Não entrarei em grandes detalhes porque isto é trabalho em curso, não
publicado, em colaboração com colegas das Universidades de Adelaide,
de Stony Brook e do CSIC de Madrid e de Doñana mas fica uma figura que me parece
ser relevante para esta discussão.
No eixo do X temos a linha do tempo e no eixo do y temos o número de populações
de linces ibéricos (áreas mais ou menos isoladas com casais
reprodutores). A linha azul representa um valor médio e as linhas
vermelhas os intervalos de confiança com base em simulações. O primeiro
gráfico mostra o número de populações de lince num cenário "business as
usual" sem gestão do território (neste caso, gestão de populações de
coelhos) e sem reintrodução de linces. O segundo gráfico mostra o mesmo
mas com gestão de populações de coelhos que, não obstante, são
episodicamente afetados por doenças. Os restantes gráficos representam
cenários onde intervêm diferentes estratégias de reintrodução.
Naturalmente isto são resultados de modelos e não a realidade. É
possível que as projeções sejam mais otimistas ou pessimistas que a
realidade (as nossas projeções indicam que a extinção do lince seria
eminente sem políticas de reprodução ex-situ e respetivas reintroduções)
mas tudo leva a crer que a comparação entre cenários é robusta. Ou
seja, a estratégia "do deixar andar" é menos efetiva que uma estratégia
que envolva da gestão intensiva de coelhos e ambas estratégias são
inferiores a uma estratégia que combine gestão de coelho com
reintroduções.
PS. As projecções na figura são feitas com modelos espacialmente explícitos de PVA (Population Viability Analysis), incluindo interações do lince com populações de coelhos, dos coelhos com as suas respectivas doenças, com uso de solo atual e com projeções futuras de clima e de uso de solo que, no caso vertente, consideram um aumento de disponibilidade de habitat para o lince na Península Ibérica (ainda que com tendência para degradação da qualidade de habitats no sul e melhoria destas condições no centro e norte).
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9 comentários:
Miguel,
Lamento mas sem saber os pressupostos de tudo isto não consigo discutir coisa nenhuma. Faço-te notar que o que discuto são exactamente os pressupostos de interpretação do que se está a passar.
Como é natural usaste a melhor informação disponível produzida pelos especialistas. Acontece que a realidade observável está muito mais próxima do que o meu modelo de interpretação da realidade antecipava há dez anos que da realidade antecipada há dez anos pelos especialistas em conservação do lince.
Mas dou de barato essa discussão, que tem mais interesse intelectual que prático.
O que tem interesse verdadeiramente prático é saber o que resulta de cada euro investido em cada uma das hipóteses de investimento que estão em cima da mesa. Nunca ninguém me viu defender uma política de deixa andar em relação à conservação do lince. O que sempre disse (e digo, com nuances que resultam da evolução da minha opinião ao longo do tempo) é que as prioridades dos investimentos estão erradas o que faz com que os resultados obtidos sejam muito menores e com custos muito maiores que fazendo outras opções, em especial centrando todo o esforço na recuperação do coelho (coisa que é muito mais facilmente feita pelos agentes económicos que pelo Estado).
Essa é verdadeiramente a discussão que me interessa nesta matéria. Enquanto conservacionista e enquanto contribuinte.
henrique pereira dos santos
Pois, acontece que nem eu nem tu sabemos se os euros investidos foram bem gastos porque nos falta saber o que teria acontecido ao lince (ou melhor, o que viria a acontecer daqui a alguns anos) se eles não tivessem sido gastos. E como essas coisas nunca se sabem com antecipação e raramente se podem avaliar à posteriori trabalha-se com a melhor informação disponível.
Miguel, acho bem que trabalhes com a melhor informação disponível. Aliás não fiz nenhuma crítica a estes resultados, limitei-me a dizer que não os sei discutir.
Mas a verdade é que podemos saber em que é que foram gastos os euros. E podemos saber o que aconteceu. E com base nisso avaliar hipóteses.
O que sabemos nós?
Que há uma estreita relação entre a regressão e recuperação do coelho e a regressão e recuperação do lince.
E que não temos evidência empírica de nenhuma relação entre todas as outras coisas e o ciclo de regressão e recuperação do lince.
De todos os processos o único que é novo, e portanto não pode ser avaliado por um método de antes e depois, é a reintrodução dos linces, pelo que em relação a reintroduções de linces o que podemos é comparar áreas onde foi feita e áreas onde não foi feita.
E podemos avaliar em que medida há uma aceleração não expectável da recuperação de lince a partir da data da reintrodução dos primeiros linces.
Ora se sistematizarmos a informação que temos o que concluímos?
Que a recuperação do coelho existe quer em zonas onde os projectos de conservação do lince foram executados, quer em zonas onde actividades económicas perseguiram esse objectivo (as zonas de caça, por exemplo), quer ainda em sítios onde não foi feito nada.
Não tenho evidência empírica sólida mas admito que a gestão com objectivos de obter densidades elevadas de coelho (quer onde se executaram projectos de conservação, quer em zonas de caça) tornou mais rápida a recuperação e terá beneficiado as outras áreas.
Quanto à reintrodução faço notar que entre 2002 e 2010 o lince triplicou o seu número e aumentou várias vezes a sua área de distribuição, mesmo em muitas áreas onde não foram executados projectos de conservação.
Como a reintrodução é de 2010, essa recuperação seguiu a recuperação de coelho, mas não pode ser atribuída à reintrodução de linces.
A partir daqui, se estivermos de acordo quanto à descrição que fiz da realidade verificável, podemos então discutir tudo o resto.
Note-se que verificar hoje que determinadas opções não resultaram em nada não é criticar essas opções: com o conhecimento existente na altura essas poderiam ser opções certas.
Triste será se as mantivermos depois de verificarmos que são dinheiro deitado à rua.
henrique pereira dos santos
Parece-me que o Henrque não sabe que há uma "guerra surda" entre o LIFE Lince, que mal ou bem arrancou a espécie do buraco usando os tais 50 milhões de que sempre falo - e estou de acordo com o Miguel quando diz que não sabemos o que teria aocntecido caso não o tivessem feito, não há forma de o saber - e o CSIC e EBD, que "perderam" a batalha pelo controlo da conservação da espécie, incluíndo em Doñana que é onde lhes dói mais (compreensivelmente - EBD - Estación Biológica de Doñana).
É importante referir também que EBD e CSIC são instituições do Estado, e o LIFE Lince é da Consejería de Medio Ambiente, Junta de Andaluzia. E estas coisas de relações entre Autonomias e Estado nunca são fáceis.
É uma guerra triste, até porque há gente muito boa em ambos os lados, grandes técnicos, e grandes cientistas, mas também há muito ciúme e inimizade pessoal. Enfim, o que se lhes pode fazer?
Rodrigo
Não, não sei nem nunca quiz saber das guerrinhas pessoais, institucionais e etc., nesta matéria.
Compreensivelmente há muitos candidatos a heróis da salvação do lince, mas infelizmente o lugar está ocupado há muito e o ocupante chama-se coelho.
O resto é o resto. E interessa-me pouco. A mim e aos linces.
henrique pereira dos santos
A afirmação de que foram os 50 milhões que arrancaram a espécie do buraco não tem nenhuma base empírica. Tem uma coincidência temporal interpretada logicamente. Mas eu conheço pelo menos uma história lógica alternativa a partir da mesma coincidência temporal. E que tem a vantagem de ser coerente com o resto das histórias da saída do buraco dos outros predadores de topo no mesmo espaço de tempo, ao contrário da história dos 50 milhões (que, na melhor das hipóteses terão empurrado, marginalmente, o processo natural de recuperação e terão tido um papel essencial: garantir um plano B no caso da recuperação natural da população de coelho não se ter dado a tempo).
henrique pereira dos santos
Não fica claro nos gráficos, se é tida em conta a capacidade natural de recuperação das populações de coelho, ou se é assumido que, sem maneio, os coelhos mantêm os seus números actuais. Vejo aqui uma contradição entre o que diz o Henrique P. dos Santos (que o coelho se tem estado a recuperar em toda a península, mesmo em zonas não intervencionadas) e o que prevêem estes gráficos (que sem maneio as populações de lince (que dependem das de coelho) perdem-se.
João F. Pereira
João,
Nos modelos assume-se que a dinâmica populacional dos coelhos é determinada pela qualidade do habitat, sendo que esta é afetada pelo clima e pelo uso de solo. Os coelhos são ainda afetados por epidemias cíclicas que se propagam de forma contagiosa no espaço. Cada gráfico incluem centenas de simulações de forma a poder-se obter uma tendência média e os respetivos intervalos de confiança.
O que diz o Henrique é baseado em observações recentes (não sistemáticas) sobre a dinâmica populacional de coelhos e sobre a recuperação do lince. O que o Henrique não contabiliza nas suas interpretações destas observações não sistemáticas é que a evolução climática nem sempre será favorável ao coelho (particularmente na metade sul da Península Ibérica onde se prevêm aumentos de aridez com a consequente diminuição das densidades de coelhos), que estas continuarão a ser afetadas por epidemias (pelo que a evolução das densidades de coelhos seguirá provavelmente uma sequência de curvas e não uma linha ascendente), e que não é garantido que a dinâmica de ocupação de uso do solo seja sempre favorável ao coelho (que beneficia de um mosaico agrícola que em muitos poderá converter-se em povoamentos densos de matos e árvores).
Outro aspeto da análise do Henrique que me parece ligeira é considerar que uma tendência demográfica, temporalmente curta, envolvendo populações extremamente reduzidas de animais, indica uma tendência da qual se podem extrair ilações de longo prazo. É sabido que as espécies raras (como é o lince) são suscetíveis de sofrer alterações muito acentuadas nos seus efectivos populacionais. Estas alterações tanto podem ser de redução populacional, conduzindo à eventual extinção da espécie, como de aumento populacional. A probabilidade de um ou outro acontecer é praticamente igual (tenho dados que o demonstram com séries estatísticas que envolvem centenas de espécies no Reino Unido) mas a consequências de uma redução populacional numa espécie à beira da extinção é praticamente irreversível.
Os nossos modelos são, como todos, incompletos mas são também os mais completos que foram feitos até à data para uma espécie. Os gráficos são comparáveis entre si. Quer isto dizer que assumindo dinâmicas semelhantes em todos os fatores a estratégia mais segura é a que envolve uma combinação de conservação ex-situ com respetiva reintrodução e gestão ativa de populações de coelhos (sabendo-se que estas serão muito provavelmente expostas a flutuações demográficas devido às doenças que os afetem).
Seria possível um cenário mais otimista em que a gestão do coelho fosse suficiente para garantir a recuperação do lince? Talvez mas tal cenário depende uma série de imponderáveis que ninguém controla (por exemplo, ausência de novas epidemias em coelhos, sucesso reprodutivo do lince perto dos 100% nas áreas de expansão, mortalidade de linces, por doença ou abate, muito baixa, etc). Dado o risco de extinção do lince e assumindo que o consenso político vai no sentido de tentar impedir que esta extinção ocorra, uma política que incluam as duas facetas é a mais acertada.
Outra questão é se se considera adequado gastar tanto dinheiro na salvaguarda de uma espécie, sabendo-se que não existem garantias de que o investimento seja suficiente para garantir o seu sucesso. Mas esta é uma discussão política e não técnica.
Miguel,
Tendo acabado um texto que tinha um prazo definido comecei a escrever um post sobre avaliação em políticas de conservação. Aproveitarei o post para responder a este comentário em que assumes que defendo coisas que eu não defendo (e assumes outras coisas de que discordo).
henrique pereira dos santos
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