terça-feira, julho 14, 2009

pêssegos, preconceito e sugestibilidade


pequenos pêssegos marroquinos em comparação
com um típico pêssego made in Portugal


Há um par de dias atrás, encontrei uma pequena caixa com uns pêssegos bizarros - pequenos e de forma muito achatada - no expositor de um supermercado alentejano. Como gosto de experimentar novos sabores, comprei uma dúzia dos ditos pêssegos, com aroma mais do que aprovado à primeira. Levei-os para o fim-de-semana na praia constatando que a dúzia e meia dos pequenos pêssegos não durariam nem o sábado (sabem como é, o calor, os perigos da desidratação e os gulosos pêssegos eram efectivamente pequenos... e bons :)

De regresso, decidi passar pelo supermercado e comprar o resto de caixa. O preço era bastante aceitável (apenas 0.99€ por kg) e, para além de um inusitado consumo de pêssegos que antevia fazer cá por casa (e que, ao que parece, não me enganei), pretendia oferecer uma parte a alguns amigos. Na viagem, pensei, no entanto, "rentabilizar" o investimento e fazer uma pequena experiência contado com os meus amigos - de quem eu espero um complacente perdão - como cobaias.

Assim, ofereci os pêssegos a 9 amigos e incentivei-os a provarem-nos de imediato. Note-se que quase todos são biólogos ou ligados à área da conservação da natureza. Todos exaltaram o seu doce aroma, mas a 5, mesmo antes de os provarem, informei-os que eram geneticamente modificados. Invariavelmente, quiseram devolver os pêssegos, alguns deles soltando comentários pouco elogiosos como "que horror!" e coisas que tais. Os restantes 4, que provaram os pequenos frutos antes de serem informados, elogiaram o seu sabor e textura, a forma fácil como saía a casca, o tamanho diminuto do seu caroço. No entanto, quando informados que se tratavam de pêssegos geneticamente modificados, relativizaram com uma rapidez surpreendente todas aquelas qualidades há minutos discriminadas. O sabor, afinal, passara a ser fantástico para incaracterístico, e as demais qualidades deixaram de o ser, posto que, afinal, nem se importavam com o tamanho dos caroços, da textura mais fibrosa ou de comer a casca dos pêssegos ditos normais.

Na verdade, aqueles pequenos pêssegos foram produzidos do centro de Marrocos e não eram OGMs ou, pelo menos, nada disso indicava a etiqueta que vinha na caixa.

É fascinante de como o preconceito e o sugestibilidade (neste caso, OGM = mau) pode, per si, influenciar toda uma opinião. E de como, a este respeito, nos devemos vigiar, sob pena de , por exemplo, liquidarmos à partida qualquer discussão em que nos envolvemos. Pelo menos no que eu entendo ser uma discussão, que é coisa bem diferente de uma missa ou de uma conversa de surdos.

Gonçalo Rosa

PS - realço que este post não é sobre OGMs, assunto sobre o qual sou um vulgar ignorante, mas sobre preconceito e sugestionamento... e pêssegos, claro :)

8 comentários:

Anónimo disse...

um dos pessegueiros da minha avó dá pessegos iguais a esses marroquinos e garanto que são deliciosos.

Carlos Aguiar disse...

O ódio aos OGM é um preconceito errado e perigoso. Há OGMs e OGMs. Uma vez coloquei um post na AMBIO sobre o Pico do Fósforo. I.e. depois do Pico do Petróleo teremos que nos confrontar com uma escassez do fósforo, um elemento essencial na gestão da fertilidade da terra. O petróleo, pelo menos como fonte de energia, tem substitutos; o fósforo não. Mais tarde ou mais cedo teremos que desenvolver variedades mais eficientes a extrair fósforo do solo. A engenharia genética, e os OGM terão um papel fundamental nesta questão. Os OGM são uma fonte de esperança que deve ser valorizada.

Margarida Silva disse...

Caro Carlos,
Ao fim de mais de dez anos as empresas de engenharia genética continuam, apesar das muitas promessas, sem comercializar seja o que for para além das duas características com que entraram no mercado (tolerância a herbicidas e resistência a insectos). Nenhuma destas características tem quaisquer vantagens ambientais, antes pelo contrário. Por isso não vejo em que é que esta realidade lhe permite ter esperança aumentada para o futuro, sobretudo considerando que os métodos convencionais de melhoramento, no mesmo período, conseguiram atingir metas (como a tolerância à seca e a fortificação nutricional) com que os OGM conseguem apenas sonhar. O problema do fósforo é real, mas tem de ser resolvido com uma racionalização do desperdício e o fechamento de ciclos de fertilidade que agora são relegados para segundo plano visto que há tecnologias muito mais "sexy", como os OGM. O deslumbramento não costuma ser a melhor via para as soluções eficazes.
Margarida Silva

Carlos Aguiar disse...

Margarida, o facto dos OGM actuais se resumirem a variedades resistentes a herbicidas ou insectos só teria significado se isso significasse uma impossibilidade biológica de agir sobre outros mecanismos fisiológicos, e.g. extracção de nutrientes do solo.
Quanto ao fósforo. É impossível impedir a lenta exportação do fósforo dos solos agrícola para o mar, por mais pequena que seja a solubilidade deste nutriente. Aliás existem evidências de que esta exportação é mais rápida do se supunha. Nem com barragens o podemos impedir. Em última instância, é uma questão de estequiometria química, a escassez de fósforo só pode ser mitigada aumentando as extracções a partir da fracção meteorizável do solo porque, à escala da nossa esperança de vida como espécie, o fósforo acumulado no mar está perdido para todo o sempre.

As estratégias capitalistas do presente não devem embotar a nossa capacidade de antecipar o futuro. Parece-me uma boa ética.

Margarida Silva disse...

Caro Carlos,
Penso que não terá compreendido o essencial do meu comentário. O que pretendi dizer é que se consegue melhor e em maior segurança através de mecanismos convencionais de seleccão vegetal e que como tal os OGM não devem ser a nossa prioridade em termos do problema do fósforo (e muitos outros).
Saudações,
Margarida

Nuno Ribeiro disse...

Possivelmente quem recusou os falsos OGM não o terá feito por obscurantismo científico, pelo sabor, ou sequer por receio a supostos efeitos na saúde que advém do facto dos fabricantes desses produtos combaterem activamente o seu estudo.

O grande impacto de muitas culturas deste tipo é na verdade ambiental, devido ao tipo de agricultura intensiva que potenciam (que, no entanto, é na sua vasta maioria convencional).

Existe desinformação q.b. acerca deste assunto, vinda de todos os quadrantes mas, pessoalmente, concluo que estes produtos não apresentam quaisquer vantagens para o consumidor, ambiente ou sequer para os seus produtores.

Não compreendo também a resistência dos processadores á rotulagem, a inexistência de estudos suficientes dos seus vários impactos, a questão legal da incompatibilidade com culturas biológicas e da violação de direitos de autor, da permeabilidade ética de comissões de avaliação com laços a fabricantes, etc ,etc .

São incógnitas a mais para que se considerem como produtos aceitáveis e infelizmente dão injustamente um mau nome á Engenharia Genética, uma ciência cada vez mais fundamental nas áreas da Saúde, Tratamento de Resíduos e Combustíveis.

Gonçalo Rosa disse...

Caro Nuno,
O preconceito a que me referia era essencialmente o que permitiu aos quatro que provaram e gostaram muito, rebaixarem as suas qualidades quando foram sugestionados que seriam OGMs.
Gonçalo Rosa

Anónimo disse...

Gostaria de voltar ao texto e à idéia do autor a quem parabenizo por táo preciosa forma de mostrar a questáo do preconceito e sugestibilidade. Caro amigo, sua colocaçao me parece oportuna para mostrar a psiquiatras e psicologos que o alcance da sugestibilidade é maior do que o conceituado por eles. Parabéns.