terça-feira, junho 16, 2009

A propósito do condomínio terra...

Por constrangimentos de espaço a entrevista que me foi feita na última edição da revista Visão teve de ser cortada. Passada uma semana da publicação do artigo na revista, coloco aqui entrevista completa.

Quais são os novos problemas que ameaçam o planeta e que nos estão a escapar a olho nú?
A pergunta é genérica e é pouco provável que o planeta se encontre ameaçado já que sobreviveu a eventos bem mais dramáticos do que os que vivemos actualmente. No entanto, a vida, tal e qual a conhecemos, essa sim, pode estar ameaçada. Todas as grandes extinções do passado deram origem a novas eras biológicas. Por exemplo, após a última grande extinção, no final do Cretácico, verificou-se uma diversificação extraordinária das plantas vasculares, aves e mamíferos que substituíram um mundo dominado por fetos e dinossauros. Ao propiciarmos uma nova extinção em massa estamos a interferir na evolução da vida e precipitar uma nova era biológica. Ninguém sabe ao certo como será a nova era – ainda que no inicio seja provavelmente uma era de simplificação biológica - mas ninguém pode garantir que seja nos benéfica. Somos uma espécie com uma capacidade de adaptação ímpar mas há limites que a prudência aconselha evitar. Um deles é despoletar mudanças planetárias que não controlamos e que desconhecemos as consequências.

A nossa postura de consumidores compulsivos continua a ser um risco para a saúde do planeta ou há sinais de uma mudança de comportamentos?
Sou céptico quanto à capacidade de mudar comportamentos compulsivos, colectivos, sem recorrer a mecanismos estimulo-resposta. Por exemplo, o aumento do preço do barril de petróleo fez mais pela redução do consumo de gasolina que inúmeras campanhas pela utilização da bicicleta. Da mesma forma, a crise económica está a fazer mais pela redução do consumo do que anos de educação ambiental. Não pretendo minimizar a importância dos actos voluntários individuais. Eles são importantes, mas é bom estar consciente que se queremos alterar comportamentos, teremos de fazer mais do que sensibilizar e deixar o mercado actuar livremente. A criação de mecanismos que estimulem comportamentos virtuosos e penalizem comportamentos anti-sociais é essencial. Um dos mecanismos é a política fiscal. Não obstante, tem havido resistência na utilização da política fiscal para estimular comportamentos racionais do ponto de vista ambiental. O protocolo de Kyoto criou o mercado do carbono mas não incluiu a criação de uma taxa sobre as emissões de carbono. Da mesma forma, continua-se a tributar o trabalho ao mesmo tempo que bonifica o consumo energético. Faz pouco sentido, pois um mundo onde fosse mais barato contratar pessoas e mais caro gastar energia fóssil seria certamente um mundo melhor.

A preservação das partes comuns do planeta (atmosfera, hidrosfera e biodiversidade) está a ser devidamente assegurada pela legislação e instituições existentes?
Os resultados falam por si. Os níveis de concentração de CO2 aproximam-se dos famosos “tipping points”, ou seja, dos níveis a partir dos quais alguns impactes graves são inevitáveis. Por outro lado, a perda da biodiversidade tem continuado apesar do compromisso político de a suster até 2010. Se me perguntar se se resolvem estes problemas criando nova legislação, eu responderei que temos de conceber legislação mas depois é necessário implementá-la. Ora, estou convencido que só há duas formas eficazes de implementar leis: através da coacção, ou através estímulos económicos e sociais que gerem comportamentos virtuosos. Como é natural, existem restrições éticas e pragmáticas que limitam a capacidade de implementar leis, por muito justas que sejam, por via da coacção. Portanto, é necessário apostar numa política de estímulos. Por outras palavras, Direito e Economia têm de andar de mãos dadas se queremos ser eficazes na conservação do natural património comum.

Já que os serviços que a biodiversidade presta ao planeta não obedecem a fronteiras e todos dependemos deles, é possível aplicar-lhes um "valor"? Deveriam ser considerados uma actividade económica?
É essencial reconhecermos que existem bens essenciais que não são transaccionáveis, logo que não têm valor de mercado. Por exemplo, o valor de mercado das abelhas será baixo mas qual o custo do seu desaparecimento, tendo em conta viabilizam a produção de mais de um terço da nossa alimentação (frutos e vegetais)? Não creio que exista dúvida sobre a importância dos serviços económicos prestados pela biodiversidade e pelos ecossistemas. A dúvida está como os quantificar e integrar em mecanismos de decisão onde se equilibram interesses por vezes contraditórios. Como se costuma dizer, o diabo está nos detalhes, mas existem sinais de progresso. Por exemplo, estamos perto de reconhecer o papel das florestas e da sua conservação nos esforços de mitigação das alterações climáticas. A destruição das florestas contribui com 18-25% das emissões totais de CO2 pelo que a quantificação da sua importância e a remuneração pela sua conservação é uma forma interessante de as conservar.

Vai realizar-se em Gaia, em Julho, o Fórum Internacional do Condomínio da Terra. Concorda com a necessidade de viabilizar a aplicação de um conceito de vizinhança jurídica, ambiental, económica e global?
Sim. O direito de gerir os recursos comuns deve ser indissociável do dever de os gerir bem. Ou seja, direitos só fazem sentido quando associados a responsabilidades. Há exemplos interessantes da aplicação destes princípios na gestão de recursos comuns. Na Noruega, o direito de propriedade do espaço rural está condicionado à sua boa gestão. Em Portugal, a Reserva Ecológica Nacional (REN) e a Reserva Agrícola Nacional (RAN) incluem regras para assegurar a boa gestão dos recursos naturais, como sejam o solo e a água. A ideia do Condomínio da Terra é análoga mas dá um passo em frente ao considerar a necessidade de estabelecer uma responsabilidade global, partilhada, face aos recursos comuns. É uma ideia atraente e a sua implementação será um sinal de maturidade civilizacional. É natural que uma ideia tão arrojada gere os seus anti-corpos. Afinal, implica cedências de soberania e a criação e/ou reforma de instituições de governo global. Como sabemos, estes são processos complexos. Não obstante, é inevitável que a par da globalização económica se aprofundem mecanismos de globalização jurídica e ambiental. Não creio que haja outro caminho.

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