quarta-feira, julho 15, 2009

A pedrada e a responsabilidade política


Num país em que a responsabilidade democrática fosse levada a sério o problema de Fernando Ruas não seria um julgamento mas a assunção da sua responsabilidade política.
A notícia, já antiga, que reproduzo abaixo é um triste retrato de um país que num dia demite um ministro por causa de uns cornos e noutro acha que a incitação à violência contra os agentes do Estado tendo por base a resistência de responsáveis políticos ao cumprimento da lei (com sentido figurado ou não do que foi dito é este incitamento à resistência no cumprimento da lei que é o mais grave de tudo) é uma coisa que não vale mais que 2000 euros.
Num país em que a responsabilidade política fosse o contrário do passa culpas e das desculpas de mau pagador, Fernando Ruas teria pedido a demissão quando se apercebeu do que disse.
E que é inequivocamente grave, diga o julgamento o que disser sobre a sua gravidade jurídica.
O problema é político antes de ser jurídico.
O problema é o do Estado e da Lei.
Fernando Ruas demonstrou a maior falta de respeito pela Lei e pelo Estado.
O que é inaceitável num responsável político.
henrique pereira dos santos

Ruas arrependido por sugerir correr fiscais "à pedrada"
14 Maio 2009
O presidente da Câmara de Viseu, Fernando Ruas, admitiu em tribunal que "se fosse hoje teria utilizado outra expressão" para demonstrar "o seu desagrado" para com os fiscais do ambiente, reafirmando que usou a frase em sentido figurado.
Na primeira sessão de julgamento, que decorreu durante a manhã de hoje, no Tribunal de Viseu, Fernando Ruas alegou que "se soubesse que esta expressão era vista com tanta gravidade, teria utilizado outra".
Fernando Ruas está acusado de instigação pública ao crime, por declarações feitas na Assembleia Municipal de 26 de Junho de 2006, onde afirmou que a população devia "correr à pedrada" os fiscais do Ministério do Ambiente.
A polémica frase - que fez com que o Ministério Público de Viseu movesse uma acusação - surgiu após o presidente da Junta de Freguesia de Silgueiros, António Carlos Coelho (PSD), ter voltado a acusar os vigilantes da natureza de "excesso de zelo" nuns casos e de não darem tratamento às situações realmente importantes.
Sentado pela primeira vez no Tribunal de Viseu enquanto arguido, Fernando Ruas disse que "se fosse hoje, teria demonstrado na mesma seu desagrado, embora com outras palavras. Os aborrecimentos que isto trouxe, não são agradáveis".
"Podia ter dito, dêem-lhes uma malha, não seria tão grave", sustentou, reafirmando que a polémica frase foi proferida "em sentido figurado" e "num fórum (Assembleia Municipal) onde as discussões são sempre acaloradas".
Admitiu que o deputado do PS na Assembleia Municipal, Ribeiro Carvalho, lhe fez um reparo à expressão proferida" e que ainda nessa reunião ficou esclarecido que o fez "em sentido figurado". O também presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses sublinhou que "teria sido mais cómodo ter aceite a proposta de fazer um pagamento a uma instituição e ainda um esclarecimento público".
No entanto, defende que não o fez porque "isso seria confessar a culpa", que acha que não tem.
Fernando Ruas esclareceu ainda que no final das reuniões da Assembleia Municipal, é normal ser abordado para falar de assuntos mais quentes, mas "este não se colocou".
"O assunto nem veio publicado na comunicação social no dia seguinte. Veio mais tarde a público por um jornalista que nem esteve presente na Assembleia Municipal", sustentou, frisando que era "incapaz de incitar alguém à violência".
Durante a manhã de hoje foram ouvidos o presidente da Junta de Freguesia de Silgueiros, António Carlos Coelho, e o deputado do PS, Ribeiro Carvalho, que o Ministério Público arrolou como testemunhas.
O autarca de Silgueiros sustentou que entendeu as expressões de Fernando Ruas como sendo "um alerta", sublinhando ao facto de este ter "um discurso muito particular".
"Só nessa reunião (o presidente da Câmara de Viseu) utilizou por 11 vezes a ironia e por 18 vezes o recurso a frases feitas", acrescentou.
O deputado do PS, Ribeiro Carvalho, considerou que as palavras do autarca de Viseu foram "despropositadas" e "um excesso de linguagem".
"Faz parte da luta política e na luta política o alvo nem sempre é para onde se atira a seta, às vezes é um bocadinho mais ao lado", referiu, explicando que Fernando Ruas "atirou a seta aos fiscais, embora fosse mais para quem os dirige".
Foi também ouvido, por vídeo-conferência, José Apolinário, presidente da Câmara de Faro (PS), que sublinhou "a forma de ser cordial de Fernando Ruas" e deu ainda como exemplo "uma frase muito usada no Algarve, que é a do atira-te ao mar", que no seu entender tem um significado semelhante ao da expressão polémica.
A última testemunha ouvida durante a manhã foi Artur Trindade, secretário-geral da ANMP, que sublinhou que Fernando Ruas "tem por hábito utilizar muitas expressões do tipo, em sentido figurado, pela sua origem Beirã".
A sessão de julgamento retoma por volta das 14:30.
CMM.
Lusa

5 comentários:

Gonçalo Rosa disse...

E eu fico com a amarga sensação de que há uns políticos neste país, que não tem problemas em fazer-nos a todos de parvos e que, em última instância, nem sequer tem a coragem de assumir o sentido que deram ao que disseram.

É claro que o problema é também jurídico. Mas é fundamentalmente político e, nesse campo, nada de assinalável se passou... lamentável.

Gonçalo Rosa

Anónimo disse...

Aposto que aos policias municipais (aka caça-multas-de-estacionamento) já ele não diz para os correrem à pedrada!

Unknown disse...

Este Post representa o maior problema da Política Portuguesa, o "politicamente correcto".

só alguem induzido pela cegueira do "politicamente correcto" é que pode fazer uma leitura literal das palavras de Fernando Ruas.

TODOS e repito todos percebemos, como é obvio, que as palavras demonstram apenas um desagrado perante a situação. Mas mais uma vez preferimos fazer da vida pública um lugar sagrado, onde as expressões e os modos que usamos no dia a dia não têm lugar. É pena pq tem sido exactamente essa a razão do afastamento entre o Povo e Classe Política, o "teatro" em que se transformou a vida pública.

Unknown disse...

Caro van Uden,
Não, nem todos percebemos que aquelas "palavras demonstram apenas um desagrado perante a situação" e muito menos que isso é óbvio.

E se quer que lhe diga, acho que numa leitura muito benevolente (que não é a minha), o minímo que conseguiria ler era de que os ditos funcionários do Estado fossem maltratados, quando aparecessem lá pela região...

Mas, como diz, é certamente a minha cegueira pelo politicamente correcto que me ofusca...

Gonçalo Rosa

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Van Uden,
Acha normal e razoável que um responsável político demonstre desagrado pelo facto da fiscalização do Estado fiscalizar obras ilegais, é isso?
Se é isso é exactamente essa leviandade em relação ao cumprimento da lei e ao papel dos resposnsáveis pelo cumprimento da lei que considero completamente inaceitável.
Exactamente por perceber exactamente o que disse Fernando Ruas é que digo que é lamentável que não se tenha demitido e queira desculpar-se dizendo que se soubesse tinha usado uma expressão diferente, como se o problema principal fosse a expressão e não o incitamento à resistência ao cumprimento da lei.
henrique pereira dos santos