terça-feira, março 22, 2011

Mais tributação sobre a energia sim, mas

Num artigo do Publico pode ler-se o seguinte: "Além disso, o Governo quer proceder, em 2013, à revisão da fiscalidade que incide sobre as formas de energia, de modo a estimular “comportamentos de utilização racional de energia, incentivando a eficiência energética e a redução de emissões”.

Há anos que alguns de nós andamos a dizer que a fiscalidade sobre a energia deve aumentar de modo a induzir comportamentos virtuosos sobre os consumidores mas se esta medida não for acompanhada de uma redução equivalente na fiscalidade sobre o trabalho terá apenas como resultado transferir mais dinheiro dos agentes económicos e sociais para o Estado. Se esse for o objetivo a medida anunciada irá no bom caminho mas se o objetivo for alterar alterar comportamentos dos consumidores e das empresas, induzindo mais eficiência energética e aumento do emprego, então será necessário completar a medida com uma reforma mais profunda da fiscalidade.

Na Austrália está-se neste momento a discutir uma taxa sobre o carbono e para responder às críticas da oposição o governo já apresentou como medida paralela a redução da pressão fiscal sobre as classes mais desfavorecidas. É uma medida positiva mas insuficiente pois as taxas sobre carbono e energia não devem ser encaradas como um novo instrumento para engordar mais os bolsos do Estado mas como um instrumento de regulação que permite influenciar os investimentos e comportamentos das pessoas.

Misturar objetivos não declarados de aumento da retenção fiscal com objetivos declarados de redistribuição da forma como esta é colectada dará sempre mau resultado. Primeiro, porque gera desconfiança sobre a bondade dos argumentos da reforma e oposição à mesma, logo compromete a sua viabilidade. Segundo, porque compromete os objetivos declarados da reforma pois uma sociedade mais pobre consumirá menos energia mas não criará mais emprego e riqueza. 

7 comentários:

Anónimo disse...

Composição do preço da gasolina 95 em 18.III.2011 em Portugal:

- cotação de referência (preço do produto refinado mais transporte e seguro para Portugal): 0,5429 €/l,
- armazenagem, comercialização e distribuição: 0,1409 €/l,
- ISP: 0,58295 €/l,
- IVA (23%): 0,23 x (0,58295 + 0,1409 + 0,5429) = 0,2913 €/l
- total de impostos: 0,8743

Um barril de petróleo está cotado a +/- 100 USD o que significa que um litro vale: 0,6329 USD/l

Conclusão: o Estado português ganha mais com os impostos do que um país produtor de petróleo!!!!!!!!!!!! E do que aqueles que trabalham para fabricar a gasolina!!!!!!!!!!!!! Chiça!!!!!!!!!!!!!!

Pergunta: Se acabarmos com esta receita ao Estado, onde é que o Estado vai obter o dinheiro para subsidiar as eólicas, as solares, e estroinices afins?????????????? Onde é que o Estado vai meter mais impostos para manter esta receita fiscal que obtem agora à custa dos combustíveis?????? E atenção que o Estado não está apenas viciado no dinheiro dos nossos impostos: é um verdadeiro junkie!!!! Estes números não são números de livros e de parvoíces pseudo académicas!!!!!!!!! Em Portugal, hoje, é assim!!! Basta ver o OE de 2011.

G.E. disse...

Efectivamente a carga fiscal sobre os combustíveis é elevadíssima e é importante esclarecer a opinião pública sobre esta matéria. Ultimamente têm-se visto tomadas de posição públicas contra as gasolineiras, que são acusadas de cartelização (entre outras coisas), mas a grande verdade é que mais de metade do valor pago por um litro de combustível vai direitinho para os cofres do Estado. Daqui se conclui que o Estado é quem realmente tem mais poder para influenciar o preço dos combustíveis (para cima ou para baixo).

Aliás é precisamente por causa dos impostos que há uma diferença de preços tão grande face a Espanha.

Não faria sentido aligeirar a carga fiscal sobre os combustíveis e, simultaneamente, aligeirar a subsidiação de energia eléctrica?

Gonçalo Elias

Miguel B. Araujo disse...

Gonçalo,

Do ponto de vista ambiental não faz muito sentido reduzir a carga fiscal sobre os combustíveis para uso individual pois o que se pretende é induzir outro tipo de transportes. No entanto, entendo que chegado a um nível de preço do crude e dada a inelasticidade de alguns usos talvez seja necessário repensar a estrutura da carga fiscal para assegurar um preço compatível com o bom desempenho de algumas actividades económicas.

Nota que o meu post, ao contrário do que parece ter entendido o anterior comentador, não defende o amuento da carga fiscal sobre os contribuintes. O que defendo é que a haver aumentos da carga fiscal sobre a energia, estes devem ser compensados por uma redução da carga fiscal sobre o trabalho de modo estabilizar a carga fiscal total.

Nota que não existe qualquer justificação para tributar o trabalho. O trabalho deve ser estimulado pelo que não deve ser tributado. A produção e consumo da energia gera externalidades negativas pelo que faz sentido procurar conter o seu consumo. A política fiscal é a melhor forma de o fazer.

G.E. disse...

Miguel,

"Do ponto de vista ambiental não faz muito sentido reduzir a carga fiscal sobre os combustíveis para uso individual pois o que se pretende é induzir outro tipo de transportes."

Do ponto de vista estritamente ambiental, não. Aliás, do ponto de vista estritamente ambiental, se calhar até fazia sentido era aumentar, e muito, a carga fiscal. Aumentar ao ponto de ninguém, tirando os muito abastados, poderem suportar o custo associado ao uso de combustíveis fósseis. Estava resolvido o problema das emissões dos escapes dos automóveis.

No entanto, a questão não é tão linear e julgo que devemos ter em conta outros aspectos:

- a estrutura fiscal sobre os combustíveis (ISP + IVA com este último a incidir também sobre o ISP) já existe há décadas, por razões que nada têm a ver com o ambiente; Ou seja, é assim, porque sempre foi assim (este "sempre" em sentido figurado, naturalmente);

- os aumentos de impostos dos últimos anos (nomeadamente do ISP e do IVA) não foram feitos com o objectivo de proteger o ambiente, mas sim com o objectivo de financiar o Estado;

- o impacto dos automóveis sobre o ambiente não se pode nem deve medir apenas em termos de emissões / poluição atmosférica; há também a questão do ruído e do espaço ocupado, por exemplo; neste sentido mais lato, parece-me lógico considerar que um automóvel em meio urbano "polui" muito mais do que numa estrada fora das localidades; e esta forma de poluição deveria ser mais onerada; por outras palavras, a fiscalidade não deveria incidir sobre os combustíveis de forma transversal, mas sobre o uso que se dá aos veículos, penalizando as situações em que os automóveis são mais "poluidores".

Anónimo disse...

A produção e consumo da energia gera externalidades negativas

externalidades negativas?

Anónimo disse...

"externalidades negativas?"

Sim... as positivas são normalmente muito bem captadas pelo mercado, as falhas de mercado existem normalmente ao nível das externalidades negativas.

Miguel B. Araujo disse...

Gonçalo,

Não me leste defender que a fiscalidade deve ser feita de modo a penalizar o funcionamento geral da economia ou favorecer apenas os mais ricos. O que eu disse é que a fiscalidade deve induzir comportamentos virtuosos e por isso faz sentido, em termos gerais, tributar o consumo da energia aligeirando a tributação onde ela não faz sentido que é no trabalho.

Globalmente, essas alterações de fiscalidade deveriam "cancelar-se" de modo a que aumentos de tributação na energia deveriam ser acompanhados de reduções, com o mesmo alcance, na tributação do trabalho.

É verdade que na prática estamos habituados a ver os governos tributarem o mais que podem para "sacar" mais dinheiro aos contribuintes e desta forma tapar os buracos propiciados pela má gestão do erário público e por despesas irresponsáveis em vésperas de eleições. É nesta ótica que os impostos sobre os carburantes foram definidos (representam uma proporção importante dos impostos coletados pelo Estado) e naturalmente, não é isto que defendo. Mas também não consigo vislumbrar razões de fundo - além das que referi no comentário anterior e que estariam associados a uma monitorização do preço máximo de venda dos carburantes que seria aceitavel - para reduzir a fiscalidade sobre os carburantes.

As diferenças que referes entre utilização de viaturas próprias na estrada e nas cidades pode ser controlada com outros mecanismos, nomeadamente estacionamentos pagos, portagens de acesso às cidades, etc (sempre e quando existam alternativas para que as pessoas se desloquem em transportes coletivos).