sábado, março 12, 2011

À atenção de quem quer discutir os efeitos das barragens no desenvolvimento local

Esta pálida, em sentido literal, imagem serve a quem quiser discutir seriamente os efeitos das barragens no desenvolvimento local.
No gráfico está uma linha encarnada que corresponde à população do concelho de Miranda do Douro entre 1890 e 2001.
Note-se que a população em 2001 é mais baixa que em 1890. A evolução retratada, com excepção do pico de que falarei, é essencialmente semelhante ao que se encontra em grande parte de Portugal fora das grandes áreas urbanas e industriais e as cidades médias, neste caso com um conceito de cidade média bastante mais restritivo do que geralmente usado.
O que temos é uma evolução mais ou menos constante desde 1890 até 1950 (com a quebra que aqui se verifica em 1920 a ser visível em muitos concelhos, provavelmente ainda em consequência da gripe espanhola de 1918), uma quebra ligeira de 1950 para 1960 (que aqui não se verifica), uma quebra acentuada entre 1960 e 1970, e depois uma descida, mais ou menos acentuada, até 2001.
Este padrão é muitas vezes amenizado pela evolução da concentração urbana e industrial (a linha roxa traduz a evolução da percentagem da população do concelho que se concentra na sede de concelho, a linha verde, da população da sede de concelho, diverge da linha encarnada a partir de 1980).
O pico aqui visível corresponde ao censo de 1960. E explica-se facilmente com o início da construção das barragens do troço internacional do Douro, em 1954, com a barragem do Picote, que entrou em funcionamento em 1958, a de Miranda que entrou em funcionamento em 1960 e a da Bemposta em 1964.
É este o efeito das barragens no desenvolvimento local: emprego temporário real (hoje provavelmente bastante menos que nos anos 50 e 60 do século XX) e retorno à situação anterior depois da fase de construção.
É certo que algumas barragens deram origem a algum movimento turístico. Mas de maneira geral é de pequena dimensão, e em barragens cuja primeira função não é produzir electricidade.
As barragens que são essencialmente produtoras de electricidade têm um regime de exploração que acentua muito a margem morta que as acompanha em consequência das frequentes variações de cota, sem correspondente na natureza e, consequentemente, sem organismos adaptados a essas circunstâncias. Esta margem morta, muito hostil, explica a diferença de interesse turístico entre um lago (ou mesmo uma barragem para abastecimento público) e uma barragem cuja função predominante é a produção de electricidade.
Há muitas razões, incluindo de desenvolvimento, para fazer barragens, mas seguramente nestas razões não se inclui o desenvolvimento local.
henrique pereira dos santos

2 comentários:

Maquiavel disse...

Muito bom artigo!

Um amigo, que tal como eu está de luto pelo início da aberraço de barragem do Tua, lembrou-me que, após a construçäo, seräo mantidos 4-empregos-4, que estaräo localizados mais provavelmente no Porto, e que consistem nos controladores dos sistemas de segurança.

4 pessoas justificam perder património histórico e turístico? Quantos múltiplos de 4 empregos väo desaparecer?

Luís Lavoura disse...

Embora já há muito tempo, eu estive acampado algum tempo na encosta perto da barragem de Miranda, e nunca reparei em qualquer alteração do nível da água. Pelo contrário, tomei lá uns belos banhos no Douro.

Aquelas barragens são todas de fio de água, ou seja, turbinam a água à medida que ela chega e não permitem grandes alterações no nível. Só não são muito adequada para o aproveitamento turístico devido ao declive das margens.