Há pouco mais de uma dezena de anos foram libertadas algumas cabras-monteses no lado espanhol da Serra do Gerês, pelo Parque Natural da Baixa Limia - Sierra do Xurês. Hoje já são algumas centenas o número de indivíduos que percorrem a Serra do Gerês e a Serra Amarela. Recentemente foram libertados mais alguns indivíduos na Serra do Laboreiro que confina com a Serra da Peneda. E é um grupo dessas cabras que se pode ver nesta imagem. Passado um século sobre a sua extinção, assistimos agora ao regresso da cabra-montês às duas principais serras do Parque Nacional. Mas não
e só a cabra-montês. O aumento da abundância do corço e do javali nesta região nas últimas décadas são também notáveis. São boas notícias para a biodiversidade em Portugal. Em muitos casos as condições para o retorno da vida selvagem são geradas pelo abandono de áreas agrícolas marginais e pela redução da pressão de caça. Mas o caso da cabra-montês é especialmente paradigmático pois não teria acontecido sem um programa de reintrodução. Resta saber em que outros casos programas de reintrodução poderiam ser úteis. Penso que é um debate que urge fazer informado pelo melhor conhecimento científico, incluindo uma análise das condições de habitat, dos potenciais impactos no ecossistema da espécie a reintroduzir, os custos de uma reintrodução versus a espera pela expansão natural da espécie, e os potenciais conflitos sociais (por exemplo, populações de veados e agricultores).
sexta-feira, setembro 16, 2011
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11 comentários:
São já os vários relatos por parte de quem percorre a Serra do Gerês de avistamentos desta espécie.
Tive já oportunidade de as fotografar e a experiência revelou-se interessante,pois elas mostram-se bastante curiosas em relação à presença humana mas guardando sempre um certo distanciamento.
O grupo avistado era composto por 10/15 indivíduos numa zona bem no interior da serra.
Estas fotografias podem ser vistas em;
http://trutaseserras.blogspot.com/2011/01/cabras-selvaguens-no-geres.html
É sabido que há 100 e tal anos atrás existiam cabras montesas no Gerês, a densidade populacional era muito mais elevada do que é hoje e a actividade agrícola não seria marginal, muito pelo contrário, todos os bocadinhos com proveito para a função seriam agricultados. Não compreendo como o aparecimento da cabra tem pois a ver com o abandono agrícola. Centenas de anos de convívio entre actividade agrícola e cabras montesas desmentem tal conclusão.
Quanto à caça, concordo. Muita pressão de furtivos ou caça desregrada pode efectivamente levar à extinção (local) de uma espécie de grande porte e baixa densidade populacional, como foi o caso do desaparecimento da cabra montesa no Gerês, nunca se atribuiu à agricultura em excesso a causa dessa extinção local e temporária.
É um mito afirmar-se que o abandono agrícola das áreas de montanha seja benéfico para a biodiversidade e é lamentável que isso volta e meia seja repetido pelo autor do texto.
Concordo também com o autor quanto a não se equacionar de forma mais assídua o uso de programas de reintrodução de espécies, nomeadamente de ungulados. Repare-se que em Portugal, nestes últimos anos, veados, gamos, corços e cabras montesas tiveram sempre ajuda de mão humana para voltar a pisar os seus terrenos ancestrais.
jaime
O regresso das cabras ao território nacional é uma longa história com contornos de novela mexicana. Durante muitos anos Portugal pediu a Espanha indivíduos para reintroduzir no Gerês, mas tratando-se de um troféu de caça precioso o lobby da caça cedo se mobilizou para garantir a manutenção do monopólio. Ironia do destino, algumas cabras introduzidas relativamente próximo da fronteira acabariam por preferir os territórios luzos. No entanto, mesmo depois disso, apesar das cabras inicialmente libertadas terem transmissores de radiotelemtria, os colegas espanhois sempre se recusaram a fornecer as frequências aos colegas Portugueses. Essas frequências acabariam por ser detectadas por tentativa e erro.
Alexandre Vaz
Não é um "mito afirmar-se que o abandono agrícola das áreas de montanha seja benéfico para a biodiversidade". É um facto. A extinção da subespécie lusitana de cabra-montesa é uma testemunha disso mesmo (os mecanismos que a condenaram à extinção estavam em marcha há muito mais de 100 anos; a presença de uma espécie pouco nos diz sobre tendências demográficas). A cabra-montesa extinguiu-se porque quem fazia agricultura a perseguiu e/ou destruiu o seu habitat (os sistemas tradicionais de utilização dos recursos naturais incluíam tanto a caça como a agricultura). Depois há a flora. O abandono recriou habitats raros ou extintos; maior diversidade de habitats => maior diversidade de espécies de plantas (de insectos e outros animais). E as plantas que dominavam as montanhas despidas de árvores e arbustos pela acção do homem, continuam bem, porque quando as montanhas estavam cobertas de árvores também passavam bem. O argumento da biodiversidade está sobrevalorizado quando se quer justificar a manutenção da agricultura. O abandono (em excesso) é (socialmente) mau porque deprime a produção de riqueza e apaga a memória de práticas que um dia poderão ser novamente úteis.
Por certo Carlos Aguiar saberá mais do assunto que eu, simples (mas atento) observador. Sobre a cabra montesa nem observador sou, pois nunca vi nenhuma. O que tenho lido e ouvido foi que essa espécie desapareceu das serras da Peneda e Gerês devido à perseguição directa movida pelo homem (caça) e não por falta de habitat. Acredito piamente na tese de um amigo espanhol, grande conhecedor e estudioso das coisas do campo: desde que não os matem e tenham de comer, os bichos safam-se sempre. Portanto cabras montesas e homens a agricultar fundos dos barrocos poderiam ter vivido perfeitamente, em paz, lado a lado, caso a veia cinegética não corresse tão forte nos nossos bisavós do Gerês ou nos nobres caçadores encartados de Bragas e Portos, que os haveria de certeza, nada tendo em comum com os serranos que lavravam a gleba.
Caso esta noite todos os furtivos do país lhes dessem para fazer um passeio ao PNPG munidos de carabinas, miras de visão nocturnas, lasers, lanternas tácticas, produtos com odores para atrair os bichos aos locais de espera, sem esquecer os infalíveis laços, pois bem poderia não haver por lá uma couve plantada que as cabras selvagens teriam o destino traçado.
Quanto a "o abandono recriou habitats raros ou extintos; maior diversidade de habitats => maior diversidade de espécies de plantas (de insectos e outros animais).", não foi isso que observei nem observo. Ainda há dias fui dar uma volta por um vale de montanha que conheci bem há uns 40 anos atrás, quando era todo agricultado. Parecia um deserto. Silvas, ervas e alguns matos, que nesse tempo existiam apenas alguns a metros de distância (portanto não houve ganhos de biodiversidade) cobriam as terras onde outrora se produzia uma catrefada de produtos vegetais que alimentavam os serranos. Nesses mosaicos de cores sobreviviam também múltiplos insectos que só pastavam em determinadas couves, vinhas, milhos, batatas, alhos, nabos, tomates, cebolas, etc. Nos estrumes inúmera bicharada. Nos poços e tanques as inevitáveis salamandras e tritões. Junto ás paredes das represas, trutas, bogas e bordalos trazidos por pescador/agricultor, para engordarem ou serem vistos. A passarada, então, é uma dor de alma. Desapareceu. Quase um absoluto zero. Uma tristeza. Poços, tanques e represas levaram pelos invernos o mesmo sumiço dos seus moradores. Um deserto de cores e vida comparativamente com o ainda há poucos anos era facilmente observado. Acima dos terrenos que eram agricultados estão os matos que sempre estiveram. Por cima destes, o mesmo coberto florestal.
OK., há por lá veados, javalis e esquilos. Não os havia antes. E que mais? O que apareceu entretanto (que não existia antes ou existia em pouca quantidade) que tanto é cantado pelos que brindam ao abandono das serras pelas suas gentes? Ou tudo o que desapareceu não entra na listagem científica de plantas e bichos?
jaime
Caro João Dias,
Obrigado por partilhar as suas fotos.
Cumprimentos,
Henrique
Caro Jaime Pinto,
Quando há alterações dos habitats na paisagem há sempre espécies que ganham e que perdem localmente. Mas, a escalas regionais, o que tem acontecido historicamente é que a expansão da população humana e das atividades agro-pastoris levaram à extinção de várias espécies. Só nos últimos séculos, temos como exemplos, para além da cabra-montês no Norte de Portugal, o urso e o lobo em muitas regiões da Europa, os cavalos como espécies selvagens, os auroques (ancestrais do gado bovino), entre outros. E se recuarmos mais atrás, muitas mais espécies poderão ser mencionadas.
Como o Carlos Aguiar refere, separar a caça das agro-pastorícia não faz sentido (veja-se o exemplo do Lobo, com os monumentais fojos que ainda hoje restam). O facto é que se nós continuássemos a ocupar as montanhas como elas estavam ocupadas no final do século XIX/princípios do século XX, altura que correspondeu ao pico populacional em muitas regiões, não só não haveria muito espaço para estas espécies selvagens (incluindo por competição por alimento), mas acima de tudo, os conflitos seriam tremendos. A expansão das populações de veado e javali com uma população e atividade agrícola diminuta já estão a gerar imensos conflitos. Imagine como é que isso seria se tivéssemos ainda esses níveis populacionais e de uso do solo.
O mito que existe é o da co-existência harmoniosa entre a agricultura tradicional e a biodiversidade. O facto de muitas das zonas agrícolas de montanha suportarem mosaicos de habitats muito diversos com elevada riqueza específica florística local tem suportado cientificamente esse mito. Mas o mito não resiste quando se faz uma análise regional ecossistémica.
O problema social que o Carlos Aguiar menciona é gravíssimo. Eu já o discuti em alguns dos meus trabalhos (consultar por exemplo http://www.ecologyandsociety.org/vol10/iss2/art14/ ). Agora, há que atacar esse problema diretamente e separá-lo do problema da proteção da biodiversidade. Essa, em alguns aspectos (e.g. vários mamíferos como o Jaime Pinto bem refere), está a melhorar de saúde nestas regiões.
Note-se que aqui também há uma questão de equidade internacional: não podemos dizer aos países em vias de desenvolvimento para não converterem floresta em zonas agrícolas quando ao mesmo tempo queremos manter áreas agrícolas sem viabilidade económica para evitar o regresso da floresta nos países desenvolvidos. Para ver um artigo com muita piada sobre este duplo critério aconselho-o a ler: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1744-7429.2011.00802.x/abstract
Cumprimentos,
Henrique
Outras reintroduções? Ainda estou para saber se alguma vez o castor e a camurça voltarão ao nosso país... Se não forem os Espanhóis a larga-los perto da nossa fronteira, a minha pergunta tem uma resposta fácil.
Também há a apontar o recente e tímido regresso do veado ao PNPG. Mais uma vez graças ao nossos vizinhos Galegos.
Aqui há uns quantos vídeos do Gerês:
http://www.meteopt.com/forum/biosfera-atmosfera/cabra-montes-capra-pyrenaica-4969-4.html#post258172
E o urso pardo ?
São de facto boas notícias para o PNPG, mas não considera que esta recuperação questiona muitas das afirmações realizadas no processo de revisão do POPNPG? Ou será que entende que já sãos os efeitos do novo POPNPG? Quanto ao debate que urge fazer, e ainda bem que o quer "informado pelo melhor conhecimento científico, incluindo uma análise das condições de habitat, dos potenciais impactos no ecossistema da espécie a reintroduzir, os custos de uma reintrodução versus a espera pela expansão natural da espécie, e os potenciais conflitos sociais", fico com a dúvida se não deveria os produtores "do melhor reconhecimento científico" começar por reconhecer que nada fizeram para o sucesso deste regresso. É que ele se deveu unicamente ao facto das cabras não reconhecerem as fronteiras. Fico é, mais uma vez, com a estranha sensação que o reclamar de parte deste sucesso esconde o desejo de sempre: fechar ainda mais o PNPG aos que gostam de o visitar.
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