quarta-feira, agosto 25, 2010

150 000 cabras, 48 milhões de euros

O projecto pelos seus promotores (ou pelo relato da sua apresentação que dele faz o jornal Cinco Quinas, porque no site dos promotores há dificuldade em ter acesso a informação mais detalhada, embora no primeiro jornal do Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial, a páginas 8 e 9, se faça uma descrição genérica):
"O Director Geral do AECT Duero-Douro, José Luis Pascual Criado, pormenorizou as características do Projecto Self-Prevention. Segundo as suas palavras, além de actuar activamente para a prevenção de incêndios, o Projecto contribui para um modelo de desenvolvimento socioeconómico para todo o território do Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial Duero-Douro.
Disse que o investimento em matéria de prevenção é necessário para terminar com o fogo, mas também é necessário o envolvimento dos habitantes. Defendeu o Self-Prevention como projecto social, territorial, para as pessoas que moram nele, gerando um plano de futuro a longo prazo.
...
Está-se a trabalhar no Projecto Self-Prevention a partir da base, ou seja, a prevenção de incêndios.
Este visa reintroduzir 150.000 cabeças de gado para que sejam os próprios animais os "limpadores naturais" dos campos agrícolas abandonados, matos e valetas, deixando livres de vegetação aquelas zonas de potencial perigo de incêndio.
O projecto irá implantar-se num território fronteiriço de Portugal e Espanha, num total de 9 mil Km2, com 125 mil habitantes, e envolverá 187 entidades públicas dos dois países.
Após o investimento inicial, calculado em perto de 49 milhões de euros, estima-se uma rentabilidade anual do projecto de 30 milhões de euros. Com este projecto estima-se a criação de 558 postos de trabalho especializado, até porque está prevista a criação de 12 queijarias, uma central de comercialização, dois matadouros, 15 lojas de venda de produtos, e uma plataforma logística de transporte e distribuição, para além de se acreditar em novas potencialidades turísticas da região.
Para a concretização do projecto espera-se agora a adesão dos agricultores, onde existe a influência deste projecto. Os agricultores que apostarem nesta iniciativa, por cada cabra que coloque no projecto, recebe uma acção, e os proprietários de terrenos recebem três acções por hectare. Os lucros obtidos serão repartidos, depois, pelos titulares de acções no projecto. Para já, do lado português, estão envolvidos os municípios de Vila Nova de Foz Côa, Figueira de Castelo Rodrigo, Almeida e Sabugal, tendo já sido demonstrada também a intenção do município de Manteigas em aderir ao projecto do AECT.
Este projecto estará articulado em torno duma empresa de participação pública e privada que optimizará a sua sustentabilidade económica na produção e comercialização de leite e derivados caprinos.
Por: Cinco Quinas"

Quem lê o que aqui e noutros lados escrevo sabe que eu não poderia deixar de subscrever as intenções deste projecto e ficar satisfeito de ver quase todos os jornais e sites de jornais de hoje a falar positivamente, e não como uma ideia impossível de operacionalizar, de um projecto que pretende ter 150 000 cabras para ajudar à gestão do fogo e à criação de riqueza e emprego no interior rural.
Mas ao mesmo tempo conheço demasiado bem esta lógica de captação de recursos, por entidades públicas que se juntam para fazer entidades privadas que apresentam projectos de candidaturas a ajudas públicas, que incluem muita infra-estruturação (lojas, queijarias, matadouros) e no fim se espera a adesão dos verdadeiros produtores.
Por mim preferia que fizessem um fundo de capital de risco para entrar no capital das empresas dos produtores até elas atingirem a velocidade de cruzeiro, vender a sua participação e partirem para outra.
48 milhões de euros em capital de risco já era relevante.
Assim, fico satisfeito com a difusão da ideia, espero e desejo que resulte, mas como contribuinte tremo só de olhar para a fotografia de topo deste post, que retrata os membros do Agrupamento Europeu de Cooperação Trans-fronteiriça, e pensar que é esta a base de gestão de um projecto de 48 milhões de euros entregues ao Estado por quem produz riqueza.
henrique pereira dos santos

6 comentários:

Carlos Aguiar disse...

Uma boa ideia com os riscos que referes.
A informação disponibilizada deixa muito por explicar. Falta saber como será feito o pastoreio, em que tipo de terrenos e com que carga. Se toda a área do projecto fosse pastada a carga animal rondaria as 0.025 CN/ha, insuficiente para atrasar o avanço dos matos (os animais atrasam o avanço dos matos, não bloqueiam a sucessão ecológica). Faltam também elementos para perceber como se pode produzir leite de forma económica a pastar monte e lameiros de secadal numa área mediterrânica continental - como são as escarpas e os planaltos vizinhos ao rio Douro - com a produção de biomassa (de má qualidade) concentrada em 2-3 meses do ano.

paulo disse...

Compreendo a urgência duma solução, e a sedução desta proposta q a meu ver romântica tem nas pessoas. Mas evoca problemas a meu ver mais graves do q os incêndios e menos mediatizados começando pelos de saúde e bem estar animal, omitindo outros tantos temos o mais importante uma vez q o projecto propõem se ser rentável e fixar gente. O consumo de carne de caprino estagnou nas ultimas décadas e sempre com tendência negativa, o preço do leite desceu, imaginando q o projecto é cumprido integralmente qual será a sua sustentabilidade e impacto para os restantes caprinicultores.

paulo

aeloy disse...

Gostaria de saber onde está o registo do decréscimo do consumo de carne de caprino assim como onde se obtem o registo do consumo de leite (e desde logo os derrivados, manteiga e queijo) destes.
Esta informação é contrária aos registos que conheço (de confrarias e de produtores de manteiga e queijo).
António Eloy

João M. A. Soares disse...

A propósito desta iniciativa, com que concordo, permito-me esta pergunta:
- As anunciadas, pelo Ministro da Agricultura, "indemnizações" pela perda de animais durante os fogos, não vão fazer arder muita paisagem silvo-pastoril nos próximos dias/meses?

Jaime Piedade Valente disse...

Teoricamente parece giro, mas duvido muito que a prática não velha a revelar mais um elefante branco. Uma cabra cor de rosa e verde, no caso.

Luís Lavoura disse...

"como se pode produzir leite de forma económica a pastar monte e lameiros de secadal"

Racional seria produzir carne e não leite. Em vez de uma queijaria, construir um matadouro de acordo com as regras halal (islâmicas), e exportar a carne resultante para os países do Magrebe.