quarta-feira, julho 18, 2012

O especialista de serviço


Estive de manhã num seminário sobre o novo regime de arborizações (continuaria para a tarde mas eu já não fiquei).
Fez-me confusão a posição do representante da Liga para a Protecção da Natureza e doi-me o coração ver o movimento ambientalista ser esmagado da forma como vi.
O diploma em discussão não é mau de todo, má é a situação actual. O diploma tem aquela estranha cultura florestal que dificulta a sua relação com a sociedade, aquela estranha jactância de julgar dispensáveis todos os sectores da sociedade que, de uma forma ou outra, inevitavelmente se cruzam com as florestas. Por exemplo, a conservação e a pastorícia são desconsideradas como elementos da decisão florestal, são tratadas como empecilhos que atrapalham o futuro radioso das florestas que por direito divino pertence aos florestais.
Até aqui nada de novo e não perderia tempo a escrever sobre o assunto.
A discussão do diploma tem afunilado em torno do eucalipto. Os maiores especialistas do assunto têm-se pronunciado de forma clara e fundamentada.
O movimento ambientalista resolveu alinhar pelo mesmo diapasão.
E o que vi hoje é de cortar o coração a quem, como eu, faz parte do movimento ambientalista.
Um movimento ambientalista igualzinho aos dos anos 80, sem ter aprendido nada, a dizer as maiores barbaridades sobre eucliptos, baseados em artigos científicos de outro mundo, e afirmando orgulhosamente que a discussão em cima da mesa era essencialmente uma discussão ideológica.
Do outro lado, serena e fundamentada, uma indústria de celulose que aprendeu muito desde os anos 80, que estudou, que mudou procedimentos, que melhorou a gestão, que incorporou as questões ambientais nos seus procedimentos e que, naturalmente, arrasou por completo, tecnicamente, os discurso demagógico e primário da LPN.
Poderia ter sido simplesmente um dia mau para o movimento ambientalista, nada que o tempo, o estudo e o esforço não resolvesse.
Era bom que assim fosse.
Só o que o que ali se passou é apenas o resultado de um problema de fundo: as organizações ambientalistas mais vocais, as que mais facilmente se fazem ouvir no espaço público, estão capturadas pelas franjas mais radicais da academia.
As posições das associações não resultam de discussões técnicas entre diferentes sensibilidades e formações dos seus sócios mas simplesmente das idiossincrasias do especialista de serviço em cada momento, que de maneira geral toma conta de um determinado assunto.
Se alguma das associações ambientalistas de repente passasse a alinhar as suas posições sobre fogos por aquilo que vou dizendo, eu acharia muito mal. Certas ou erradas (evidentemente eu acho que estão certas, mas a minha opinião é irrelevante) as minhas posições sobre a matéria são demasiadamente controversas para que possam ser aceites como posição oficial de qualquer associação que teria sempre dezenas de sócios a discordar, legitimamente, de mim.
A solução não é substituir um especialista por outro.
O que falta nas associações é democracia, debate, exigência, contraditório.
Por isso vão definhando lentamente como seitas que não representam ninguém nem intervêem na realidade.
Limitam-se a repetir, ideologicamente, chavões atrás de chavões, como na discussão do eucalipto e da florestação.
É pena, porque bem era preciso um movimento ambientalista forte, tecnicamente sustentado, para que tenhamos melhores regras e mais bem aplicadas.
Declaração de interesses: tenho um pequeno trabalho remunerado para uma das celuloses. Também tenho trabalhos, aliás maiores, para ONGs, mas suponho que isso não interesse nada como declaração de interesses.
henrique pereira dos santos

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