sábado, julho 03, 2010

Ilídio de Araújo

Ilídio de Araújo fez no Porto a apresentaçäo do livro que escrevi, mas fê-lo usando a apresentaçäo para uma coisa rara, como ele próprio diz: falar de das paisagens, näo tanto do livro.
E porque é hoje raro ouvir Ilídio de Araújo falar de paisagens transcrevo partes do que disse. A extensäo do texto näo me permite a cópia integral e corro o risco de fazer batota escolhendo eu o que transcrever.
Mas achei que o que foi dito há semanas no Porto (e que por estes dias chegou ao meu mail) vale os riscos.
"O meu colega Henrique Pereira dos Santos teve a gentileza de, há algumas semanas atrás, me vir entregar um exemplar de um compêndio de meditações suas sobre as paisagens portuguesas, a que deu o título «Do Tempo e da Paisagem». Proporciona-se-me agora uma oportunidade de publicamente dar conta da meditação que a sua leitura me suscitou, e a que poderia dar quase o mesmo título: «Da Paisagem e do Tempo Actual»
...
Naquele tempo eu andava pelas nossas paisagens à procura de problemas; hoje fujo deles como de perturbadores pesadelos ... só ... me fez quebrar o voto de não mais falar publicamente de «paisagens» num país cujos governantes confundem econometristas com economistas, desenhadores com urbanistas, idiotas com doutores. E para quem os problemas das paisagens são problemas de lana caprina que nada têm a ver com a produtividade final do nosso trabalho colectivo.
...
a gestão das paisagens exige de quem tenha de a fazer um conhecimento muito abrangente do funcionamento e exigências dos múltiplos sistemas que as integram ou devam integrar, e do modo de os harmonizar para evitar imcompatibilidades, deseconomias e desequilibrios que possam tornar-se catastróficos por empolarem exageradamente os custos de produção, e assim comprometerem a produtividade do nosso trabalho colectivo.
...
Porque a gestão qualificada das paisagens tem de se alicerçar forçosa e basilarmente no respeito pelas exigências do funcionamento economicamente viável nos sistemas bióticos de fixação da energia solar (nas explorações agrícolas, florestais e nos sistemas hídricos).
...
A maior parte dos nossos responsaveis políticos quando ouve falar de paisagens continua a focar a sua atenção apenas em aspectos pseudo-estéticos, porque, esquecendo completamente as funções essenciais das paisagens humanizadas, permanecem insensíveis às desastrosas consequências económicas do desordenamento paisagístico
...
o progresso técnico, a explosão demográfica, o progresso humano e social, e a globalização mundial da economia, fizeram recair sobre a Administração Pública um volume imenso de tarefas de previsão e de coordenação, que eram imprevisíveis há 60 anos – quando a ambição máxima de desenvolvimento que se propunha para cada português não passava de uma cabana, uma horta e sete palmos de terra no cemitério paroquial (emprestados por quatro ou cinco anos). Hoje qualquer idiota doutorado em contas de mercearia e mestre escola incapaz de escrever uma postal sem dar uma dúzia de facadas na ortografia da sua própria língua reclama do Estado o direito adquirido a uma infinidade de serviços mais ou menos gratuitos, e de um menu de mordomias e privilégios, acrescentado com vencimentos mensais de milhões de euros.
...
Mas foi precisamente, quando começaram a crescer exponencialmente as responsabilidades políticas no domínio da gestão do território, e que a acção política mais exigia a presença de uma rectaguarda técnica à altura da complexidade dos problemas, que um governo de pessoas irresponsáveis resolveu desmantelar os gabinetes de estudo e planeamento (sectoriais e de coordenação) que já tinham acumulado os saberes e a experiência indispensáveis à fundamentação da actuação governativa e, quebrando a tradição de os postos de chefia na Administração Pública serem ocupados por funcionários que ao longo das suas laboriosas carreiras se tivessem revelado os mais capazes de garantirem a melhor gestão e evolução dos serviços públicos, promoveu a ocupação dos postos de chefia no aparelho do Estado por indivíduos cuja única recomendação para o lugar era a cumplicidade partidária com os governantes. Desse modo o aparelho do Estado entrou em rápida degradação, muitos lugares de chefia dos Serviços públicos foram invadidos por uma vaga de idiotas e oportunistas sem preparação para o desempenho das funções que o posto requeria. e os governamtes passaram a governar apoiados numa rectaguarda de pessoas tecnicamente irresponsáveis, mas que rapidamente se convenciam de terem recebido do Espirito Santo, no acto da investidura, todas as competências exigidas pelo desempenho das funções inerentes ao lugar que lhes foi confiado.
...
Naturalmente é a parte mais vulnerável da nossa população que já está e vai continuar a pagar durante as próximas décadas o preço de se deixar governar durante os últimos 25 anos por primeiros-ministros tão pretenciosos e arrogantes nas suas propostas, como inconscientes das suas limitações e impreparados para as responsabilidades da governação.
...
A optimização da produtividade do trabalho e dos investimentos tem de ser o objectivo essencial das políticas de ordenamento das paisagens, e impressiona-me ouvir constantemente apontar a baixa produtividade do nosso trabalho como a nossa maior pecha económica, ao mesmo tempo que vai passando década sobre década, sem que os responsáveis pela nossa Economia se apercebam de que o principal factor responsável pela baixa produtividade social do trabalho do povo português (dentro do seu país) é precisamente o inqualificável desordenamento das nossas paisagens humanizadas, geridas por idiotas em obediência a planos idiotamente elaborados.
...
E depois de vários partidos políticos terem aproveitado a sua passagem pelo governo para instalarem no aparelho do Estado as suas clientelas, assistimos agora ao espectáculo revoltante de governantes oriundos de partidos que andaram as esbanjar os recursos postos á sua disposição para racionalizarem os sistemas produtivos do país, andarem a esmifrar o povo laborioso, não para endireitarem as finanças do País, mas para continuarem a sustentar os privilégios das quadrilhas mais ou menos parasitárias que incrustaram no aparelho de Estado para lhes garantir alguma esperança de reeleição, face ao número crescente dos que, não se revendo em nenhum dos actuais partidos políticos, são ainda frequentemente assaltados pela suspeita de que alguns destes estejam a transformar-se em autênticas organizações mafiosas.
...
A maior parte dos portugueses continua a pensar que, como há 100 anos, qualquer espertalhaço de olho vivo é capaz de conduzir a nau do Estado a porto seguro, e têm tendência para confiarem mais no vendedor de banha-de-cobra que em troca de voto lhes promete uma cautela do Euro-.milhões, do que em quem lhes diz que se quizerem uma velhice tranquila têm de se sujeitar a uma vida ordeira e laboriosa, e olho atento aos vigaristas que o cercam .
Concluo que no âmago do nosso drama actual está o problema da gestão racional e ordenada das nossas paisagesns, que, tanto quanto me é dado apreciar, continua a ser orientada por idotas irresponsáveis."
henrique pereira dos santos, citando Ilídio de Araújo

2 comentários:

Jaime Pinto disse...

Caro Henrique, li "Do Tempo e da Paisagem" e acho-o muito interessante e instrutivo. Mas dele não obtive o desejo pela revolução, com bombas e fuzilamentos, algo que sinto ao ler as palavras do seu colega Ilídio de Araújo quando fez a apresentação do seu livro. Provavelmente escapou-me algo...

Henrique Pereira dos Santos disse...

Jaime,
Como digo, Ilídio de Araújo falou mais de paisagens que do livro. O texto é a visäo de Ilídio de Araújo sobre as paisagens em Portugal e o livro foi apenas o pretexto para isso.
henrique pereira dos santos