domingo, junho 27, 2004

Santana Lopes a PM? Um problema de legitimidade

(excerto de mensagem enviada para a ambio e para o Dr. Jorge Sampaio)

Porque penso que a saúde da democracia é condição essencial para a existência de uma boa política de ambiente e porque penso que, como cidadãos, não nos devemos alhear destas matérias importantes para o governo da nação, não posso deixar de manifestar a minha indignação pública pela possibilidade de Santana Lopes ser nomeado Primeiro Ministro (PM). Clarifiquemos as coisas:

1. O Presidente da Républica (PR) tem duas opções: convocar eleições anticipadas ou solicitar ao partido maioritário no parlamento que indique um novo PM.

2. Pessoalmente não me parece correcto avançar com a primeira opção sem que a segunda tenha sido devidamente ponderada. A estabilidade governativa é um valor em si e os governos devem governar até ao final dos seus mandatos mesmo que passem por momentos difíceis. Governar implica tomar decisões e tomar decisões gera descontentamento. Era só o que faltava que os Governos caíssem cada vez que o descontentamento se manifestasse nas urnas, no contexto de eleições autárquicas ou Europeias.

3. Nas eleições legislativas não se elege um PM. Elege-se uma lista de deputados ao parlamento e são esses deputados que têm legitimidade para escolher o PM. Não está escrito em parte alguma mas é implicito (é prática em Portugal e noutros Países) que a escolha do PM recai sobre o primeiro deputado da lista vencedora. É por este motivo que se faz uma analogia, prosaica é certo, entre primeiro da lista de candidatos a deputado e o “candidato” a PM.

4. Quando, por motivos pessoais ou políticos, o PM não tem condições para continuar a governar assume-se que o seu substituto, a existir, deverá ter legitimidade política. Ou seja deverá, no mínimo, constar da lista de deputados eleitos. E se formos rigorosos na honestidade com os eleitores deveria representar o segundo da lista de deputados. Nada disto está escrito na Lei. É puro senso comum. Note-se que o cargo de PM é eminentemente político. O PM tem legitimidade política perante o eleitorado. Em contraste, os ministros são nomeados pelo PM e não foram alvo de apreciação pelo eleitorado. A sua legitimidade depende, exclusivamente, da boa apreciação que o PM faça do seu trabalho.

5. Na prática existe um um vício da nossa democracia que faz com os deputados devam fidelidade, primeiro, ao partido e só depois aos cidadãos que os elegeram. Assim explica-se que se considere normal ser a escolha do PM feita pelo Presidente do Partido vencedor e não pelos deputados no Parlamento. Estes constituem uma mera correia de transmissão da hierarquia partidária.

6. Se estes aspectos formais não fossem suficientes, estamos perante a possibilidade de um individuo muito particular ascender ao posto mais elevado do Governo. Este individuo carece de legitimidade política para o cargo pois foi eleito para Presidente de Câmara; não foi eleito deputado. Acresce que é um sujeito de ambição desmesurada face ao mérito que não tem. Antes de dar quaisquer provas de possuir qualidades para o cargo, a
destempo, tem procurado impor-se como candidato da maioria a Presidente da Républica. Ou seja a supremo magistrado da nação e comandante supremo das forças armadas.

7. Por estes motivos considero que o PR apenas deve considerar a possibilidade de o PM resultar de sugestão do partido maioritário se este reunir duas condições essenciais: 1) ser credível do ponto de vista do seu currículo profissional e político e 2) ser oriundo da lista de deputados eleitos durante as últimas eleições legislativas. Se isso não acontecer a única posição correcta será a indesejável convocação de eleições
anticipadas.

Miguel Araújo

5 comentários:

João Soares disse...

Parabens Miguel Araujo
Voltarei muitas vezes

Anónimo disse...

Pedro Lérias: Parabéns, Miguel! Apenas sugiro agrupamento de artigos por grupos, para se poder consultar os mais antigos no futuro.

Miguel B. Araujo disse...

Miguel Araujo - Os meus parabens a' Manuela Ferreira Leite e Diogo Freitas do Amaral pela coragem e clarividencia que demonstraram neste preocupante momento da nossa democracia. Jorge Miranda e Vital Moreira souberam tambem estar a' altura dos acontecimentos.

Nestes tempos em que a "bimbalhada" parece ter-se apoderado do poder e' sempre bom ver que o nosso sistema politico ainda tem algumas figuras publicas com a cabeca no lugar.

Anónimo disse...

Este Blog é para comentar a politica diária ou para discutir questões de Ambiente?



Manuel dos Santos, Lisboa

Miguel B. Araujo disse...

Cara Manuela - Este blog é para aprofundar temas de ambiente. No entanto há, como em tudo, situações de excepção. E o momento que se vive em Portugal, neste momento, é claramente um deles. No meu entender estamos perante um ataque aos principios fundadores do nosso Estado democrático. Perante esse ataque a denúncia pública constitui um dever cívico. Esse é, pelo menos, o meu entendimento. Cumprimentos, Miguel Araújo