domingo, agosto 21, 2011

Suão e soão


Durante anos achei que o vento soão (do latim solano, o lado donde nasce o Sol) era o vento Leste (alguns posts antigos devem traduzir isso). Mais tarde disseram-me que não, que suão (de Sul) era de facto um vento quente, mas de sul e sueste, habitualmente abafado e associado a chuvas e trovoadas (este que tivemos por estes dias em boa parte do Sul de Portugal, carregando algumas poeiras do Norte de África, que faz com que os carros fiquem com o aspecto de molhados com água suja).
Ao ler que no Mediterrâneo e o Atlântico Orlando Ribeiro escreve a mesma asneira que eu tinha cultivado durante anos voltei a ficar com dúvidas. Pese embora o meu desprezo por argumentos de autoridade, o Orlando Ribeiro é o Orlando Ribeiro.
Fui de novo fazer verificações e concluo o mesmo que antes: o vento Suão é este vento de doidos, sufocante, pesado, quente, húmido que traz a trovoada e a chuva quente, e não o vento Leste que Almodôvar também dizia ser um vento de loucura, seco e abrasador.
Mas mantenho a abertura para voltar a mudar de opinião, se alguém tiver melhores argumentos que os que encontrei (linguísticos, por exemplo no dicionário Houaiss, mas também climáticos numa extensa lista de referências), para além de um nome entranhadamente popular como o nome deste vento ter mais possibilidade de derivar do Sul que do latino solano.
henrique pereira dos santos

14 comentários:

Anónimo disse...

Henrique,
Suão ou soão recordo-me do meu avô beirão assim designar os ventos vindos de Espanha

Paulo Fernandes

Henrique Pereira dos Santos disse...

Paulo,
Com fontes semelhantes essa era a minha certeza até alguém me ter corrigido a ideia. Fui verificar nos eruditos e de facto é esmagadora a quantidade de referências que falam no vento de sul e sueste (em rigor, mais ou menos de Espanha, para os beirões). Mas de facto não fui confirmar nos velhos (a quem muitas vezes é preciso fazr a mesma pergunta de várias maneiras diferentes para ter a certeza sobre a consistência do que é dito). Por exemplo, saber se é um vento que traz trovoadas ou não pode ser uma boa maneira de despistar de que vento se fala, porque o tal de sueste e do leste correspondem a estados de tempo bem distintos.
henrique pereira dos santos

pqt disse...

Na localidade em que vivo, alguns kilómetros a norte de Coimbra, o termo suão é aplicado ao vento de Leste, que sopra vindo de Penacova, quente e seco e que manifesta-se durante vários dias seguidos sempre bastante forte.

Paulo Tenreiro

Anónimo disse...

O vento de leste, seco, também pode ser acompanhado de trovoada, como aquelas que causaram grandes incêndios no Alto Alentejo e Ribatejo em 2003

PF

G.E. disse...

Henrique,

"o tal de sueste e do leste correspondem a estados de tempo bem distintos."

Exacto. Tipicamente o vento leste (mais frequente na estação fria) ocorre quando o anticiclone dos Açores se estende em crista sobre a Europa central, tendo presente que o vento sai dos anticiclones no sentido dos ponteiros do relógio; já o vento sueste surge mais frequentemente associado a uma depressão que se instala a oeste da costa do Norte de África (Marrocos) ou então na zona da Madeira, lembrando que o vento entra nas depressões no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio; neste caso o mau tempo afecta sobretudo a metade sul do país; mais raramente, quando a depressão se instala sobre Marrocos ou mesmo no Mediterrâneo ocidental, temos então vento de leste com chuva. Em Junho de 1997 uma depressão instalou-se nessa zona do norte de África durante várias semanas e choveu quase todos os dias do princípio ao fim do mês, com vento leste e sueste.

Gonçalo E.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Paulo, isso é verdade, mas digamos que não é o caracteriza o vento Leste. De qualquer maneira nesse ano de 2003, enquanto o interior queimava sob o vento Leste, o litoral protestava com a porcaria da praia cheia de névoas e chuviscos, com vento Noroeste, sendo que essa zona de que falas era de transição entre as duas situações meteorológicas ( o Miguel Esteves Cardozo tem hoje, por coincidência, uma crónica no Público sobre as transições dos ventos que é muito interessante), embora dominasse o vento Leste, sobretudo desde o dia das trovoadas para a frente (como diz o Gonçalo Elias, os episódios de vento Leste até são mais frequentes no Inverno, criando aqueles dias lindos, fabulosos para a fotografia mas com um frio que entra pelos ossos dentro e que na opinião de um dos meus irmãos está tanto frio que a máxima é mais baixa que a mínima, mas nesse ano foram quinze dias quase seguidos de Leste, no interior, com uma fugaz rotação para Sul no dia 3 de Agosto).
henrique pereira dos santos

Henrique Pereira dos Santos disse...

O Gonçalo Elias acaba por me sugerir uma hipótese totalmente especulativa. Sendo o tal vento de Sul e Sueste mais frequente no Sul (Algarve e Alentejo) e bastante mais raro nas beiras (por estes dias nem sobra das trovoadas que existiram até Lisboa e um pouco mais a Norte) será que a palavra vem do Sul e na Beira se adapta ao vento Leste, cujas características muito vincadas (e temidas, nomeadamente em anos de maior secura, por poderem afectar seriamente a produtividade, mesmo soprando só meia dúzia de dias) se adaptam a uma palavra tão expressiva como soão/ suão para caracterizar um vento? Faltava agora um etnólogo ou antropólogo que fosse verificar se a palavra, sendo igual, vai mudando o significado de Sul para Norte.
Pura especulação, claro.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Para os maritimos algarvios os ventos de leste dizem-se " de levante", não têm de ser particularmente quentes mas são quase sempre moderados a fortes e associam-se a um estado do mar com ondulação baixa a média de leste: dizem "suão" do estado do tempo quente vindo de sul, independentemente da intensidade do vento ou do estado do mar.

Saudações

MR

Anónimo disse...

No Baixo Alentejo o vento levante é um vento de leste (Espanha) que é muito prejudicial para todas as culturas por ser quente e seco.
O vento suão é efectivamente de sul muito quente que deixa antever temporais e provoca mau estar por dificultar a respiração (popularmente diz-se que está EM SUÃO).

Vince disse...

Também uma dúvida que tenho há muitos anos e pelos vistos também não vai ser desta que esclarecemos duma vez o assunto.

Na Beira interior a minha mãe com 70 anos ainda há dias chamou Suão ao vento que se fazia sentir, e na altura era efectivamente um vento quente de sudeste, embora já tenha visto na mesma região chamarem suão a ele mesmo quando o quadrante é de leste.

Relativamente às trovoadas vs. calor seco e poeira, até pode nem haver incompatibilidade. Conforme o Gonçalo disse mais acima, normalmente estas situações como a que se verificou recentemente tem como origem uma depressão isolada em altura que se coloca a sudoeste de Portugal. Em inglês cut-off low, em português chamam gota fria.

No Verão a posição dessa depressão actua como bomba giratória que bombeia ar quente e seco do norte de África para a península.

Incluo esta carta para todos perceberam melhor, a carta mostra a temperatura e a altura geopotencial aos 850h, que corresponde sensivelmente 1500 metros neste caso específico.

http://i.imgur.com/5WtWe.png

E já agora a animação completa entre os dias 18 e 22 de Agosto:
http://i.imgur.com/Dgpp3.gif

Ora bem, estas depressões estão geralmente associadas a forte instabilidade, e normalmente mais nas regiões do sul. A razão prende-se com a "gota" de ar frio que existe em altura, o que cria um forte gradiente vertical de temperatura se estiver calor nos níveis baixos, o que traz instabilidade pois o ar sobe mais violentamente.

Só que há um problema, estas depressões em Julho ou Agosto podem nem sempre ser instáveis, e muitas vezes não são porque pode faltar um ingrediente fundamental, a humidade. Por vezes é transportado tanto ar seco e poeira de África que é ingerido pela própria depressão que apesar do tal gradiente nas temperaturas, sem humidade adeus trovoadas. Ou podem ser muito pontuais, como foi no exemplo referido de 2003.

Esta depressão de há dias trouxe calor, mas a transição dela foi muito rápida, e só houve um dia mesmo muito quente, sexta-feira, dia 19, a Amareleja foi aos 43ºC e à meia noite estavam 26,7ºC em Sagres, 31,5ºC em Elvas e 30,2ºC em Pampilhosa da Serra.

Normalmente estas depressões até costumam "bloquear" e ficar ali mais dias o que geralmente acaba por provocar uma onda de calor se for no Verão.

Se olharem para as cartas, a posição dela se variar um pouco pode ter imensa influência, por exemplo ligeiramente para leste e o calor já não vem para Portugal.

Desta vez havia humidade e calor, e houve de facto muita trovoada, mas curiosamente pouca no Algarve, onde houve mais foi no norte do país quando a depressão evoluiu de Sudoeste para nordeste sendo os restos absorvidos por um Cavado já na França.

Voltando ao suão, eu pessoalmente penso que o vento está de facto associado a esta depressão específica, que nuns locais gera vento mais de sul, e noutros locais mais a norte do país mais de leste. Mas o pormenor mais importante será o tal ar quente e seco africano.
Deixo outra animação, da previsão das poeiras desses dias:

http://i51.tinypic.com/ic4epj.gif

Vince disse...

Mas para ainda confundir mais as coisas, uma vez um algarvio para surpresa minha disse-me que o vento Suão era uma coisa completamente diferente. Quem é do Algarve ou passa lá férias no Verão conhece um vento característico de norte, em que subitamente as temperaturas sobem imenso em pouco tempo, às vezes mesmo da parte da manhã. Esse fenómeno é completamente diferente do falado até aqui, trata-se do vento quando roda para norte, o ar quente do Alentejo chega ao Algarve e ao descer as serras sofre um aquecimento adicional e perca de humidade. É um "bafo" repentino muito característico e quem está no Algarve e for minimamente atento conhecerá bem o fenómeno.

Ora esse algarvio disse-me que para ele isso é que era o Suão, palavra que vinha de suor. O vento de leste é o levante, muito conhecido no Algarve porque traz água quente do Mediterrâneo e alguma ondulação, bastante apreciada por quem gosta de praia com algumas ondas. Também tem uma génese muito específica e também junta algum ar quente africano.

Ora ainda não deve ser desta que tiramos isto a limpo.

Podíamos tentar chegar lá pelos provérbios populares, mas também não cheguei a conclusão nenhuma.

- Com vento de suão, não pesques nem caces com cão;
- Vento de suão farta o Inverno, mas não no Verão;
- Outubro suão, negaças de Verão

Vince disse...

Já agora e porque está relacionado para efeitos de comparação, dentro de poucos dias vamos ter novamente uma depressão isolada

http://i.imgur.com/ECGz0.gif

Mas desta vez (se as previsões não mudarem) a depressão não se vai colocar naquele sitio exacto, a sudoeste de Portugal continental. E como tal, o calor seco africano não será puxado para Portugal.

JKL disse...

Curiosamente só ouvi falar deste "vento suão" nas beiras (ali para a zona da Sertã, onde mantenho as raízes), e se a memória não me engana o termo referia especificamente o vento "de trovoada" (como se diz por lá) mais ou menos independentemente da direcção de onde soprava. Mas como quase sempre associada vinha a expressão "de Espanha, nem bom vento nem bom casamento", há a forte probabilidade de o termo referir igualmente a direcção do mesmo.

António Abrantes disse...

Caros amigos, dada a persistência dos ventos anormais nesta primavera de 2013, não posso deixar de publicar a minha modesta opinião. Na nossa latitude o vento normal é o vento de oeste ao qual os romanos chamavam favonius porque favorecia a navegação e a agricultura. Todos os outros ventos anunciam perturbações, sejam centros de altas pressões que giram no sentido horário, sejam centos de baixas pressões que giram no sentido antihorário. Obviamente estes ventos anormais podem atingir diferentes ângulos, mas o que aqui interessa é a sua causa e não o ângulo do qual provêm. No que diz respeito às etimologias não contesto que suão provenha do latim solanus. Devo, porém, dizer que o vento proveniente do oriente equinocial era para os romanos vento subsolanus e que o solanus era rigorosamente o vento proveniente do oriente brumal isto é do ponto onde nascia o sol no dia mais curto do ano, quando os romanos celebravam a festa do sol invictus que foi posteriormente substituida pelo natal cristão. Era , portanto, um vento de sudeste e é por essa razão que os marinheiros algarvios chamam suão ao vento proveniente dos centros de baixa pressão africanos. Esse vento causa ondas alterosas e prenuncia chuva no litoral algarvio, visto que a depressão africana se pode deslocar para norte, com as consequentes chuvas e tempestades, mas tradicionalmente as suas consequências não se fazem sentir ao norte das serras algarvias. As suas causas são as mesmas do do famoso sirocco italiano que por alturas de Roma sopra no sentido sul-norte e chega até aos Alpes, onde cobre os abetos nevados com areia sahariana. Os antigos romanos consideravam-no um vento maléfico e chamavam-lhe auster, palavra donde deriva a famosa austeridade que a troika, contra ventos e marés nos quer impor. O famoso vento levante que se faz sentir na raia, especialmente em ribacoa e que deu origem ao ditado "de Espanha nem bom vento nem bom casamento" não provêm das baixas pressões africanas, mas sim do anticiclone dos açores quando este se desloca para Leste e atinge o golfo da Biscaia. O anticilone quando atinge golfo da biscaia provoca, todos os invernos, o famoso mistral, frio e seco, que causa os famosos invernos da côte d'azur frios, mas cheios de sol. A esse vento os romanos chamavam aquilão e ele sempre influenciou a navegação no mediterrânio ocidental. Na primavera, se o anticiclone se deslocar para sul provoca na bacia do douro o tal vento maléfico, seco e frio, que vem de Espanha e estraga as colheitas. É, no entanto inteiramente anormal que esse vento passe a sul da cordilheira central, domine o vale do Tejo e que chegue até Lisboa, como acontece presentemente. É sinal seguro de alterações climáticas! Agradeço a vossa opinião! Jorge