sexta-feira, abril 23, 2010

Tretas


Ecotretas, nos comentários a este post, traz dois argumentos para a discussão da racionalidade da produção de electricidade (que é uma pequena parte da discussão da política energética).
O primeiro argumento pode ser visto aqui e no essencial diz que a venda de electricidade a Espanha a custo zero não é pontual, mas pelo contrário, é frequente. Para o fundamentar apresenta quatro dias seguidos em que isso aconteceu: 3, 4, 5 e 6 de Abril.
Essse argumento merece alguns comentários:
O primeiro é o que de estamos ainda a falar de situações pontuais, continuo a não ver uma avaliação concreta e alargada de quantas horas e, sobretudo, que custo tem esta situação para o sistema eléctrico;
O segundo é a afirmação de que isso resulta do facto de não se poder parar as eólicas (que mantêm o preço de entrega na rede mesmo nestas circunstâncias), quando na verdade isso resulta também da produção base térmica e hidraulica. A primeira não pode ser desligada, a segunda pode, quando o caudal dos rios o permite, o que não tem acontecido este ano, excepcionalmente;
O terceiro resulta do que é dito no anterior sobre a produção hídrica: o que se está a verificar não pode ser avaliado apenas num ano excepcionalmente húmido em que as albufeiras estão muito acima da média do seu enchimento, mas no conjunto dos anos onde habitualmente há capacidade de encaixe que este ano, excepcionalmente, repito, existe apenas de forma muito limitada;
O quarto é que a análise que é feita não é uma análise económica séria, porque omite o facto de que quaisquer que sejam as fontes de energia usadas, é precisa uma capacidade instalada muito superior às necessidades de consumo das horas de vazio (que é quando ocorrem estas entragas de energia a preço zero, valendo a pena lembrar que o camarada tretas escolhe um fim de semana para fazer a análise), pelo que em quaisquer fontes de energia há custos associados à não produção de energia, que podem ser integrados na tarifa paga (como acontece nas outras fontes de energia) ou podem ser pagos com garantia de compra (como acontece nos eólicos). O que não há, seguramente, é almoços de borla, portanto é preciso, para todas as fontes de energia, ser claro na contabilidade;
O quinto, e mais relevante, é que não é feito o balanço de perdas e ganhos, porque seria preciso saber que custos teríamos nós para comprar ou produzir energia em horas de cheio, para perceber em concreto quanto é o sobrecusto das renováveis e se isso é aceitável.
Ora nada disso tem vindo a ser feito, tem-se apenas brandido o fantasma das horas que são pagas às eólicas e oferecidas aos espanhóis (e não estou aqui a falar no facto da península energeticamente ser uma ilha, e não uma península, porque a França e os seus problemas decorrentes da falta de flexibilidade do seu nuclear, nos impedir de ter um mercado de elctricidade bem mais aberto e dinâmico, tanto quanto me parece mas percebo pouco do assunto).
Contas gerais em vez de factos pontuais ajudariam bastante.
O segundo argumento é o de que se está a bombar para depois abrir comportas em Alqueva.
É um argumento ainda mais extraordinário que pressupõe que as barragens deveriam ser equipadas com potências preparadas para turbinar caudais com períodos de retorno alargados, como são os que actualmente enchem Alqueva. E esquece na bombagem a questão não é bem de energia (o que se produz bombando é sempre muito menos que o que se gasta a bombar) mas de economia (compra-se a preço de vazio para bombar, vende-se a preço de cheio, e a diferença de preço por unidade compensa largamente o défice energético negativo). Ou seja, este argumento, se analisado do ponto de vista económico, é totalmente diferente do que parece se analisado do ponto de vista da energia material envolvida.
E os argumentistas sabem disso muito bem.
A primeira pergunta é pois a seguinte: por que razão nuns argumentos usam unidades físicas (energia gasta e consumida) e noutros argumentos usam unidades económicas (custos e proveitos)?
A segunda pergunta é ainda a seguinte: por que razão se extrapolam conclusões gerais de dias particulares em vez de analisar os dados gerais?
henrique pereira dos santos

5 comentários:

EcoTretas disse...

HPS,

Obrigado pelo post. É assim que se discute, com argumentos e contra-argumentos. Vamos chegar à verdade! Sobre o teu primeiro comentário, posso te responder desde já: há muito que isto se vem observando: basta veres este post do início do ano: http://ecotretas.blogspot.com/2010/01/importexport-de-energia.html

Infelizmente, neste momento, para além da minha ocupação profissional, estou demasiado ocupado com um problema de dimensão mundial (http://wattsupwiththat.com/2010/04/22/dial-m-for-mangled-wikipedia-and-environment-canada-caught-with-temperature-data-errors/), mas este fim de semana deves ter uma actualização mais significativa, para te dar resposta aos teus comentários/dúvidas.

Ecotretas

Henrique Pereira dos Santos disse...

O post do princípio do ano continua a ser pontual (seis dias) e numa altura com condições meteorológicas bastante incomuns.
Aliás, desde o fim do ano passado que a situação das albufeiras em Portugal é incomum, portanto ou há uma análise mais alargada do assunto, ou batatas.
Vi no outro dia uns posts sobre dados anormais aqui e ali e continuamos na mesma: toda a gente sabe que há milhões de erros na colecta de dados meteorológicos. Por isso os dados são tratados.
Melhor ou pior é uma discussão que não é fácil. Por exemplo, a Suzanne Daveau, quando estudou o ritmo e a repartição das chuvas em Portugal, passou uma boa parte da publicação a discutir discrepânceas nas observações que tinham sido eliminadas pelos serviços meteorológicos. Mas não o fez desta forma anedótica, o que fez foi olhar para as discrepânceas e ir fazer a análise geográfica do terreno e da situação meteorológica que lhe permitiam interpretar os dados e fazer opções.
Ora é este rigor que não existe nesta discussão (e muito menos num dos lados da discussão).
Que é preciso pôr o preço real nas coisas, de acordo, mas que não vale a pena discutir cada árvora para evitar discutir a floresta, também me parece razoável.
henrique pereira dos santos

EcoTretas disse...

Para uma das tuas dúvidas, já tens resposta aqui: http://ecotretas.blogspot.com/2010/04/dois-tercos-do-alqueva-pelo-guadiana.html.
Não sei de que parte gostarás mais, se a energia potencial perdida ser equivalente à produção da Amareleja durante 5 anos, se da energia efectivamente perdida dar para o consumo de Portugal inteiro durante quase dois dias?

Ecotretas

Anónimo disse...

http://cachimbodemagritte.blogspot.com/2010/04/factura.html

Anónimo disse...

Então e a electricidade que importámos nesse dia a custo zero? O tretas prefere não falar disso?