sábado, julho 23, 2011

Preços dos transportes vão pesar mais 15% na bolsa dos portugueses


Nos últimos dias tenho visto e ouvido inúmeras vezes a asneira que escolhi para título deste post.
Eu acho que vale a pena perder algum tempo a tornar mais clara a dimensão desta asneira.
A ideia de que os quinze por cento que agora os utilizadores de transportes públicos pagarão a mais não eram pagos pelos portugueses só pode ser de alguém que considera que os credores dos portugueses os estavam a pagar. Mas nesse caso isso significa que os portugueses os iriam pagar mais tarde, mas com juros.
Na verdade o aumento do preço dos transportes colectivos não aumenta nem um bocadinho o que os portugueses pagam pelos transportes públicos. O que acontece é uma coisa bem mais simples: esse dinheiro passa a ser pago pelos utilizadores e deixa de ser pago pelos contribuintes.
Ou seja, ele representa um aumento de encargos para alguns portugueses, os utilizadores de transportes públicos, mas uma diminuição para muitos mais portugueses, isto é, para todos os que pagando impostos não utilizam esses transportes colectivos.
Vejamos então os argumentos que são invocados para se discordar desta transferência de rendimentos dos utilizadores de transportes colectivos para os pagadores de impostos (que em muitos casos coincidem, claro, mas como o grupo de pagadores de impostos é muito maior que o de utilizadores de transportes, no encontro de contas há diminuição de rendimento para os utilizadores).
O primeiro argumento é o da justiça social, invocado com o fundamento de que são as pessoas de menores rendimentos as que usam os transportes colectivos. É um argumento sério, mas na verdade muito pouco fundamentado e que deveria ser ferozmente combatido por quem está do lado da sustentabilidade. É pouco fundamentado porque desconheço algum estudo que demonstre que os utilizadores de transportes são sobretudo pessoas de baixo rendimento. Ou dito de outra forma, as pessoas de muito baixo rendimento são as que não têm alternativa de deslocação, mas não é verdade, ou pelo menos não conheço demonstração e a minha intuição de utilizador destes transportes não é essa, que só as pessoas de baixos rendimentos usem os transportes colectivos. E do ponto de vista da sustentabilidade deve ser combatida a ideia de que só anda de transportes colectivos quem não pode andar de transporte individual. É um estigma sobre o transporte colectivo que não faz o menor sentido. Sobre a justiça social haveria muito a dizer sobre que razões poderão justificar o financiamento da deslocação da classe média urbana por parte de todos os outros contribuintes, muitos dos quais com bem menos rendimentos.
Mas gostaria de concentrar-me na ideia de que se justifica o financiamento dos transportes colectivos, via subsidiação dos preços, por razões de ordenamento do território.
É uma ideia errada. Uma coisa é financiar uma linha concreta de transportes, por razões de ordenamento do território, ou mesmo que se financia o investimento e se cria uma operação sustentável, outra coisa, substancialmente diferente, é baixar artificialmente o custo de deslocação de forma indiscrimanada, com base nos impostos de todos os portugueses.
Esta última opção tem dois efeitos no ordenamento do território, qualquer dos dois péssimo.
O primeiro efeito resulta de financiar o que quer que seja nas zonas urbanas a partir dos impostos de todos, o que corresponde a uma transferência de rendimentos do interior rural para as urbanizações do litoral. Em muitos casos isso justifica-se, mas tenho as maiores dúvidas de que faça o menor sentido transferir rendimentos do interior rural para financiar a acessibilidade nas zonas urbanas. Tenho aliás a certeza de que isso é uma péssima opção do ponto de vista do ordenamento do território.
O segundo efeito de ordenamento do território é que baixar artificialmente o custo da deslocação favorece a dispersão da construção e favorece o aumento da distância entre casa e trabalho. E isso é péssimo do ponto de vista do ordenamento do território (e já agora, da sustentabilidade).
O argumento mais comum é o de que quanto mais caros forem os transportes colectivos mais transportes individuais serão usados e isso tem um efeito ambiental negativo.
É um argumento muito convincente, mas não é nada evidente. Por dois motivos. O primeiro porque não vejo como poderá ser vantajoso para a qualidade e eficiência nos transportes ter empresas deficitárias e descapitalizadas, em vez de ter empresas saudáveis e concentradas nos seus clientes. O segundo é porque não estou nada convencido de que a principal razão para a opção pelo transporte privado seja o preço. É verdade que as pessoas mais pobres são as que não têm alternativa e essa ausência de alternativa resulta de razões financeiras, mas as pessoas que todos os dias saem de sua casa para ir para o trabalho e que podem optar por usar o carro ou os transportes colectivos, duvido que o façam com base em mais ou menos 20% do preço do bilhete de transportes colectivos. A existência ou não de estacionamento (e o seu preço, bastante maior que o do preço dos bilhetes), o tempo de viagem, a flexibilidade, etc., tem muito maior peso na decisão.
Ou seja, do ponto de vista de sustentabilidade parece-me que deveríamos estar a fazer duas coisas:1) apoiar entusiasticamente a aproximação do preço dos bilhetes dos transportes ao seu preço real, de modo a transferir o custo de operação dos contribuintes para os seus utilizadores; 2) reinvindicar de forma clara medidas de contenção do uso do transporte individual, em especial do seu estacionamento em espaço público.
De todas as medidas possíveis para garantir sustentabilidade na mobilidade há uma que deveria ser reivindicada todos os dias, sem descanso, tanto mais que não tem (enfim, tem mas são comportáveis) custos directos associados: tolerância zero para o estacionamento ilegal por parte da polícia. Ver aqui como é vergonhoso o comportamento do Estado nesta matéria.
Sugiro um salto a este post para perceber melhor o fundamento da coisa.
henrique pereira dos santos

11 comentários:

G.E. disse...

Henrique,
Sobre esta questão do aumento do preço dos transportes parece-me importante referir um aspecto que nem sempre tem sido referido nas notícias: o aumento de 15% será apenas nas áreas de Lisboa e Porto. No resto do país é de 2,7%.

Deixo link para uma notícia sobre o assunto: http://www.dinheirovivo.pt/Economia/Artigo/cieco008046.html;jsessionid=3lGPTrsLVsFGLtGpZt42SDv6wPF51T7CwHTNxpJQ5CfxJXQVvXBy!2141537787

TMC disse...

Faz sentido, mas para não haver dualidade de critérios deve-se acabar com os subsídios ao automóvel e internalizar os custos que causam aos contribuintes: portagens, mais ISP e ISV, tarifas de estacionamento mais altas, fiscalização, etc.

Senão a escolha entre transportes públicos e individuais a moto fica enquinada.

G.E. disse...

TMC, inquinada já ela está: os transportes públicos são altamente subsidiados e o transporte individual é fortemente taxado.

Acho um absurdo aumentar ainda mais a carga fiscal sobre o automóvel (mas concordo em absoluto com elevadas taxas de estacionamento e fiscalização apertada).

TMC disse...

Palavras como "altamente" ou "fortemente" não bastam; são vagas e subjectivas mas admitem-se por não haver estudos.

O estado tem subsidiado a refinação de gasolina. Todos nós injectamos dinheiro no orçamento das Estradas de Portugal e das autarquias e cujo destino gravita ao redor da solução de problemas de tráfego; outros subsídios ocultos incluem a não responsabilização criminal dos culpados em acidentes rodoviários, o estacionamento gratuito

O que interessa é saber os TI e os TP são ou não suficientemente taxados ou subsidiados para induzir uma mudança social: a de na maioria das escolhas de transporte os TP, o táxi ou a bicicleta constituírem uma vantagem geral e o uso do automóvel uma desvantagem.

Como nesta matéria não há estudos, eu creio que teremos de olhar para outros indicadores: a poluição atmosférica urbana, o congestionamento, a perda de receita fiscal de cidades por abandono para as periferias, o ruído, a ocupação de passeios por veículos indicam, "a olho", que estamos longe de um equilíbrio e que o uso do automóvel é ainda uma solução demasiado problemática.

Eu percebo a abordagem de mercado do governo, mas é obrigatório que o preço real do uso do automóvel se veja reflectido no seu uso.

G.E. disse...

" é obrigatório que o preço real do uso do automóvel se veja reflectido no seu uso"

aplicando este princípio podemos começar por eliminar o ISP, afinal de contas mais de metade do custo de um litro de combustíveis é composta por impostos.

Luís Lavoura disse...

Gonçalo Elias,

o aumento de 15% será apenas nas áreas de Lisboa e Porto. No resto do país é de 2,7%.

(E na CP?)

Apenas nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto é o Estado detentor de empresas de transporte coletivo urbano. E ao longo dos anos tem utilizado o seu poder de definir o tarifário nessas empresas, colocando os preços sistematicamente demasiado baixos. Noutras áreas urbanas em que há transportes coletivos, eles são da responsabilidade das respetivas autarquias locais (que os gerem diretamente ou através de concessões a empresas privadas), e o Estado central não tem nada que ver com os respetivos tarifários.

Anónimo disse...

Sem falar deste título brilhamnte do Correio da Manhã:

http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/nacional/economia/novo-passe-so-para-pobres

IsabelPS

Anónimo disse...

"e o Estado central não tem nada que ver com os respetivos tarifários. "

Errado. Todos os tarifários de transportes colectivos (urbanos, interurbanos, regionais, longo curso, privados, públicos, municipais, etc.) são regulados pelo IMTT.

BICIFILA disse...

A CRIL, estrada em Lisboa, custou mais de 200 milhões de euros para 3,7km. Custo unitário superior ao do Metro em Lisboa e muito superior ao do Metro do Porto. Alguém contesta esta utilização dos dinheiros de todos os contribuintes para que alguns passem de popó na CRIL?

Henrique Pereira dos Santos disse...

Tem razão, bicifila, os preços dos bilhestes na CRIL também deviam aumentar.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Henrique, já sei que estamos em total desacordo no que toca à lógica do "utilizador pagador". Deixa-me por isso dar apenas o meu testemunho pessoal, nessa simples condição.
Eu vivo, estudo e trabalho no centro de Lisboa. 90% das minhas deslocações não são feitas nem de transporte individual (automóvel) nem de transporte colectivo. Cá em casa temos um automóvel com 12 anos que é utilizado em média talvez 6 vezes por mês, na maioria dos casos para deslocações de fim de semana para fora da cidade.
Quando tenho muita pressa ando de metro (talvez também em média umas 6 vezes por mês), não gosto de autocarros nem de taxis.

Prefiro que algum do dinheiro que pago de impostos seja usado para subsidiar os transportes públicos porque acredito que isso pode encorajar mais pessoas a utiliza-los e porque gosto mais de andar numa cidade menos entupida pelo trânsito e menos poluída.

alexandre vaz