aliás estão bem acompanhados). Neste contexto:

http://www.economist.com/content/global_debt_clock

eu temo que se esteja a discutir o sexo dos anjos.

IsabelPS

Henrique Pereira dos Santos disse...

Miguel,
Se deturpei a tua posição é porque a interpretaei mal, não é por me dar ou não jeito para a discussão.
Comecemos pela questão semântica: prioridades e urgências são coisas completamente diferentes e um dos maiores riscos da gestão são as urgências abafarem as prioridades.
A urgência neste momento é manter o crédito, a prioridade é reestruturar a economia por forma a produzir mais bens e serviços transacionáveis.
Os submarinos podem ser uma prioridade (ou o TGV) mas é mais que duvidoso que sejam urgências.
Quanto ao resto.
Levantas algumas objecções aos meus argumentos de ordem prática mas algumas dessas objecções não são verdadeiras.
Que os contratos se podem renegociar estamos de acordo. Mas sempre que o Estado renegoceia em estado de necessidade o mais provável, tendo em conta o registo histórico, é ficar a perder na renegociação (lusoponte, scuts, submarinos, terminl de contentores de Lisboa, por aí fora). É que uma renegociação pressupõe que a outra parte do contrato esteja de acordo.
Acresce que quando dizes que se renegociaram ops submarinos para os passar de quatro para dois estás enganado. Havia a intenção (lei de programação militar? não sei) de adquirir quatro submarinos no governo Guterres. Ainda no governo Guterres todo o processo foi montado para a aquisição de três submarinos. Nos governos de coligação PSD/ CDS apenas se adjucaram dois, já por restrições orçamentais. Só a partir desse momento existem obrigações contratuais. A outra renegociação de falas não conheço (conheço mal o processo) mas parece-me evidente que à medida que o tempo passa e a outra parte do contrato vai gastndo os seus recursos no cumprimento do que está contratado, mais difícil será aceitar a quebra contratual (é fácil perceber, se te encomendam um submarino, que custa balúrdios e quando está pronto te dizem que podes ficar com ele que afinal não tenho dinheiro...).
Portanto do ponto de vista prático os submarinos não estão nas mesmas condições que outros contratos (implícitos ou não). E isso é independente da discussão da sua utilidade. Já agora, o governo incumbente teve seis anos para parar a decisão e não a parou, não fazendo sentido ser agora que o faz, com custos de indeminizações que provavelmente implicariam não só o preço total dos submarinos como todo o processo de contencioso inerente.
henrique pereira dos santos

Miguel B. Araujo disse...

Henrique,

No meu léxico, prioridade é a hierarquização de valores em função da sua urgência. Valores reflectem a contribuição de um objecto, ou acção, para um objectivo. O TGV terá valor na medida em que contribui para um objectivo de desenvolvimento. Será urgente se tiver de ser executado antes que outros projectos. A prioridade é relativa: há acções que podem ser mais urgentes que outras. Mas é possível que uma acção prioritária (urgente) tenha um contributo menor para um objectivo (p.e., para o desenvolvimento do País). É urgente pois sem ela, não é possível obter valor de outras acções. Nesse caso terá uma prioridade elevada e um valor baixo. É o caso do pagamento da dívida.

Tenho em crer que a tua distinção é entre prioridade e valor mais do que prioridade e urgência que, pelo menos no meu léxico, são análogos.

Enfim, bagatelas semânticas.

Quanto ao resto, ficou por explicar a questão da corrupção e as oportunidades que abre, ou não abre, para cancelar ou, pelo menos, protelar a conclusão do contrato.

José Meireles Graça disse...

Meu caro Miguel Araújo: Confessei acima a minha ignorância em assuntos de defesa. Todavia, os argumentos que alinha no seu 4º parágrafo poder-se-iam aplicar à maior parte do equipamento da Marinha, e até do resto das Forças Armadas, o que me deixa, no mínimo, desconfortável. Pelo que pude perceber, aliás, a ideia que faz da Marinha possível nas actuais circunstâncias fá-la equivaler a uma mera Guarda Costeira. Não estou preparado para uma discussão deste tipo, mas custa-me a aceitar que estejamos tão mal que encaremos como inevitável uma evolução para uma espécie de Costa Rica europeia. No caso específico dos submarinos, pergunto-me se o know-how necessário para utilizar este tipo de equipamentos não se perderia em caso de adiamento. Cordiais cumps.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Prioridade implica hierarquizar em função da importância, não da urgência (é prioritário alterar o perfil da economia, mas pode ser urgente ou não, consoante temos margem de manobra maior ou menor para o fazer. Por acaso também é urgente porque deixámos criar dívida, mas poderia não ser).
Fumos de corrupção existem em todos estes processos como sabes, quer subamrinos, quer adjudicações de obras e tal. Mas nos submarinos existe uma investigação formal. Só que isso é um problema de Portugal, não é da outra parte, aparentemente. Mas ainda que seja, como te digo isso gere-se a partir de um contencioso que é incompatível com a urgência da dívida.
Até hoje não vi o governo pôr sequer a hipótese de não cumprir o contrato alegando corrupção havida há sete ou oito anos. Conhecendo este governo como todos conhecemos suponho que isso quererá dizer que as probabilidades jurídicas de isso levar a algum lado devem ser nulas.
Quanto ao paralelismo que estabeleci entre Alqueva e TGV (que consideraste uma piada porque entendes que Alqueva se baseava em mitos), fi-lo conhecendo exactamente a tua posição (e de muita gente) porque os mitos são exactamente do mesmo tipo dos que sustentam Alqueva.
Repara, a Finlândia não definiu os telefones como estratégicos nem foi a correr fazer infra-estruturas para viabilizar a Nokia. A Suécia o mesmo em relação ao IKEA (ou a menos conhecida mas importante CeA). Se te deres ao trabalho de visitar a sede de um dos líderes do mercado de tubo galvanizado na Europa, verás que é numa aldeia do centro de Portugal, saindo os camiões para uma via rural, passando por várias aldeias para chegarem a grande parte da Europa. A Renova, sendo um player marginal no mrcado do tissue, com desvantagens importantíssimas pela sua localização geográfica marginal (o papel higiénico tem um enorme volume para o seu peso, o que faz disparar os custos de transporte), tornou-se mundialmente conhecida e reconhecida com a invenção do papel higiénico preto, ultrapassando muitos dos contrangimentos da sua localização (mais uma vez numa aldeia sem condições especiais. Ou seja, o que te digo é que sejam os produtos portugueses competitivos e não será a falta de infra-estruturas (dentro de limites) que os impedirão de se vender e criar valor.
Pelo contrário, a mobilização da economia para a criação de infra-estruturas claramente sobredimensionadas (conheces bem a auto-estrada para Évora) retira dinheiro e crédito à economia, sobretudo quando essa infra-estruturação se deixou de fazer com o dinheiro disponível no Estado e se passou a fazer com rendas futuras que ninguém sabe muito bem como vão ser pagas.
Criar valor, quem cria, são as empresas (claro que há excepções, o próprio schumpeter refere os serviços agrícolas americanos da primeira metade do século XX como desempenhado a função do empresário). O Estado pode criar melhores ou piores condições, mas a infra-estruturação é apenas um pequena parte das condições de competitividade das empresas.
henrique pereira dos santos

Pedro Bingre do Amaral disse...

Não deixa de ser curioso o empenho posto pelos governos francês e alemão na venda de submarinos à Grécia e — já agora — a Portugal, sabendo de antemão como tais compras empurrarão ainda mais estes países para o abismo da bancarrota.

Miguel B. Araujo disse...

JMG,

A comparação que faz com a Costa Rica não me choca pois é um País que admiro. Em todo o caso, a comparação que devemos fazer é com outros parceiros Europeus. Respondi-lhe a esta questão num novo post.

Henrique,

"Prioridade implica hierarquizar em função da importância, não da urgência"

Não Henrique. Algo que seja importante mas que não seja urgente não é prioritário. Da mesma forma, algo que não seja importante, dificilmente será urgente. Mas se for, passará a ser prioritário. Pelo menos é este o contexto em que se usam estas palavras na ciência do planeamento para a biodiversidade e não vejo razão pela qual deva ser diferente no quadro da discussão que estamos a ter.

"(é prioritário alterar o perfil da economia, mas pode ser urgente ou não, consoante temos margem de manobra maior ou menor para o fazer. Por acaso também é urgente porque deixámos criar dívida, mas poderia não ser)."

Ser prioritário alterar o perfil da nossa economia quer dizer que é urgente. Podes dizer-me que é mais urgente resolver o problema das nossas contas públicas pois é algo que tens de fazer antes de resolver os problemas estruturais. Portanto, de acordo com o meu léxico, é mais prioritário resolver as contas públicas que mudar o perfil da economia.

Como disse é mera semântica mas a distinção que fases entre urgência e prioridade parece-me prosaica mas inconsistente com a utilização dada em contextos onde estas palavras são ponderadas com mais cuidado.

Nuno disse...

JMG mencionou que "não estamos tão mal" que tenhamos que abolir o exército como a Costa Rica.

Sendo que a Costa Rica e a Islândia são países em que a protecção marítima é fulcral para os seus interesses, que dominam constantemente índices de qualidade de vida e ambiente (mesmo apesar da Islândia ter estourado com a crise de crédito) e que não têm exército, apesar de um estar num ponto estratégico no Atlântico e outro estar rodeado de vizinhos belicosos, pergunto-me qual é exactamente o "estar tão mal" como a Costa Rica neste respeito.

A Islândia pondera exactamente juntar o material bélico e pessoal dos vestígios da sua Marinha na Guarda Costeira e a Costa Rica conta adquirir navios e material "militar" para vigiar as reservas marinhas pioneiras que se prepara para criar na sua costa, aumentando os 25% da área do país que já é parque nacional ou paisagem protegida.

Os gastos militares destes países que não têm exército não são um "penacho" mas intervêm directamente na protecção de recursos comerciais e ambientais e não em hipotéticas reconquistas de Ceuta por via submarina.

José M. Sousa disse...

At the heart of the matter is the fact that commercial banks are allowed to create almost all the money we use. They create it out of thin air and put it into circulation in the form of profit-making loans. They credit those to their customers' accounts by a simple accounting procedure, and their customers spend the money into circulation.