terça-feira, julho 19, 2011

Portugal 1890/ 2001


Nuno Resende fez um comentário a um post meu, ainda a propósito de comboios.

Nos comentários aparecem comparações sobre Portugal de há uns anos.

Esta é a minha contribuição para as comparações sobre Portugal de ontem e hoje. Na realidade vou fazer duas comparações: uma com a evolução da população por concelho entre 1890 e 1950 e outra com a evolução da população entre 1890 e 2001. A verde a população subiu (tanto mais quanto mais escuro) a encarnado a população desceu no concelho (tanto mais quanto mais escuro).
Eu não tinha consciência clara do que se vê nestes mapas, e por isso admito que possa ser útil para outras pessoas ver o que aconteceu à população nos últimos cem anos.
henrique pereira dos santos

13 comentários:

Alice Lobo disse...

Surpreendente essa comparação, infelizmente a situação mantêm-se (2001-2011) http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?p=81633920

TMC disse...

Para se tirarem conclusões idóneas importa referir se as próprias redes de comboios têm ou não tido efeitos nos próprios mapas apresentados; ou seja, se não têm sido elas também agentes na dinâmica do povoamento.

A conclusão do Henrique é que as linhas de comboio devem andar a reboque da dinâmica de povoamento, em nome de uma "racionalidade" fictícia. Tornou as linhas de comboio neutras em questões de povoamento.

Em suma, a sua equação está errada porque apenas considera um sentido causal: o povoamento é que deve ditar em exclusivo o mapa das linhas.

Henrique Pereira dos Santos disse...

TMC,
O que comanda o povoamento é o emprego, ou se quiser ser mais preciso, a possibilidade de sobrevivência num determinado local.
Quando as linhas de caminho de ferro (ou as estradas) servem economias produtivas, ou criam dinâmicas produtivas, elas podem ter um efeito na dinâmica da população.
Mas de maneira geral as linhas de caminho de ferro, tal como as estradas, servem apenas para transportar riqueza, não servem para criar riqueza.
Esse mito que atrás das vias de comunicação vem o progresso, que se baseia no período excepcional de energia barata e inovação tecnológica da revolução industrial é isso mesmo, um mito.
Tentarei discutir isso mais aprofundadamente no meu próximo livro, de onde vêem estes mapas, que independentemente de explicações foram, para mim, uma surpresa brutal.
henrique pereira dos santos

Henrique Pereira dos Santos disse...

Já agora, a inversão da tendência de povoamento começa pelos anos 40 do século XX no alentejo e pinhal interior (o alentejo tinha tido crescimentos superiores a 100% em todos os concelhos entre 1890 e 1940 e o pinhal interior é a zona mais pobre e difícil do ponto de vista da produção agrícola), sobretudo para a cintura industrial de Lisboa, e vai-se acentuando até à emigração maciça dos anos sessenta e setenta (entre 1930 e 1945 os destinos de emigração fecham-se e é impossível sair do país, como tinha acontecido antes para o novo mundo e depois para a europa).
Ora o fecho de linhas é dos anos 80, portanto a mera colocação dos factos numa linha cronológica demonstra que a sua hipótese interpretativa não tem a menor correspondência com a realidade.
henrique pereira dos santos

Luís Lavoura disse...

TMC, voce tem razão, as linhas de caminho-de-ferro são elas próprias agentes do povoamento. Só que, não é claro em que sentido é que esses agentes atuam! Especificamente, há muitos dados que indicam que, quando uma nova via de comunicação é aberta entre uma grande cidade e uma cidade média, a tendência subsequente é para a cidade média perder população a favor da grande.

Não é certo que as linhas de comboio ajudem a manter a população no interior - se calhar fazem exatamente o oposto.

TMC disse...

Henrique,

Vejo então que supõe que desde os anos 80 (ano de fecho das linhas) que não houve emigração em Trás-os-Montes e Alentejo.

De resto, reconheço perfeitamente que a oferta de emprego é um dos factores mais fortes na dinâmica do povoamento.

Parece-me que Portugal (se não estou enganado) tem apostado e continuara a apostar no turismo. Parece-me que o turismo cria emprego. Parece-me que muitos dos ramais fechados e por fechar seguem o troço dos afluentes do Douro. Parece-me que a procura do Douro enquanto destino turístico tem crescido cada vez mais. Parece-me que a linha do Douro tem ligação a Espanha.

É o turismo solução para fixar população em alguns concelhos? Não sei, até porque mesmo o turismo de massas do Algarve afecta a região com desemprego sazonal. Mas decerto ajudaria a estancar a sangria de pessoas, a dar auto-estima a várias regiões e a Portugal.

Nem sequer se tentou.

G.E. disse...

Luís Lavoura:
"Não é certo que as linhas de comboio ajudem a manter a população no interior - se calhar fazem exatamente o oposto."

Isto é verdade. Aqui há um ou dois anos fiz uma análise da evolução da população para uma série de concelhos do interior e cheguei à conclusão de que aqueles que ainda têm comboio são em geral os que mais população perderam.

TMC:
"Parece-me que a linha do Douro tem ligação a Espanha."

Correcto. Aqui há uns anos fiz uma caminhada no troço abandonado que faz a ligação de Barca d'Alva a Espanha. Podem ver as fotos aqui: http://rotadostuneis.wordpress.com/

TMC:
"É o turismo solução para fixar população em alguns concelhos? Não sei, até porque mesmo o turismo de massas do Algarve afecta a região com desemprego sazonal. Mas decerto ajudaria a estancar a sangria de pessoas, a dar auto-estima a várias regiões e a Portugal."

Não me parece que a fixação de população seja em que região for deva ser feita por uma questão de auto-estima.

Acima de tudo temos de pensar em que medida é que isso é importante para o desenvolvimento do país.

Aliás, seria bom que todos reflectíssemos bem nisto: porque é que queremos combater a desertificação do interior? Exactamente que objectivos pretendemos atingir com a fixação de população no interior?

Gonçalo Elias

TMC disse...

Gonçalo,

Excepto a última pergunta, não acrescentou muito.

Do facto de cidades com estações de comboio terem perdido habitantes não quer dizer que tenha sido o comboio a causar essa perda.

Ninguém disse que devemos fazer seja o que for porque isso dá auto-estima; referi que a auto-estima era um efeito.

Porque é que queremos combater a desertificação no interior (depreendo que fale da desertificação humana)?

Para começar porque a constituição não faz referência à localização geográfica como relevante para a atribuição de direitos. Se eu nascer no Alentejo ou em Trás-os-Montes tenho direito a querer lá morar, se o desejar, com condições, entre as quais está o respeito e a salvaguarda pela minha cultura.

A preservação da cultura de um país é também a preservação das várias culturas que compõem esse país. Não se trata de musealizar o passado mas actualizá-lo ao presente.

G.E. disse...

TMC:
"Do facto de cidades com estações de comboio terem perdido habitantes não quer dizer que tenha sido o comboio a causar essa perda."

Pois não. É apenas uma constatação. Não retirei quaisquer conclusões, mas o facto em si pareceu-me interessante.


"Se eu nascer no Alentejo ou em Trás-os-Montes tenho direito a querer lá morar, se o desejar, com condições, entre as quais está o respeito e a salvaguarda pela minha cultura."

Claro que sim. Mas esse direito não está, creio eu, em causa. Cada qual deve ser livre de morar onde bem desejar. Nada do que eu disse sugere o contrário.

Mas uma coisa é permitir que as pessoas vivam onde desejam outra coisa é querer forçar as pessoas a fixarem-se em certas zonas. Creio que as pessoas do interior (tal como todas as outras), querem acima de tudo aumentar os seus rendimentos para melhorar as suas condições de vida. Vêm para o litoral, onde consideram que existem as melhores oportunidades. Neste contexto, a minha questão é: devemos tentar contrariar esse movimentos? Devemos tentar ancorar as populações às suas terras, em nome de uma suposta preservação cultural, obrigando-as a abdicar de melhors oportunidades? Se as pessoas se deslocam para onde consideram que têm melhores condições de vida, eu pergunto: porque é que isso é mau?

Alice Lobo disse...

Um pequeno e simples exemplo “insignificante”: numa aldeia do anterior que neste caso não usufrui de linha férrea mas sim da “camioneta” o que é o mesmo pois como foi diminuindo a afluência ao comboio assim foi á “camioneta”. Pois as linhas férreas poderiam muito bem ser as, estradas da camioneta.

A “camioneta” deslocava-se pelas aldeias 3 vezes por dia, com o decorrer do tempo “passava” 2 vezes por dia e mais tarde deslocava-se ás aldeias nos dias em que se realizava a feira local e na época escolar ( uma viagem de Manha e outra é tarde) , esta diminuição de “camionetas” e afluência das pessoas deve-se ao facto dos jovens , quando obtêm a maioridade , a 1 coisa que fazem é adquirir a carta de condução e um carrinho a crédito, e esse carrinho passa a transportar a família e os vizinhos.
Então “ a camioneta” passa a deslocar-se ás aldeias somente na época escolar para assegurar o serviço obrigatório de transportar 4 estudantes.
Contudo o tempo faz com que esses jovens decidem emigrar uns por ambição outros por falta de emprego, outros porque não gostam de morar na aldeia, e deixa de existir o transporte para a família e vizinhos. E estes precisam novamente da “camioneta” só que agora já não existe!!
Agora como é que os idosos e adultos nas aldeias mais remotas se deslocam, não tendo comboio ou camioneta? Porque é que o estado assegura o transporte a 4 estudantes mas não assegura aos idosos ou a outras populações onde o envelhecimento é crescente? Porque os jovens são um investimento e os idosos não?

Maria João Vieira Teles disse...

"Ora o fecho de linhas é dos anos 80, portanto a mera colocação dos factos numa linha cronológica demonstra que a sua hipótese interpretativa não tem a menor correspondência com a realidade".

Henrique Pereira de Sousa, e o desinvestimento nas linhas durante décadas, não conta? As linhas fecharam nos anos 80, mas já nos anos 60 estavam em processo de óbito.

Que "análise" tão simplista, Henrique!

Henrique Pereira dos Santos disse...

Maria João,
Existe um processo social da grandeza do que está expresso nestes mapas e pretende-se ligá-lo ao fecho de linhas de comboio. Eu argumento que historicamente não há coerência entre essa hipótese e as datas dos factos.
Agora a Maria João vem dizer que afinal não é o fecho de linhas, é o desinvestimento durante décadas (as décadas anteriores a 1960, que por sinal foram das que mais se investiram no comboio, mas passemos por cima disso) quando olhando para os mapas não há qualquer diferença entre concelhos servidos e não servidos por comboio, e eu sou simplista.
Sim, sou simplista no sentido em que se me desaparecem galinhas do galinheiro e vejo uma raposa por perto não vou à procura de outras explicações sem um bom motivo.
henrique pereira dos santos

G.E. disse...

Olhando para os mapas que o Henrique colocou estive a fazer o seguinte exercício: analisei os concelhos que estão a vermelho escuro e agreguei-os consoante a presença do comboio (o critério para determinar a presença foi quando existe ou já existiu uma estação / apeadeiro com o nome da sede de concelho).

Eis os resultados:


Concelhos que nunca tiveram comboio (35):
Melgaço, Vinhais, Montalegre, Boticas, Alijó, Sabrosa, Vimioso, Almeida, Figueira de Castelo Rodrigo, Meda, Penalva do Castelo, Sernancelhe, Penedono, Tabuaço, Armamar, São João da Pesqueira, Murtosa, Pampilhosa da Serra, Góis, Arganil, Tábua, Penela, Castanheira de Pera, Pedrógão Grande, Idanha-a-Nova, Oleiros, Vila de Rei, Mação, Nisa, Alter do Chão, Monforte, Barrancos, Vidigueira, Mértola, Monchique, Alcoutim

Concelhos que tiveram comboio mas deixaram de ter até 2001 (3):
Vila Nova de Foz Coa, Mogadouro, Torre de Moncorvo

Concelhos que continuaram a ter comboio pelo menos até 2001 (13):
Pinhel, Sabugal, Gouveia, Fornos de Algodres, Celorico da Beira, Trancoso, Resende, Penamacor, Vila Velha de Ródão, Ourique, Castelo de Vide, Marvão, Almodôvar


Curiosamente, ou talvez não, o grupo dos concelhos que deixaram de ter comboio é o menos bem representado entre os concelhos com maior diminuição populacional.