sábado, setembro 04, 2010

Uma alegoria de Portugal

Li hoje esta notícia no Público.
Conheço estes processos dos centros de alto rendimento para o surf por três razões: enquanto funcionário do ICNB participei nas análises dos processos quanto à sua conformidade com as questões de conservação; enquanto responsável no ICNB pela programa de turismo de natureza procurei articular estes centros com a lógica que se procurou construir na visitação das áreas protegidas; a direcção técnica da federação portuguesa de surf pediu-me apoio no desenvolvimento do processo.
Alertei várias vezes para o conflito de interesses resultante da ligação familiar ao surf (ligação essa que foi a razão pela qual a federação de surf falou comigo) mas sempre me disseram que isso era uma mais valia e portanto acabei por acompanhar os processos. Na realidade não havia nenhuma questão de fundo de conservação envolvida e portanto não era complicado gerir a dupla condição de funcionário e de interessado (relativo, não tenho nenhum interesse directo, apenas me interessa o desenvolvimento do surf em termos gerais) na matéria.
Desde o primeiro dia a minha preocupação era perceber o modelo de gestão destes centros e desde o primeiro dia que ao Instituto do Desporto só interessavam os calendários das obras.
Desde o primeiro dia que confrontei o programa megalómano do Governo português (sete centros de alto rendimento, cada um deles com um pesado programa de infra-estruturas e zero de modelo de gestão e sustentação económica) com o que eu conhecia do centro de alto rendimento da Gold Coast na Austrália, uma das principais mecas do surf mundial, localizada na maior potência desportiva de surf.
A descrição que me foi feita desse centro de alto rendimento, para um artigo que escrevi para um revista de surf , era o de um pequeno edifício, integrado num complexo público de piscinas, com um pequeno ginásio, um pequeno centro médico e mais uma ou outra sala. Mas muito bem organizado. Com as coisas a começar a horas, com uma gestão rigorosa e onde toda a gente paga os serviços prestados.
O que leio nesta notícia parece-me uma alegoria de Portugal: um programa megalómano, um planeamento irrealista, uma execução com incidentes (dos sete programados o de Peniche é o mais bem estruturado na sua execução e que vai de vento em popa, portanto imagine-se o resto) e um desconhecimento total sobre o modelo de gestão e a sustentabilidade financeira futura.
E no entanto não tinha de ser assim.
É verdade que pelo que se vê em Portugal, nos fogos, no mundo rural, na organização escolar e por aí fora, ao contrário do velho verso de Fernando Pessoa "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce" o que parece é que a obra nasce por vontade própria, o homem não sabe bem o que lhe fazer e Deus não quer saber do assunto para nada.
henrique pereira dos santos

1 comentário:

João disse...

Antes de mais parabéns pelo post que mostra como faz obra pela obra no nosso país.

Ainda acerca do fogo e das conversas que andam por ai, recomendo um link interessante:
http://www.asla.org/sustainablelandscapes/kresge.html

Onde se pode ver o uso practico do fogo em ambiente urbano (imagem 8 a última)

João