segunda-feira, junho 06, 2011

Desfazendo mitos sobre caça e conservação



Filipe Nunes Vicente é um bloguer que leio com muita, muita frequência, muitas vezes concordando, outras nem tanto, mas sempre com gosto e atenção.
Neste post a que fui buscar o video que ilustra este post (cujos primeiros seis segundos são fantásticos) estamos mesmo em desacordo. Não porque subscrevo o que é dito pelo narrador do video (curiosamente mais preocupado com a exploração turística que com a conservação em si mesma), mas porque a crítica ideológica que lhe é feita fica a meio caminho.
Não estou convencido, e não vi evidência empírica sólida, de que a caça seja um factor determinante de extinção de uma espécie, excepto eventualmente em ilhas ou quando existe uma chegada repentina de uma população tecnologicamente mais evoluída a um novo destino.
Ainda assim, neste último caso, será muito difícil determinar em que medida é a caça ou a alteração de habitat (de maneira geral isso quer dizer, alteração da base da cadeia trófica) a principal causa de diminuição da espécie.
Mesmo em situações de abate indiscriminado e em massa, como aconteceu com os bisontes americanos, seria uma longa e difícil discussão saber se foi esse factor que quase levou à extinção da espécie ou sobretudo a alteração profunda da forma de exploração das pradarias americanas.
Muito menos me parece sustentável a ideia de que uma caça dirigida, como foi a que foi feita aos grandes mamíferos africanos, possa ser uma ameaça determinante na diminuição das espécies.
As razões para o meu cepticismo, para além da falta de evidência empírica (não se deve confundir a evolução paralela de duas tendências com evidência empírica, sendo bom mantê-la como o que é: uma correlação estatística que deve ser compreendida nas suas relações de causa/ efeito), é que não vejo como pode um predador continuar a ser eficiente na perseguição da sua presa à medida que ela escasseia.
Isso é tanto mais verdade quanto espécies como leões e elefantes se reproduzem com alguma facilidade e portanto qualquer canto menos batido pelos caçadores (e haverá sempre muitos) rapidamente se transforma num local de elevada densidade da espécie.
Aqui fica o que diz a UICN sobre o leão, embrulhado na costumada ideologia que contamina a discussão sobre conservação da natureza: especulações sobre a caça e, sempre em segunda nota, a preocupação com a deplecção das populações presa (isto é, provavelmente, o resultado da manipulação dos habitats).
Estou convencido de que para a grande maioria das espécies selvagens, e sobretudo para os predadores de topo ou os grandes herbívoros, o caçador, por mais exímio que seja, é muito menos perigoso que o amante da natureza, por mais bem intencionado que seja, que se senta no seu sofá a ver documentários sobre vida selvagem comendo uns snacks que sustentam o alargamento das áreas agrícolas e bebendo uns sumos naturais que aprofundam a transformação das paisagens africanas.
henrique pereira dos santos

11 comentários:

vials disse...

Primeira vez que visito seu blog, parabéns matérias bem interessantes!

Loja de História Natural disse...

Caro Henrique, penso que para a megafauna africana a caça foi e é um factor que pode levar à extinção. Veja-se o que aconteceu a várias populações de rinocerontes e de elefantes. Penso que os seus argumentos são válidos para a maioria da espécies. Mas espécies que mantém elevado rendimento e que asseguram retorno para as crescentes horas necessárias para encontrar um número decrescente de exemplares são, penso, muito susceptíveis a irradicação local e extinção global.

Já agora, a fecundidade dos leões não é tão grande quanto se possa pensar, principalmente devido a sistema de controlos intra-específicos.

Claro que se a caça for o único factor, sem perda de habitat, provavelmente tem razão. Mas a caça já limpou o rinoceronte branco do Norte, provavelmente extinto.

Enfim, mas tudo isto evidência de sofá, a ver documentários, mas normalmente sem comer snack nenhum.

Pedro Lérias

Alice Lobo disse...

Acha que a extinção do lobo ibérico enquadra -se na reflexão deste post .. ?
já que a sua anterior actividade profissional como refere noutros post , é um pouco "diferente".
Cumprs

Anderson Tissa disse...

Vc aceita sugestão de pauta? Se sim, envio pra qual e-mail?

Anónimo disse...

Já não vinha aqui há bastante tempo (para alegria de muitos, estou certo) e o mais provável é que não volte tão cedo...

A extinção ou redução crítica de populações de animais selvagens em consequência da actividade cinegética está bastante bem documentada. O caso do Ectopistes migratorius é um bom exemplo. Para os interessados nestes assuntos sugere-se também a leitura do livro "End of the Game" do Peter Beard.

Alexandre Vaz

FNV disse...

A leitores distraídos:
O último comentador, típico ilustrado, parte do princípio de que não tenho à minha frente o livro de Berd e que não o li e reli.Na introdução é claro: "As boundaries are declared with walls and ditches and cement suffocates the land.."
Em todas as zonas onde há caça desportiva bem gerida, há vida selvagem. No Uganda e em Angola , por exemplo, quando a caça deposrtiva acabou ,os Big Five despareceram quaes totalemente.
O resto é conversa preconceituosa, neocolonialista ( já quase não temos espaço para ursos na Europa, mas os pretos que se arranjem com os elefantes) e pretensiosa (como recomendar livros,por exemplo).

PS: o rinoceronte branco não foi apenas alvo de caça desportiva. Em muitas zonsa foi considerado vermin e abatido em operações de crop control, noutras foi abatido furtivamente por causa do amontoado de pêlos que tem no focinho e ao qual chamamos chifre).

FNV disse...

Beard, perdão.

Anónimo disse...

Hahahah... A sugestão de livros é uma prática pretensiosa...

FNV quer dizer o quê?

alexandre vaz

Loja de História Natural disse...

FNV, a caça furtiva, seja para que fim for, é isso mesmo, caça, que é o que está aqui em jogo, não certos tipos de caça mas sim a capacidade da caça para 'limpar' espécies.

Jaime Pinto disse...

Também existem polícias que roubam, políticos corruptos, padres católicos pedófilos, magistrados da justiça (e candidatos...) vigaristas, etc.

Contudo, só excêntricos assumem que gostariam de viver numa sociedade sem polícias, sem democracia, onde a religião católica fosse proibida, etc.

A caça desportiva regrada, tal como actualmente se pratica em todo o mundo, é útil à biodiversidade e não "limpa" espécies algumas.
Eventualmente pessoas que não gostam de pensar de onde vêm os bifes e frangos assados com que se lambuzam diariamente, odeiam caça. É evidente que essas pessoas têm o direito pensar como entendem. Mas volta e meia precisam de ser lembradas que o mundo não é o paraíso celeste que julgam poder vir a alcançar com as suas ideias e lutas: andamos, desde sempre, a comermo-nos uns aos outros. Salvo raras excepções praticadas nos orientes, costumamos matar antes de comer a bicheza.
Quando esse ciclo terminar será um péssimo sinal, está mais que garantido.
jaime

Jaime Pinto disse...

Também existem polícias que roubam, políticos corruptos, padres católicos pedófilos, magistrados da justiça (e candidatos...) vigaristas, etc.

Contudo, só excêntricos assumem que gostariam de viver numa sociedade sem polícias, sem democracia, onde a religião católica fosse proibida, etc.

A caça desportiva regrada, tal como actualmente se pratica em todo o mundo, é útil à biodiversidade. Eventualmente pessoas que não gostam de pensar de onde vêm os bifes e frangos assados com que se lambuzam diariamente, odeiam caça. É evidente que essas pessoas têm o direito pensar como entendem. Mas volta e meia precisam de ser lembradas que o mundo não é o paraíso celeste que julgam poder vir a alcançar com as suas ideias e lutas: andamos, desde sempre, a comermo-nos uns aos outros. salvo raras excepçoes, vindas principalmente dos orientes, costumamos matar a bicheza antes de a comer. Quando este ciclo terminar garante-se "the end".
jaime